Exceções existem, mas ao conversar com /entrevistar artistas – e aí pode ser na música, artes plásticas, teatro, literatura etc. -, é normal ouvir sobre a necessidade de buscar novos caminhos, experimentar, sair da zona de conforto – expressão que, de tão repetida, soa clichê, mas faz sentido em várias ocasiões. Teago Oliveira é um exemplo: o vocalista da Maglore lança nesta terça-feira (17) “Boa sorte”, primeiro álbum solo depois de quatro discos e dez anos de carreira com a banda baiana. O trabalho, um dos selecionados no edital 2018 do projeto Natura Musical, sai pelo selo Deck e já está disponível nas plataformas de streaming.
Durante conversa com a Tribuna nesta segunda-feira (16), Teago disse viver sob inspiração, mas que às vezes se deixa levar por uma certa preguiça. Tanto que ele explica que a decisão de gravar um álbum solo era antiga. “Há muito tempo queria fazer algo diferente da banda, mas nunca consegui realizar o disco por questões de recursos, tempo e agenda. Com a Maglore, a gente grava disco num ano, sai em turnê no outro, mas aí consegui o edital da Natura em 2018, então foi a oportunidade, até porque passei a ter um prazo”, explica, animado.
“Boa sorte” foi gravado no estúdio Ilha do Corvo, em Belo Horizonte, com produção de Leonardo Marques. Das 11 faixas, oito foram compostas exclusivamente por Teago; “Bora” foi feita com Luiz Gabriel Lopes, enquanto “Últimas notícias” teve como parceiro Marceleza de Castilhos, que assina ainda “Azul amarelo”, única sem a assinatura do cantor. Dentre as novas experiências, está o fato de que Teago Oliveira foi o responsável por tocar boa parte dos instrumentos (guitarra, violão, contrabaixo, conga, surdo, teclado, auto-harp), com Leonardo complementando com percussão, piano, teclado, contrabaixo e programações. Além da dupla, Felipe Continentino tocou bateria, Rodrigo Garcia, violoncelo, e Thiago Mello, violino.
Quanto a shows de divulgação, Teago diz que pretende encaixá-los quando existirem buracos na agenda da Maglore. O primeiro está marcado para Salvador, em 3 de outubro, e o segundo em São Paulo, no dia 18 do mesmo mês. “Estamos negociando os próximos shows, mas pelo menos em 2019 não devem ser muitos, porque a Maglore está com a agenda cheia até o fim do ano. E já temos músicas para um próximo álbum da banda, começamos a ensaiar essas ideias. Em breve, vamos para um sítio compor algumas coisas, e ano que vem é possível que tenhamos novidades.”
Sem vaidades
Perguntado sobre a importância de ser visto também como artista solo, Teago deixa claro: não há vaidade alguma nessa história. “As pessoas já me veem como compositor na Maglore, que é gravado pela Gal Costa, pelo Erasmo Carlos. Fazer um disco sozinho serve para o amadurecimento musical, sair da zona de conforto com a banda, que tem sua própria estética musical, em que tudo é fruto de criação coletiva”, diz. “Eu gosto de banda, sou apaixonado por estar em um grupo, adoro ver um álbum sair diferente do que imaginei quando trabalhamos coletivamente. O grande lance (do disco solo) é a aventura, fazer praticamente sozinho, tocar quase todos os instrumentos. Se tiver que mudar uma ideia, só eu que mudo, você acaba testando muita coisa. É como se começasse uma nova carreira.”
O próprio processo de gravação foi diferente do que estava acostumado. “Geralmente ensaiamos antes de gravar, e dessa vez não teve ensaio. Eu ia lá, sentava com o violão, o Leonardo mandava eu gravar. O ensaio foi a própria gravação, e tínhamos tantos instrumentos à volta para experimentar… Eu falava para gravarmos uma conga que estava no estúdio, e ele perguntava quem ia gravar. Respondia, ‘eu mesmo’. Muita coisa foi feita assim, brincando a partir do ‘esqueleto’ da canção, e depois fomos tirando, deixando mais enxuto. Uma das coisas que mais me deu prazer no disco foi sentar com quase nada e uma hora depois ter uma música gravada.”
