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“Imagine”50 anos: a simplicidade e a força de uma canção

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Cinquenta anos depois, “Imagine”, de John Lennon, segue utópica, atual e como uma das canções mais conhecidas de todos os tempos (Foto: Reprodução/YouTube)

Imagine todas as pessoas partilhando o mundo. Imagine que não houvesse nenhum país. Nenhum motivo para matar ou morrer. Imagine que não há posses, sem a necessidade de ganância ou fome. Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz.

Há quase cinco décadas, o ex-beatle John Lennon convidou a humanidade a imaginar, por três minutos e seis segundos, um mundo melhor, uma “irmandade dos homens” (e mulheres, claro) em que todos vivêssemos como um só. Este sonho utópico ao piano, produzido por Phil Spector, recebeu o nome de “Imagine” e foi lançado em 9 de setembro de 1971 nos Estados Unidos, e era a faixa-título do álbum homônimo que se tornou o maior sucesso da carreira solo do artista inglês.

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“Imagine” é considerada até hoje um dos maiores hinos pela paz e está na lista das cem músicas mais tocadas do século XX, além de fazer parte de praticamente todas as listas de maiores composições da história do rock. Lennon, infelizmente, não viveu o suficiente para saber se o seu chamado à fraternidade se tornaria realidade, pois foi assassinado a tiros em 8 de dezembro de 1980, em Nova York, por Mark Chapman.

Mais de 40 anos após sua morte, porém, “Imagine” continua a ser a trilha sonora para o apelo à paz, principalmente num momento em que as pessoas parecem estar mais divididas que nunca, e a celebração pelos 50 anos de música e álbum _ que ainda tinha clássicos como “Jealous guy” e “I don’t wanna be a soldier mama”, entre outras – é momento ideal para lembrar o poder, a importância e a imortalidade tanto da música quanto da sua mensagem.

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O primeiro contato

O gaúcho Frank Jorge há mais de 20 anos segue em carreira solo depois de ter integrado as bandas Graforreia Xilarmônica e Os Cascavelettes. Ele teve a oportunidade de abrir um dos shows de outro ex-beatle, Paul McCartney, em sua turnê pelo Brasil em 2017, quando se apresentou no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Um desses momentos inesquecíveis para quem conheceu os Beatles ainda na infância, no início dos anos 70, graças aos álbuns que os pais e irmãos mais velhos compravam.

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“Meu pai faleceu quando eu tinha pouco mais de 1 ano, mas antes disso ele e minha mãe iam a Buenos Aires e Montevidéu. Então tínhamos muitos discos de rock comprados por lá, compactos e álbuns do Beatles entre eles, e são as lembranças mais antigas de música que tenho, de ouvir os bolachões dos Beatles e Roberto Carlos na eletrola”, relembra. “O ‘Imagine’, da carreira solo do John Lennon, é um que particularmente lembro bem, pois tinha todo o encarte escrito em espanhol.”

Já o músico Francisco Bustamante, o Chico Forever, baixista da Beatles Forever, lembra que tinha apenas 7 anos quando “Imagine” foi lançado, e que só foi se tornar fã dos Beatles cerca de um ano depois. Na época, ele curtia apenas a primeira fase dos Fab Four, e só foi tomar conhecimento de “Imagine” quando se mudou para Juiz de Fora e começou a aprender a tocar violão.

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“Eu comprava essas revistas que vinham com um disco e a tradução da letra. Em uma delas veio ‘Imagine’, que nem era a versão original; no início achei a música muito ‘parada’, mas vi que tinha algo diferente na letra, uma mensagem forte, era diferente do que eu conhecia de letras de música. Depois fui amadurecendo musicalmente e como pessoa, e comecei a me aprofundar tanto na obra do John quanto dos Beatles”, relembra.

