Site icon Tribuna de Minas

“Cavaco das Minas”: para as mulheres que são do cavaquinho

PUBLICIDADE

O samba pode ter em sua história artistas mulheres conhecidas por tomarem a frente do palco, como Dona Ivone Lara e Clara Nunes, entre outras. Porém, quando pensamos nos instrumentistas, o ambiente é machista, com homens sendo presença majoritária. A elas, sobrava apenas os papéis de passistas ou a cozinha. Esse panorama vem mudando aos poucos, e eventos como o Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba buscam dar à mulher o protagonismo raramente reservado a elas.

Iniciativas como essa geram outras, e em Juiz de Fora já temos um grupo de mulheres dispostas a participar das futuras rodas de samba de cavaquinho nas mãos. É o caso do Cavaco das Minas, que desde julho está no Instagram (@cavacodasminas) e Facebook entrevistando outras instrumentistas pelo Brasil, apresentando curiosidades, novidades e mostrando seu talento com o instrumento – e também os erros, pois quem não vê beleza quando dá aquela escorregada perde boa parte da diversão.

PUBLICIDADE

O Cavaco das Minas reúne quatro mulheres com origens e atividades diferentes, mas que têm em comum o amor pelo samba e pelo cavaquinho ou instrumentos afins: a professora de pilates Andréa Mello, a jornalista Erica Salazar, a instrutora de trânsito – e ciclista nas horas vagas – Rosilene Moraes e a bailarina Gabriele Generoso. As quatro já se conheciam em maior ou menor grau de blocos carnavalescos, como o Parangolé Valvulado, do grupo Guerreiras de Clara, de oficinas ou das redes sociais.

Depois de muito adiar por vários motivos, Andréa Mello começou as aulas de cavaquinho e incentivou outras mulheres (Foto: Divulgação)

Chegadas no cavaco

Andréa conta que o projeto é desdobramento de algo notado com a realização das duas edições do Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba em JF: a carência de mulheres que dominassem o cavaquinho. “Eu já tinha tentado aprender a tocar cavaquinho há uns dez anos, mas ficou inviável com filho pequeno. Então, no ano passado, decidi que tínhamos que produzir cavaquinhistas em Juiz de Fora, e na primeira quinta-feira depois da Roda já estávamos dentro de uma sala, aprendendo cavaquinho.”

PUBLICIDADE

Quem ficou responsável pelas aulas foi um dos instrumentistas mais conhecidos de Juiz de Fora, Roger Resende. Com professor garantido, ela fez uma postagem no Instagram e várias mulheres demonstraram interesse, entre elas as outras três integrantes do projeto. “Ficamos de novembro a março sem parar, mas com a pandemia tivemos que cancelar as aulas presenciais”, lamenta Andréa.

Erica Salazar conta que já havia começado a estudar o cavaquinho em junho de 2019, mas teve de interromper três meses depois para cuidar da mãe. “Ela ficou três meses hospitalizada e acabou não resistindo. Foram alguns meses de luto até reencontrar e alcançar a turma que já estava formada. Em janeiro retomei meus estudos, já com o grupo, e tive um novo estímulo para continuar.” As aulas com Roger passaram a ser on-line, e elas mantiveram contato por um grupo no WhatsApp chamado… Cavaco das Minas.

PUBLICIDADE
Gabriele Generoso sugeriu a criação do perfil no Instagram, em atividade desde julho (Foto: Divulgação)

Contato com outras cavaquinhistas

No início, a ideia do grupo era servir de canal para troca de material e de incentivo entre elas, mas aí surgiu a proposta de uma desafiar a outra. Segundo Andréa, seria apenas no próprio grupo, mas logo veio a sugestão de criar um perfil no Instagram. “A ideia da página foi minha”, diz Gabriele Generoso. “Tornar isso público em uma página onde pudéssemos trocar conhecimentos com quem já toca e, principalmente, quem está aprendendo. E deu supercerto”, comemora.

O “Cavaco das Minas” chegou ao Instagram em julho, e logo o quarteto preparou uma série de atrações para os seguidores. Uma delas são as lives às terças-feiras, inicialmente às 15h, mas que agora passaram para as 18h; e ainda rolam os desafios musicais entre elas.

