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Matando as saudades do Bello

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Mário Tarcitano, Izaura Rocha, Thiago Berzoini e Valéria Faria trabalham na preparação da exposição, que tem abertura dia 27 (Foto: Leonardo Costa/13-10-2016)

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Muita gente ainda se lembra de José Bello da Silva Júnior. E sente saudades do jovem estudante de engenharia que encontrou nos traços humorísticos o ofício que o tornou conhecido e admirado em Juiz de Fora, graças às charges que marcavam presença diariamente na Tribuna até sua morte, em 2011, com brevíssimos 55 anos de idade. Agora, quando comemoraria 60 anos de vida, Bello ganha exposição com uma retrospectiva de sua obra, que estará exposta na galeria do salão da Reitoria da UFJF a partir do próximo dia 27. Apropriadamente intitulada “Saudades do Bello”, a mostra deve reunir cerca de 400 trabalhos do artista em 30 anos de atividades, com originais que vão desde os anos 1980 até a atual década.

O material a ser utilizado na exposição está sendo organizado no Mamm, local escolhido por possuir espaço suficiente para a montagem dos painéis onde as charges serão colocadas, num trabalho sob responsabilidade do expografista Thiago Berzoini. Além dele, participam da organização do evento a filha de Bello, Nicolle, que organizou todos os originais que estavam espalhados pela casa do pai; Mário Tarcitano, que substituiu Bello na função de chargista da Tribuna; a jornalista Izaura Rocha; e a professora do IAD e pró-reitora de Cultura da UFJF, Valéria Faria, idealizadora da exposição. Segundo ela, foram três meses de preparação e organização de uma ideia surgida há mais de cinco anos, mas que teve de ser adiada pelos descaminhos do destino. “Eu pensei nessa exposição sobre a carreira do Bello ainda em 2011, na mesma época em que a Nicolle ingressou no curso de Artes. Quando vi os desenhos dela, achei excelentes e perguntei se ela tinha parentesco com o Bello. A Nicolle disse que ele era seu pai, então falei da ideia de fazer a exposição. Ela me passou o telefone dele, só que uma semana depois o Bello morreu”, lamenta.

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“Aí preferi esperar. Tempos depois, quando reencontrei a Nicolle, voltei a falar sobre a ideia e ela comentou que ele faria 60 anos em 2016. Resolvemos fazer a exposição, passamos a conversar, e ela estava organizando todo o material do pai, eram cerca de 30 caixas de desenho”, prossegue Valéria. “Vi que precisaria de uma equipe, então chamei a Izaura Rocha para fazer todo o contexto histórico do trabalho dele e o Thiago Berzoini para a expografia (montagem da exposição). E convidamos o Mário Tarcitano para ter o olhar artístico, recorte imagético, e ajudar a fazer a seleção, pois o Bello tinha um acervo maravilhoso.”

Já o nome, acrescenta, veio do texto de apresentação que Tarcitano prepara para a mostra. “O Mário me contou que as pessoas comentam ‘que saudades do Bello’ toda vez que não gostam de uma charge dele, e que tiraria o título do texto daí. Então decidimos usar o mesmo nome para a exposição, pois existe da nossa parte esse sentimento real de saudade.”

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Outros projetos

Além da felicidade pela proposta de ter a obra do pai reunida para o público, Nicolle Bello acredita que a exposição é uma forma de celebrar os 60 anos que o artista completaria em 2016. Ela diz que o convite de Valéria chegou quando já havia iniciado a organização dos originais em nanquim, mas que ainda é preciso agrupar todo o trabalho digital, espalhado em várias pastas de diversos computadores. “Eu acho que esse processo foi importante para mim. Demorou um bom tempo, e foi como uma boa conversa com meu pai, um reencontro. Tomei essa iniciativa com a intenção de preservar melhor os trabalhos, que ele deixava espalhados aqui e ali pela casa. E porque pretendo organizar um livro coletânea com alguns dos trabalhos mais marcantes dele”, adianta Nicolle. “Na verdade, o livro ainda está na minha cabeça – e no coração, claro. Este processo de organização dos desenhos levou um bom tempo e já foi uma primeira etapa… Agora tenho que organizar os arquivos digitais e fazer uma seleção. Depois começar a parte de escrita e diagramação. Provavelmente ainda vai levar mais um tempinho, mas não quero demorar muito, porque é um projeto que sinto muita vontade de ver realizado. E também quero digitalizar todo o acervo.”

Garimpagem entre obras que continuam atuais

Chargista da Tribuna (e substituto de Bello no jornal), Mário Tarcitano conta que foi convidado por Valéria para ser o curador da exposição em setembro, e que não pensou duas vezes em aceitar a tarefa. “Ela e a Nicolle viram a quantidade de material, pois há trabalhos de 1983 até 2011 entre originais no papel e digitalizados. A Valéria queria uma visão profissional do trabalho do Bello, então usamos como critério a qualidade do trabalho ou o momento histórico retratado. Fizemos um ‘peneirão’ mesmo. A Nicolle havia separado as charges por ano, e as que não tinham data em uma caixa à parte. A partir daí decidimos separar uma determinada quantidade por ano, e dessa primeira seleção tiramos as melhores”, explica. “Foi um momento especial, de encontrarmos algo que achávamos muito legal e mostrar para o outro. Foi um prazer ter acesso aos originais, para um artista isso é fantástico.”

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“Buscamos resgatar um trabalho que considero um marco do cartum de Juiz de Fora”, destaca Valéria Faria, acrescentando que as charges foram divididas de forma temática: a Prefeitura, personalidades da cidade, políticos como os ex-presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso são alguns dos focos da arte de Bello, que também costumava registrar a si mesmo no nanquim. “Ao ver esses trabalhos notamos como eles continuam atuais, o país não mudou muita coisa. Redescobri ainda um artista dos mais originais que a cidade já teve dentro da linguagem de desenho, e, sobretudo, um trabalho muito autêntico. Ele sempre teve uma identidade, um traço autoral muito forte, algo que tentamos ensinar na faculdade. Sou professora de desenho, e sempre falamos para os alunos terem verdade nos seus trabalhos. O Bello sempre se colocava ali, deixou um legado muito bacana tanto no desenho quanto no cartum.”

Um país que pouco mudou

Nicolle, que não era nascida quando seu pai iniciou a carreira, teve a oportunidade de conhecer uma visão crítica e bem-humorada de um país que não conheceu, mas que percebeu não ser tão diferente da realidade em que vive, fazendo coro à visão de Valéria. “Olha, isso foi até um susto para mim! Mudaram os nomes, mas as histórias são sempre as mesmas… Elite explorando trabalhador. Políticos corruptos e povo descrente. A exposição que estamos montando, apesar de mostrar trabalhos de 20, 30 anos atrás, poderia muito bem ser ilustrativa dos dias que vivemos hoje”, analisa.

Quem acompanha o pensamento das duas é Mário Tarcitano, para quem é possível ver muito da história do Brasil e de Juiz de Fora por meio dos traços e desenhos de Bello – que ele conheceu ainda em 1985, quando morava em Volta Redonda (RJ). “Eu já desenhava e tinha interesse por charges, caricaturas, e vi uma charge dele que apareceu no ‘Jornal Nacional’, mostrando o antigo e o novo ministro da Fazenda da época numa espécie de metamorfose, prova de que nada havia mudado. Fui conhecê-lo pessoalmente no mesmo ano, quando participei de uma feira de humor na cidade. Mudei para Juiz de Fora em 1988 e passei a acompanhar o trabalho dele na Tribuna.”

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