Francisco Bustamante, o Chico Forever, da Beatles Forever, diz que “Imagine” chama atenção do público nos shows até hoje (Foto: Júlia Cal/Divulgação)

Músicas sobre política, paz e amor

Por conta da entrevista, Frank voltou a ouvir “Imagine” depois de algum tempo, e deu suas impressões com uma nova perspectiva que só o tempo permite. “Eu fiquei pensando como o John se manteve íntegro ao rock mesmo depois do final dos Beatles. O disco consegue ter um chamado meio surreal à paz, de um mundo sem países, religião, ‘abaixo do céu apenas a gente’, um canto à paz enquanto a Guerra do Vietnã comia solta. Havia um nível de amadurecimento e de consciência sobre o que acontecia no mundo forte”, analisa.

“O John poderia feito apenas um álbum de rock bubblegum, mas no lugar fez um disco sobre paz, política, fez aquela crítica ao Paul McCartney (‘How do you sleep?’). Ele se mostrou atento ao mundo em que estava vivendo, deixou claro que não era apenas um milionário ex-beatle”, prossegue. “Pode não ter sido inovador, mas ‘Imagine’ tinha composições muito boas, músicas de amor muito simples, que mostravam a intensidade do amor dele pela Yoko Ono. Jonh era devoto do rock, mas também um compositor e melodista que, meu Deus!”

Frank Jorge lembra que vários hits do final da carreira dos Beatles tinham a presença do piano, uma característica marcante de “Imagine”. “Mesmo a guitarra sendo muito representativa nos anos 70, é peculiar o cara fazer uma música muito lenta, com o piano sendo o principal instrumento. Parece uma reminiscência dos Beatles”, especula. “E é uma canção muito inspirada e simples em termos de estrutura, mas muito bem feita. É da essência do John, que era um cara roqueiro, criar com poucos acordes e saber dizer muita coisa com essa concisão. Temos ali a concisão do rock numa balada de piano, com uma estrutura simples para uma letra que é ousada, sobre um socialismo utópico, vinda de um compositor milionário falando mal da sociedade capitalista e querendo que não houvesse fronteiras.”

Chico também destaca a simplicidade melódica e harmônica de “Imagine”. “Tudo ali encaixou, até o videoclipe que ele fez na época naquele quarto branco, aquela coisa muito pura, marcou. E a música veio no momento certo, tanto político quanto do John fora dos Beatles. No final da banda ele já estava achando tudo uma loucura, não precisava daquele fanatismo, com 29 anos já achava nada a ver tocar ‘She loves you’. O John queria fazer coisas mais experimentais, usar a música como engajamento político, falar de paz.”

No capricho

A gravação, para Chico, é um exemplo da mudança do ex-beatle quanto ao trabalho em estúdio. “Antes ele era muito relaxado em relação à produção, fazia um som ‘sujo’, menos lapidado, mas a partir de ‘Imagine’ ele se preocupou em caprichar, mesmo sendo uma canção simples, com ele ao piano e uma orquestração de fundo parecida com os Beatles, à la George Martin.”

Como integrante da Beatles Forever, Chico já tocou incontáveis vezes o repertório do Quarteto de Liverpool, e isso inclui canções das carreiras solo de seus ex-integrantes. “Imagine”, claro, não poderia faltar, e ele descreve a execução da música nas apresentações como “um show dentro do show”.

“É um momento à parte. Mas não é sempre que tocamos, é preciso ter um clima, um momento que ela encaixe legal, como um teatro, por exemplo. Quando tocamos ‘Imagine’ ela rouba a cena, você não consegue não ouvir. Em um show com milhares de pessoas, como numa exposição, por exemplo, as pessoas podem estar andando pra lá e pra cá, mas quando tocamos ‘Imagine’ todos param pra ouvir, mesmo que depois continuem o que estavam fazendo, pois ela traz essa coisa diferente e forte tanto na melodia quanto na mensagem da letra.”

