17″O Eco foi um espaço de formação para muita gente, acredito. Para mim, especificamente, foi quando entendi o que era a poesia, a poesia hoje, a poesia de verdade, fora do livro. E foi ali que eu percebi que eu precisava ser poeta, ou então entendi que já era. Mas o Eco não é o que sobrou do Eco. O Eco era aquele momento no Mezcla, na arquibancada, com o barulho da fritura e, sobretudo, o cheiro que a fritura deixava na roupa da gente. Depois que o Mezcla fechou, o que restou foi o saudosismo e um arrastamento de algo que já tinha se acabado, que foi derrubado junto das paredes do edifício”, observa o poeta e editor Otávio Campos na lucidez que só mesmo o tempo, com sua possibilidade de distanciamento, é capaz de provocar.
Para Otávio, que integrou a organização do extinto Eco, o evento já havia acabado antes de seu fim. “A escolha mais acertada, a meu ver, foi parar de dar esse nome aos eventos de poesia que fazíamos. Claro que o Eco já tinha uma história, era uma forma de inserção em alguns espaços, mas para mim sempre me soou mal, já que não construíamos nada a partir daí: era mais um sarau do que um movimento, e levava esse título fantasia para cumprir um ritual. Claro que, com a dispersão do Eco (ou o que chamávamos assim), os encontros se tornaram mais esporádicos, mas foi importante para repensarmos o que queríamos fazer, o objetivo de qualquer movimento que nos impulsionasse para esse lugar. Para mim, o que estamos propondo agora, com o Leituras Públicas, surge dessa pulsão. Muito menos para suprir uma perda de espaço e de nome e mais pela honestidade de construir uma reunião que seja realmente nova, que seja realmente nossa, do jeito que eu e quem mais quiser fazer comigo desejarmos”, pontua ele, que coordena – ao lado de Fernanda Vivacqua, Anelise Freitas e Fred Spada – a Macondo Edições, um dos frutos da boa safra atual da literatura produzida em Juiz de Fora.
Amadurecida, a produção do presente não quer apenas ser dita. Quer ser lida e, sobretudo, pensada. As reuniões, portanto, ensejam questionamentos acerca dos elos que esses poetas contemporâneos apresentam entre si. Segundo a poeta, professora e tradutora Prisca Agustoni, há ao menos três marcas que pulsam no momento: “Vivemos no Brasil um momento muito rico por várias razões: a primeira delas, política, porque há uma falta de sentido em valores mínimos como o amanhã; a segunda é que tenho percebido um levante maior nas editoras independentes, que floresceram, e acredito, até, que as melhores coisas hoje, em termos de poesia, estão nessas editoras independentes; a terceira, por fim, é a internet, que tem todo um desserviço, como se fala, mas é inegável que consegue tirar as polarizações, deixando todos por dentro, facilitando e ampliando o acesso à informação. Tudo isso conflui para um momento rico, que traz um desafio: é difícil traçar caminhos que mostrem quais são as tendências hoje. Há alguns caminhos que parecem ser mais presentes, mas é complexo definir linhas”, defende, pontuando, ainda, o forte intercâmbio entre gerações que tem presenciado. “Isso é muito bom para a literatura, porque areja.”
Tomando a tese do poeta e ensaísta brasileiro Marcos Siscar, Otávio Campos acredita que “uma das marcas da produção contemporânea (e uso esse termo com algum receio) é justamente não ter uma linha mestra que guie as obras. É uma situação diferente das épocas anteriores, em que havia um diálogo estético/formal e temático que juntava os artistas em um movimento único, mais ou menos regular. Essa ideia me desperta algum interesse, e pesquiso justamente isso no doutorado. Eu defendo que, no lugar dessa linha mestra, existe na verdade uma linha de fuga, ou melhor, várias linhas de fuga, que podem ser o ponto de encontro dessa geração. De uma forma bem simplificada: estamos fugindo de alguma coisa, e isso pode ser as imposições da geração anterior, as imposições do mercado, as imposições do sistema (e todos os outros clichês que guiam essas afirmações). Como fazemos isso que é o diferencial de um poeta para o outro.” Para Otávio, é possível colocar lado a lado esses poetas, numa leitura contextual, mas os diálogos visíveis são escassos.
A parte de vários todos
Na perspectiva de que não há um eixo comum entre a produção atual, é possível compreender todos como estrangeiros num mesmo terreno, o que ajudaria a reverter um quadro ao qual a suíça radicada em Juiz de Fora se vê permanentemente confrontada. “Lá fora é muito comum os autores estrangeiros participarem mais ativamente do cenário nacional literário. No meu país já é assim há muito tempo. Na França também é assim. Aliás, a renovação da literatura em língua francesa já se dá pelo Caribe, pela África. Na Inglaterra também é assim. Na Suíça, até pela diversidade linguística – temos três fortes regiões, o italiano, o francês e o alemão -, sempre houve uma imigração muito grande, principalmente cultural, desde a primeira guerra, em função de uma suposta neutralidade. Isso permitiu que se abrigassem lá vários autores e autoras de outras regiões, que falam outra língua e passam a escrever, também, em uma língua nacional suíça. Já no Brasil, na maioria dos prêmios literários, é preciso comprovar, no ato da inscrição, que é brasileiro. É um fato que limita muito. E hoje, numa época de globalização, a tendência é não ficarmos tão presos a isso”, comenta a poeta, cujo discurso de pertencimento recebeu um reforço de peso na última terça, 14, quando foi anunciada como uma das 60 semifinalistas do prêmio literário Oceanos.
“Comemoro o fato de ser uma autora estrangeira, que publica por uma editora minúscula, com uma tiragem de cem exemplares, sem a grande mídia por trás, e numa cidade de interior. Estar na semifinal me parece um feito incrível. Tem muita gente fazendo coisas boas, mas o grande problema no Brasil é a visibilidade e a acessibilidade”, pontua Prisca, uma das figuras onipresentes na programação paralela da Festa Literária de Paraty deste ano e integrante, cada vez mais, de antologias nacionais. “A questão de ser estrangeira, hoje, parece que ninguém mais coloca. Parece ser uma barreira que não sei como se superou. Nunca percebi que tinha que fazer força. Me vejo num movimento natural. Não é uma bandeira política minha, porque não escolhi ser estrangeira aqui por gosto. Foi um acontecimento da vida. E isso é algo que me interessa inclusive fora daqui: tenho um olhar mais atento, instintivamente pelos autores e pelas autoras que escrevem em outra língua. Acho instigante esse tipo de literatura”, comenta.
Sarau e lançamento de livros, neste sábado, 18, às 15h, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Banjamin Constant 790 – Centro)