Apesar de ser sua estreia solo, o primeiro álbum do cantor e compositor reúne canções de diversos períodos de sua vida e carreira, indo dos primórdios da Maglore até uma que entrou praticamente na hora do apito final. “Eu costumo compor devagar, não faço muitas músicas por ano. Já tinha algumas a caminho quando soube do edital, no final do ano. Vinha pensando em um álbum independente, isso (a aprovação no edital) só me tirou da preguiça de completar o disco”, conta.
“Há músicas (em “Boa sorte”) que não entraram no primeiro disco da Maglore, e algumas que surgiram do nada, como ‘Corações em fúria (Meu querido Belchior)’, o single que lançamos antes do álbum, que fiz quando tudo estava praticamente pronto e gravei correndo para entrar no disco. É algo que criei na última hora e que achei que faria sentido entrar no álbum. As músicas representam vários momentos da minha vida, o trabalho foi sendo construído à medida que algumas canções, por mais diferentes que fossem, faziam sentido perto da outra.”
Existencialismo, nostalgia e amadurecimento
Quanto às letras, Teago diz que “não chega a ser outra coisa” em relação ao que escreve para a Maglore, mas que, sim, há alguma diferença por estar por conta própria no projeto. “Eu me permiti ser um pouco mais sério no disco; alguns assuntos desse álbum não cheguei a abordar na Maglore. Algumas letras tinham temáticas relativas a uma idade mais avançada, e a banda tem aquela energia jovem. O ‘Boa sorte’ é uma reflexão de uma pessoa adulta sobre os dias de hoje; a Maglore já abordava isso no último álbum (“Todas as bandeiras”, de 2017), mas aqui faço de forma mais fria e adulta. Não ‘mais adulto’ de forma pejorativa, apenas acho que o olhar e a energia são de uma pessoa mais velha.”
Dentro dessa questão de amadurecimento, as letras de “Boa sorte” tratam das mais variadas questões, sejam elas existenciais, sobre o momento atual, saudade, amor, nostalgia e com o que mais o ouvinte se identificar. “Muitas vezes, quando componho uma letra, acontece de escrever algo que não sei muito bem o que é, só vou entender quando termino e faço algumas correções. Mas sempre tento escrever de uma forma muito honesta, quase nunca vou fazer uma letra ou música sobre algo que não estou sentindo, mesmo que seja sob encomenda”, afirma.
“Essas letras, vendo de longe, são ‘fáceis’, cantáveis, quando você está na superfície”, analisa. Mas também carregam uma densidade, pois tratam de questões como a solidão. Tem um momento de saudade, como em ‘Longe da Bahia’; quando criei estava com um sentimento de nostalgia muito grande em relação a Salvador. Moro há alguns anos em São Paulo, continuo visitando Salvador muitas vezes por ano, mas não tenho o mesmo contato de antes, muita coisa na cidade mudou. Tentei por isso ambientalizar fora dos tempos de hoje, com influências de Dorival Caymmi, dos anos 50 e 60, dar um sentimento de nostalgia.”
“Longe da Bahia”, aliás, não é a única a fazer uma ponte sonora com o passado. Quem ouvir o primeiro álbum de Teago Oliveira vai perceber que há muito dos anos 70 nas canções, o que não faz o trabalho, entretanto, de acumular bolor. “Tem muita referência musical tanto para gravar quanto mixar, além da personalidade artística de quem estava ali. A assinatura do Leonardo é low-fi; ele usa poucos agudos, os microfones são antigos. E eu gosto dessa sensação nostálgica. Gosto de som moderno, mas me arramo muito em sons assim. A música que fiz com o Luiz Gabriel (“Bora”) acabou com uma atmosfera meio Jorge Benjor no álbum ‘Força bruta’ (1970). Também tivemos influências de artistas novos, mas com som mais fechadinho, com essa referência nostálgica. Acho legal o disco ter essa beleza de levar para o futuro, o passado, como um filme tem o poder de nos levar para um mundo de fantasia.”