Artista que abriu um dos shows de outro ex-beatle no Brasil (Paul McCartney), Frank Jorge acredita que Lennon continuaria produtivo e engajado (Foto: Divulgação)

Atemporal e necessária

Apesar de lançada há quase 50 anos, a utopia de um mundo em paz e harmonia imaginada e encorajada por John Lennon continua distante, talvez até mais do que outrora se pensarmos nos discursos de ódio e preconceito que povoam a internet e aumentaram os muros – reais e virtuais. Por isso mesmo, Frank Jorge acredita que a canção segue não apenas atual como também necessária.

“Estou às vésperas de completar 55 anos e meu pai viveu dez anos a menos. E muito doloroso imaginar que viveríamos isso a partir de 2017, depois de passarmos por um período de alternância de poder, o fim da ditadura, dizendo um monte de besteiras n’Os Cascavelettes. É um choque perceber que essa foi a escolha de uma nação em 2018, num cenário em que o mundo tem tanto ainda por resolver, algo que o John falava lá em 1971. Problemas como o preconceito, a fome, são de todos. ‘Imagine’ fazia sentido naquela época e lamentavelmente segue fazendo sentido hoje”, afirma.

“É uma música atemporal”, defende Chico. “O mundo está pior agora, acredito, em relação ao final dos anos 60, ainda mais se pensarmos a que ponto as coisas chegaram. Digo isso ao ver amigos, pessoas conhecidas, com certas posições – em especial ligadas à arte – que são contrárias ao que representa ser um artista. Pessoas que não se emocionam com arte até tolero, porque têm outras prioridades, mas quem é artista não pode nunca se posicionar como certas pessoas têm se posicionado hoje em dia.”

Por conta dessa visão, Chico acredita que “Imagine”, a música, nunca vai tocar determinados indivíduos, mas que desistir por causa disso não é opção. “Temos que conscientizar as gerações mais novas, porque a atual está perdida, não tem jeito. A utopia pode não ter se realizado em 50 anos, mas cinco décadas é pouca coisa. Precisamos manter o desejo de realizar essa utopia, não desistir porque ainda não deu certo, e sim tentar de novo, mesmo que de outra maneira. Se pensarmos que é impossível, aí que vai ser impossível mesmo.”

Decepcionado? Talvez, mas ainda engajado

A morte de John Lennon abreviou vida e carreira que prometiam muito. Por isso, várias vezes surge a pergunta “e se John Lennon não tivesse morrido?”. Séries e filmes já especularam a respeito do que o ex-beatle estaria fazendo, e Frank Jorge e Francisco Bustamante também imaginam um mundo com Lennon octogenário e ainda produtivo e engajado.

“John Lennon estaria decepcionado com o mundo de hoje, mas ele seria uma pessoa que não iria desistir, continuaria engajado, não deixaria as coisas passarem em branco. Acredito até que haveria uma reunião dos Beatles; não definitiva, mas para um evento importante como o Live Aid”, diz Chico. “As variáveis seriam inúmeras, mas tenho certeza que ele continuaria fazendo coisas maravilhosas, ditando ou acompanhando mudanças. E também acredito que ele continuaria nessa disputa com o Paul, lançando discos e um falando do outro, ainda mais que hoje ele teria muito mais assunto para suas canções do que tinha nos anos 60.”

“Acho que seria bem ativo e profícuo, parecido com o Paul, que segue lançando discos”, imagina Frank Jorge. “Só que teria a influência da Yoko, provavelmente faria algo mais experimental, misturando rock com hip-hop, música eletrônica, coisas semelhantes ao ‘Double fantasy’. Seria um cara atento às inovações, que poderia fazer um álbum só de rock and roll enquanto dialogaria com artistas de vanguarda.”

Quanto às causas políticas e sociais, Frank acredita que ele seguiria ativo em relação às causas que defendesse. “Acho que estaria engajado, assim como vemos o Leonardo di Caprio falando da devastação da Amazônia. Ele estaria atento em fazer músicas que trouxessem esperança, mas com uma visão crítica sobre o mundo, sobre países com governos antidemocráticos.”

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