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Ney Matogrosso faz show voz e piano neste sábado em JF

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“Eu não sei trabalhar sem ter essa liberdade”, sentencia Ney (Foto:: Marcos Hermes/ Divulgação)

O prazer. Esse substantivo que diz tanto. Essa sensação tão ligada à liberdade. Ao ser e estar por completo, com vontade. Talvez isso, esse sentimento, tenha sido o motor de uma vida inteira de inventividade e convicção e, por isso, verdade. Até nos momentos em que tentaram tirar a liberdade, Ney Matogrosso confrontava por prazer, no palco, na vida e nas músicas que escolhia cantar. Ele, que tão novo decidiu desvencilhar-se de um passado rumo ao desconhecido, exatamente, por prazer. Que explodiu no palco desde seu primeiro contato com esse espaço, seja no teatro ou com o Secos e Molhados, mesmo que sem saber o que significava tudo isso. Que escolheu a arte não só por ofício, mas por prazer e necessidade. Agora, neste sábado (18), o Sensorial Centro de Cultura que, por nascença, tem a inventividade tão típica de Ney Matogrosso, recebe o artista em seu show de voz e piano com Leandro Braga.

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Não é a primeira vez que Ney Matogrosso vem a Juiz de Fora. É verdade. Recentemente, por exemplo, lotou o Cine-Theatro Central com seu show “Bloco na rua” que, inclusive, já tinha passado por lá em 2019. Perfeccionista confesso, admite que seus shows são pensados nos mínimos detalhes. Mas, mais recentemente, entendeu que o acaso também gera um espetáculo por si só. É por isso que cada show seu se torna único. É estar solto no palco, sob as luzes, que reside a inventividade e a explosão que ele é. Durante a ditadura militar, que coincide com o surgimento do Secos e Molhados, algumas dessas ações eram, sim, confrontantes, desde o repertório até a escolha do figurino, para incomodar. Apesar de afirmar: “Bom, é. Eu tinha liberdade, né?”. E agora? “Eu não tenho mais confronto nenhum. Agora é meu prazer.”

Com Leandro Braga, em um jogo de luzes e o cenário sendo o próprio palco; a junção daqueles corpos que se encaixam musicalmente. Ney faz cinema. E ele aprendeu, com o tempo, as diferenças entre o que fazia e as especificidades da sétima arte – ser intérprete e ser dirigido. Recentemente, por exemplo, estreou o filme “A alegria é a prova dos nove”, de Helena Ignez: uma narrativa-desbunde-militante que tem ele como um dos personagens principais. Não é a primeira vez que ele é dirigido pela cineasta. Mas garante que esse foi o que se sentiu mais pronto e, por isso, foi mais elogiado. “Cinema é muito difícil de fazer. É diferente do que eu faço. Eu demorei para entender.” Já que Ney diz que, neste show, faz é cinema, serve como comprovação de que sua escolha é mesmo pela arte, no geral.

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Tribuna: Você vem, pela primeira vez, com um show diferente. E é mais intimista que os outros, que o “Bloco na rua”, por exemplo.
Ney Matogrosso: É. Eu gosto das duas formas. E acho que para o Sensorial não caberia aquela banda enorme, a produção enorme. Do jeito que vai ser é mais a cara do lugar. É mais intimista. É uma outra maneira de estar, que eu acho mais difícil para mim, que é só cantar. Eu acho mais fácil quando tem a extroversão. Porque foi a forma que eu cheguei ao palco. Porque até então (antes de se tornar artista) eu não sabia nem o que era um palco. Mas eu descobri que isso aqui também é bom fazer. É uma outra frequência. Eu, de vez em quando, faço com o piano apenas. Agora, eu acho mais difícil, por exigir. Porque você com uma banda, com dança, com tudo, você não exige uma precisão exata. E desse jeito exige. A atenção fica na voz e no instrumento. Como exercício é muito importante. Embora o palco também exija muito de mim. E eu sou aquele que acredita no perfeccionismo e que nem sempre se alcança. É um pouco inalcançável.

E como você foi entender essa unicidade do palco na sua apresentação, esse perfeccionismo?
Eu entendi isso de palco quando eu fiz o “Pescador de pérolas”, que eu abri mão de todo o resto e só cantei. Ali eu entendi. Eu lia que eu fazia sucesso porque eu ficava pelado, e que eu não era um cantor. E eu acreditava naquilo. Até que um dia eu disse: “Bom, eu vou ver se eu sou cantor mesmo agora”. Vesti branco. Os músicos pediam para eu dançar e eu não dancei. Disse: “Não, aqui não tem dança, não. Eu só vou cantar”. Aí eu entendi que é possível.

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Essa explosão, esse desbunde, quando se fez presente?
O desbunde sempre esteve presente na minha vida. A liberdade, né? Esse “ Bloco na rua” não é ensaiado. Quer dizer: ele é ensaiado, as músicas, mas eu faço o que eu quero no palco. Não é marcado. Antigamente eu fazia tudo marcado: na mesma hora eu estava no mesmo lugar. Agora, não, eu estou em qualquer lugar. Depende do que eu esteja sentindo na hora. É muito interessante também. Um exercício de estar solto.

