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Artista convida juiz-foranos a interagirem com suas esculturas em ferro no jardim do Mamm

Foto: Olavo Prazeres

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Instalação no térreo do Mamm apresenta gravações em feltro, feitas com ferro e forja também exibidas para que o espectador acesse processo que Jorge retira da crueldade da escravidão e ressignifica nas artes (Foto: Olavo Prazeres)

A menina pequena toca, se debruça e trespassa. Depois posa para as lentes do celular da mãe. Entre a curiosidade e o fascínio, comenta a surpresa com o peso da agigantada escultura que ocupa o jardim do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), na esquina da Rua Santo Antônio com a Benjamin Constant. “Achei que fosse de madeira, mãe”, diz a menina enquanto passa a mão no ferro oxidado de mais de três metros de altura e pesando mais de duas toneladas. Jorge dos Anjos, o autor dos trabalhos, olha a cena e sorri. “Isso é o que mais me provoca a fazer novos trabalhos”, comenta. “Não interessa se tem ou não africanidade ali. Independentemente de tudo, o público interage”, acrescenta o artista que na semana passada chegou para ver um guindaste içar as duas obras de um caminhão vindo de Belo Horizonte, onde vive há cerca de três décadas. “A grande vocação da escultura é estar num espaço público”, resume o homem de 61 anos, nascido em Ouro Preto, cidade-museu com suas obras públicas reconhecidas internacionalmente. Em “A ferro e fogo”, exposição que o Mamm inaugura nesta terça, às 21h, após encontro com o artista às 20h, Jorge dos Anjos volta-se para uma africanidade que a opulência da cidade histórica silenciou.

Apresentando ferretes com os quais reproduz padrões étnicos caracteristicamente africanos, Jorge defende sua ancestralidade incandescente, a ferida que ainda não cicatrizou, a marca que ainda faz lembrar os horrores da escravidão. Intitulada “Casa de ferraria”, já montada em Belo Horizonte e ano que vem prevista para viajar até a Pensilvânia, a instalação que ocupa o primeiro andar do museu juiz-forano recria o espaço de uma casa cuja estrutura é feita em ferro oxidado e as paredes são compostas por grossos feltros marcados por ferro em brasa. No centro do espaço, está a forja e os ferretes utilizados para o trabalho. Na entrada, espadas-de-são-jorge recebem o espectador. O som do trabalho com ferro serve como trilha. No ar, ainda, um cheiro de queimado.

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“Chamo de gravadura a ferro e fogo, porque é o ferro quente que faz o desenho. Não tem tinta aí. Eles usam ferro quente para marcar o gado e na época da escravidão, quando os escravizados fugiam, eram marcados na pele dessa forma, castigados por quererem a liberdade, o que não podia”, aponta Jorge, que com o trabalho busca recompor a cultura, os ritmos, as formas e as construções de matriz africana. “Sempre achei que esse é um trabalho de afirmação. Da cultura, do pensamento, da essência. Nunca escondi minha condição, sempre coloquei na frente. Fazendo o que faço, acho que contribuo. E foi o tempo que me permitiu, a maturidade”, reflete.

Em Ouro Preto, conta o artista, “os escravizados não tinham muito direito e espaço para exercer suas culturas. Olhando para a cidade hoje, não vemos muitas referências. Ela está disfarçada”. As marcas da ancestralidade, Jorge encontrou no candomblé. “Sempre busquei, desde os 14 anos queria fazer uma arte crioula. Naquela época não tinha meios, só tinha o desejo, a vontade. O Nello (Nuno, artista e professor) dizia que eu já fazia isso na pintura. O Amílcar (de Castro, artista construtivista mineiro) também defendia que minha pintura era crioula. Eu quis aprofundar isso e fui pesquisar e observar na religião, na música e em em outras áreas para trabalhar os elementos.”

