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Exposição reúne quatro artistas cariocas no IAD

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Trabalhos da exposição compõem cena primordialmente delicada. (Foto: Felipe Couri)

A pele vai, pouco a pouco, se desfazendo e se refazendo, conformando o corpo e carregando consigo as marcas do tempo. Até tornar-se pó. Numa fragmentação que, ao mesmo tempo em que parece perseguir o estado da poeira mantém-se íntegra, a peça retratada pela videoarte “Mare Crater”, de Beatriz Reis, age como a pele, se desmanchando indefinidamente e permanecendo inteira. A pele, como suporte, como veículo ou como objeto poético é o eixo que liga o trabalho de quatro diferentes artistas na exposição “O mais profundo”, em cartaz até setembro na Galeria Guaçuí, no prédio do Instituto de Artes e Design da UFJF. Na delicadeza e na placidez, as obras recorrem à ideia do toque, objetivo ou abstrato. Contato precedido por outro, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por onde as quatro artistas passaram, cursando o mestrado em artes visuais.

“Por mais que o contato não fosse sempre próximo, observava que nossas poéticas se cruzavam aqui e ali. Conforme fomos amadurecendo o trabalho, a coisa começou a ficar mais evidente. O encontro se deu de forma muito natural, porque não somos um ‘coletivo’, mas quatro artistas que maturaram individualmente suas próprias poéticas”, observa a curadora e integrante Beatriz Reis, chamando atenção para a formação de uma “narrativa suave”.

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“A pele, dentro deste contexto expositivo, é entendida de maneira bastante sutil. Nenhum dos trabalhos trata de uma pele ‘concreta’, mas todos eles falam de superfícies sensíveis, daquilo que é nosso e que está em contato com o mundo (trocando, influenciando…), de uma profundidade que se revela justamente no mais aparente”, acrescenta.

Entre o primitivo e o fugaz, as “Esculturinhas” de Olívia Matni – pequenas esculturas em argila fresca – parecem ter sido tocadas de maneira breve e se mostram sujeitas a um novo toque, que alterará por completo a forma inicial. Na mesma fragilidade, estão as “peças” de sua “Poeirinha”, com desenhos feitos pela poeira da terra. A trivialidade dos gestos abrigados em suas obras remetem a uma estrada no interior de Minas Gerais, onde a artista passou a infância. Memórias íntimas também estão nas “Memórias (Im)possíveis” de Raquel Gandra, que exibe polaroides vencidas numa busca por retratar o avô. Sobrepondo imagens da mãe, a artista também revela sua “busca” por um contato que se faz, apenas, nos vestígios das lembranças.

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Em bordados com fio quase invisível ou manipulando o fio, Aline Mielli diz do que é palpável, mas não visível, do que é gesto, mas não cena. “Articulo meu trabalho considerando que além do que se vê há ainda algo. Além do que toca a superfície, há um outro movimento. Outra dimensão se manifesta. A linha que a mão movimenta dá o limite do espaço. A luz que chega à linha indica presença. A linha que cruza o tecido diz tanto do horizonte quanto do círculo, tanto da superfície quando do fundo”, reflete Aline.

A “Amartrama” de Aline assume um não-lugar, como as imagens “recriadas” por Beatriz Reis, que insere folhas de ouro sobre fotografias de esculturas de Rodin, inaugurando novas esculturas, nas quais estão, se vistas bem de perto, suas digitais. Em tudo em “O mais profundo” há o toque, sutil ou vigoroso. Há o toque do olhar, das mãos e das recordações.

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Tecido epitelial

“O fio que costura os trabalhos é a pele entendida de forma ampla: através de diferentes meios, as artistas evidenciam o interesse por esta película potente onde ocorrem transformações inúmeras. O tema diz mais do gesto de cada uma – da vontade de acariciar o material com os dedos e os olhos – do que propriamente de um órgão. Argila, papel, filme, vídeo, poeira transformam-se em tecido epitelial. Cada obra é resultado de um carinho e do contato das artistas com os próprios corpos, com outros corpos sensíveis”, pontua a curadora em texto para a mostra.

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Primeira exposição do novo cronograma da Galeria Guaçuí, “O mais profundo” inaugura uma agenda que, até o final de 2017, será tomada pelo “I Seminário de História e Cultura de Moda: história do vestir masculino”, organizado pela professora Maria Claudia Bonadio, “Extremos”, coletiva de artistas do Rio Grande do Sul e Pará, e “Eu queria ser lida pelas pedras”, com jovens nomes da arte contemporânea. Contatos internos e externos importantes não apenas para a academia, mas, sobretudo, para as artes visuais juiz-foranas.

“Acredito muito na universidade pública como veículo e local de diálogo e troca. Quando vi que a Galeria Guaçuí havia aberto um edital para a ocupação do espaço, fiquei bastante empolgada. O espaço é muito generoso, e o pessoal, muito receptivo. A oportunidade de conhecer a universidade, os cursos de artes e design, os alunos e professores, também me interessava muito. Além disso, nós quatro viemos de uma grande universidade pública”, elogia Beatriz, pontuando a importância da troca. “O que surge da prática é pensamento que muitas vezes vai além da capacidade de discussão da teoria”, completa Aline Mielli, referindo-se a um toque próprio da arte.

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