PUBLICIDADE

“Temos um planejamento semanal de postagens diárias. Os temas variam, mas os quadros são uma orientação para as pautas”, explica Erica. “Se tem sambista aniversariando, ele se encaixa em algum quadro. E são vídeos leves, tendendo ao humor, onde enaltecemos a presença da mulher no samba. Não necessariamente falamos só das mulheres, mas elas sempre estão no menu principal.”

Quanto às lives semanais, a jornalista destaca que sempre são com mulheres cavaquinhistas. “Descobrimos muitos talentos do Brasil e até do exterior. Fizemos lives com uma cavaquinhista argentina e uma japonesa! Temos ainda o desafio semanal, em que cada uma escolhe uma música para tocar. Depois disso, colocamos nossos erros no ar, com uma pitada de humor, porque a gente se diverte com tudo isso. O empoderamento feminino é uma forma de exercermos a sororidade em um ambiente ainda machista. Mas estamos chegando.”

Andréa ressalta que o Cavaco das Minas começou a pesquisar sobre as mulheres que tocaram ou tocam cavaco, o que levou às lives. “Descobrimos uma cavaquinhista em São João Nepomuceno que há 40 anos já tocava em rodas de samba. Com a pesquisa veio a ideia das lives para registrar isso”, diz. “No caso dela ainda não conseguimos, porque ela não sabe como mexer com tecnologia.”

Jornalista Erica Salazar tem relação com o cavaquinho que vem da infância (Foto: Divulgação)

União feminina em ambiente machista

Ainda de acordo com Andréa, o Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba aumentou o número de interessadas em aprender cavaquinho, e não apenas em Juiz de Fora. Em sua visão, o Cavaco das Minas, pelo feedback alcançado, tem ajudado a dar mais passos na mudança desse panorama. “As grandes instrumentistas do Rio conhecem nosso perfil, estamos com uma responsabilidade de mostrar que é possível para as mulheres aprenderem esse instrumento, seja qual for a idade. E as outras artistas são sempre solícitas, também querem participar do projeto, mostrar que elas estão tentando abrir uma ponte pra gente.”

Segundo Erica Salazar, o caminho sempre foi longo para as mulheres, especialmente no universo do samba. “Quando não são passistas, são cantoras. Mas esse cenário está mudando, e com força. A ideia de nos unirmos em torno da música é essa: superar obstáculos que estiveram arraigados desde a construção da sociedade e provar que sim, podemos!” Gabriele Generoso faz coro.

“Todas as convidadas comentam as dificuldades nas suas localidades de encontrar mulheres que tocam esse instrumento. Muitas das dificuldades são baseadas no machismo que envolve o meio musical – ainda mais o samba, que sempre teve as mulheres com lugar cativo na cozinha”, reforça Gabriele Generoso.

A instrutora de trânsito Rosilene Moraes não tem pretensão de se tornar profissional no instrumento, mas planeja tocar com as amigas (Foto: Divulgação)

‘Rave de cavaco’

Rosilene, Gabriele, Erica e Andréa estão distantes e sem a oportunidade de tocar juntas. Mas a maioria já pensa em como será no dia em que puderem unir os cavaquinhos no mesmo espaço. “Espero poder reunir nossos amigos, músicos, gente que sempre esteve com a gente, incentivando, primeiro numa roda de samba, tocar até ferir os dedos! E depois pensar o que faríamos. Mas pode crer que já preparamos um repertório para pelo menos duas horas de show!”, diz Erica Salazar.

“Nunca conversamos sobre isso com clareza, mas meu sonho é promover um encontro com todas as cavaquinhistas e banjeiras que participaram das entrevistas no projeto, um evento à parte justamente pra dar mais visibilidade ainda a essa mulherada”, acrescenta Gabriele Generoso. “Palco e estúdio não estão dentro das minha pretensões, isso é coisa pra profissional. Eu gosto mesmo de uma roda de samba, uma coisa bem ‘roots'”, ressalva Rosilene Moraes. “Agora, quando a gente se encontrar, vai ser rave de samba.”

Exit mobile version