Mas essa sua forma de estar sempre foi aceita?
Eu vejo o público com os olhos tão arregalados em minha direção, que eu fico achando que não é uma coisa comum, não. Eu vejo. Eu canto olhando na cara deles. Eu canto para eles. As palavras são direcionadas para eles. Então eu percebo assim: uma grande curiosidade da parte deles e uma grande receptividade àquilo. Antigamente, eu tinha que confrontar a plateia. Hoje em dia eu não preciso mais disso.

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Isso tudo tem relação com o teatro, que foi sua primeira escolha enquanto artista?
Tudo tem a ver com o teatro. Foi ele que me preparou para isso. Todas as peças que eu fiz eram musicais. O que me preparou para isso foi o teatro. Eu descobri que é a minha forma preferida de estar no palco: figurino, cenário, luz, tudo – o teatro. Agora, nesse show, acho que o teatro fica ali de outra maneira. Mas tem uma pose. Um show como esse é mais para o cinema do que para o teatro. A maneira de estar no palco. E como eu não danço, eu não saio do lugar. Eu canto o show inteirinho parado no meio do palco. Não é um show que eu tenha necessidade de dançar. É uma maneira de me mostrar cantor, sim.

E dos artistas, naquela época, você tinha reconhecimento?
Quando eu comecei, eu tinha apoio de alguns. Mas mesmo dentro do meio artístico eu encontrei gente que me estranhava. Mas eu também nunca liguei. A sorte da minha vida foi que isso tudo começou, e eu já tinha 31 anos. Eu já tinha maturidade. Já tinha vivido muito. Soltado de casa aos 17 anos. Eu cheguei já mais seguro de mim. Embora eu não soubesse absolutamente nada do que eu ia fazer, no Secos e Molhados. Aquilo surgiu dada a necessidade de eu ter alguma utilidade dentro daquilo a não ser um crooner apenas. Eu não queria ser um crooner apenas. Eu queria ocupar um espaço. Aí eles me disseram: “Ah, um metro quadrado aí é seu”. Disse: “Tá bom. Então eu vou fazer o que eu quiser”. Eu era descolado já da questão familiar. Eu vivia minha vida por minha conta. Eu era independente. Não tinha muita satisfação a dar. Eu temia, na verdade, que o governo fosse cair em cima de mim. Mas eu pensava: “Tudo bem. Vai cair e eu vou continuar. E vamos ver até onde nós vamos”. Era um confronto mesmo.

Você sempre cantou músicas brasileiras sem se limitar a um estilo. Cada disco é uma surpresa para a gente que te ouve, né?
Eu acho que eu sou um cantor brasileiro. Eu já tive alguns problemas comigo mesmo. Quando eu gravei “Homem com H”, eu achava que eu cantando um forró poderia parecer que eu estava fazendo um uso indevido por eu não ser do nordeste. Mas aí teve um momento em que eu pensei: “Mas, não. Você é do Brasil. É brasileiro. Isso tudo é música brasileira”. Hoje em dia eu não tenho mais nada, eu canto de tudo mesmo. Eu canto o que me dá prazer. Eu não sei trabalhar sem ter essa liberdade. Porque eu não sei trabalhar submetido a regras. Essa questão de repertório para mim é isso: não estar submetido a nenhuma regra mesmo. É cantar o que eu gostar.

E, então, com o Leandro Braga, entre tanta coisa que já fez sucesso na sua voz, como é ainda fazer um repertório?
No repertório tem um monte de coisa que me dá vontade de cantar. Eu não sei nem te falar qual é o repertório. São as coisas que me dão prazer. Porque ali a gente fez isso despreocupado em fazer sucesso ou não. Foi um momento de “Vamos fazer?” “Vamo.” Vamos fazer então só o que a gente quiser. Pronto: foi isso. E assim as coisas acontecem da melhor forma.

Você tem isso de pegar as músicas que canta como se elas fossem suas. E elas acabam sendo, né?
O Chico falava que eu pegava a música dele e transformava em minhas. E que as filhas dele, ainda crianças, gostavam mais comigo do que com ele. Eu ouvi isso uma vez. E eu pego mesmo. Tem umas músicas que são minhas, por exemplo. “Balada do louco” é minha. “Metamorfose ambulante” é minha. É do Raul, mas é minha. Eu aposso assim mesmo. E fica no meu repertório para sempre. É minha também. A Rita Lee disse que todo mundo pensa que “Balada do louco” era um sucesso dos Mutantes. E ela desmentiu. Disse: “Essa música virou sucesso com Ney. Ele que fez ela ficar conhecida mesmo”. E acho que sim. Porque calhou de eu gravar em um momento em que as pessoas prestaram atenção naquela música. Eles faziam como se fosse uma brincadeira. Eu levava extremamente a sério aquele assunto. “Homem com H” já tinha sido gravada três vezes. E quando eu gravei virou uma coisa assim. Quem fez a música diz que fez pensando em mim. Mas demorou muitos anos para se aproximar de mim e me apresentar a música. Aquela coisa: “Nunca vi rastro de cobra” era de um personagem de uma novela, que sacudia o braço e falava isso. Ele tirou daí. Ele fez para mim. Mas eu só fui conhecer depois. É. Tenho isso. A vida é assim.

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