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Exuberantes, peças que pesam toneladas, sintetizam desejo do artista em ocupar espaço público sem perder de vista estética africana ancestral (Foto: Leonardo Costa)

‘É o corpo inteiro que trabalha’

Tem um peso, o trabalho. Figurado e literal, os sentidos. Jorge dos Anjos é autor de uma escultura inaugurada nos 300 anos de Ouro Preto que mede dez metros e pesa 13 toneladas. Em Sete Lagoas, há outro trabalho seu medindo 12 metros e pesando 15 toneladas. Ambas as peças foram produzidas numa indústria, transportadas numa carreta e levantadas por um potente guindaste. Quando em menores dimensões, os trabalhos de Jorge são produzidos no ateliê do artista no Bairro São Francisco. “O aço dá para cortar. Uma chapa de 13 toneladas permite que desenhe e corte. Hoje até o laser corta. Quando comecei, era tudo no maçarico. O aço dá para moldar, soldar, mesmo sendo muito grande. E se fosse feito em granito, o peso seria absurdo. Com a chapa de aço dá para fazer peças que resistam ao tempo no espaço público. É um material apropriado”, explica ele, que foi despertado pelos grandes formatos quando começou a estudar os mexicanos.

“Fiquei muito interessado por (José) Orozco, (David Alfaro) Siqueiros, os muralistas mexicanos. Víamos grandes pinturas em igrejas, nos tetos, em edifícios, mas os muralistas retratavam o povo. Eu via aquilo e pensava que a arte deveria estar na rua. Não era para mim, para vender, para colocar numa casa (pode até ser assim), mas minha intenção era a arte como coisa pública”, comenta ele, considerado hoje um dos grandes nomes brasileiros na área, com projetos Brasil afora. “No início, a busca é pela linguagem. Depois que encontramos um caminho, buscamos superar a própria linguagem. Eu não queria ser igual ao Amílcar de Castro, nem ao Franz Weissmann, nem ao Eduardo Chillida (espanhol). Eu buscava a minha arte”, diz ele, que extrai da brutalidade dos materiais alguma organicidade.

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Resultantes de um percurso iniciado com a pintura, as esculturas de Jorge dos Anjos refletem reverberações íntimas do artista. “Trabalho com arte desde pequeno. Desde os 7 anos eu desenho e pinto. Era coisa de criança, com lápis de cor”, conta. “Nascendo em Ouro Preto a gente acaba convivendo muito com a arquitetura barroca, Aleijadinho, (Mestre) Ataíde, arte de maneira geral. Desde cedo estudo artes. Fui para a Fundação de Arte de Ouro Preto quando tinha 13 anos. Fiz curso de restauração, desenho e pintura. Sabia quem eram os artistas, conhecia as igrejas e os museus. Lá tive aulas com o Nello Nuno e descobri que com a pintura eu poderia contar histórias e fazer poesia. Depois, tive uma convivência grande com o Amílcar de Castro. E mantive pela vida toda”, recorda-se ele, nitidamente influenciado pelo mestre, como na peça exposta próximo à escada do Mamm.

“Na verdade, só fui utilizar o que aprendi com o Amílcar quando fui para as esculturas. Organizei meu desenho, que era caótico, e migrei para a escultura. Com ele aprendi a pensar o espaço. Ele me deu régua e compasso. O pensamento geométrico vem dele. Mas também vem da herança africana. Apesar de nunca ter ido à África, sempre me interessei muito pelas coisas de lá, tenho no avesso, no umbigo”, aponta Jorge, que se volta de corpo inteiro na mais recente série, “Casa de ferraria”. “Esse é o meu trabalho mais novo. Os primeiros que fiz foram para a Copa do Mundo da Alemanha, há oito anos. No início, fazia as gravações numa lona de tela de pintura, mas como ela é mais frágil, queimava muito e perdia. Depois descobri o feltro, que resiste ao calor e, então, dá para brigar mais, fazer mais pressão. Tenho as peças recortadas, vou escolhendo, aquecendo e queimando. A forja está acesa, um assistente esquenta e me passa quando estão incandescentes. Eu vou queimando, e nem penso mais. É o corpo inteiro que trabalha, numa energia muito forte. É o calor do fogo, o calor da peça, o cheiro que a fumaça dá. Tudo isso gera um desgaste muito forte”, observa, para logo comparar, certeiro: “A pintura é mais afetiva, feita no silêncio, já a escultura é algo mais ligado ao guerreiro.”

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A ferro e fogo

Exposição de Jorge dos Anjos. Encontro com o artista nesta terça, 18, às 20h. Abertura da exposição às 21h. Visitação de terça a sexta-feira, das 9h às 18h, sábados, domingos e feriados, das 12h às 18h, até o final de dezembro, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant 790 – Centro)

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