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Bienal de SP chega a JF: Retrato das vidas e das ruas

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Vista da mostra em cartaz no Mamm, com mais de 40 obras de oito artistas, entre nacionais e internacionais. (Foto: Fernando Priamo)

Afinidade pressupõe contato, mas não necessariamente proximidade. No recorte, apresentado em Juiz de Fora, da 33ª Bienal de São Paulo, que tomou o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera, na capital paulista entre os meses de setembro e dezembro de 2018, a noção de afinidade é esticada, contorcida, expandida e reduzida para compreender trabalhos que, no prédio modernista de 25 mil m² projetado por Oscar Niemeyer, apresentaram-se fisicamente distantes. A exposição em cartaz no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) até 8 de setembro reúne fragmentos da grande mostra que, em sua recente edição, inovou ao agrupar 12 projetos individuais – entre eles nomes internacionais, como o do paraguaio Feliciano Centurión, morto em 1996, e nacionais, como o da atualíssima Vânia Mignone – e sete propostas coletivas, para as quais o curador Gabriel Pérez-Barreiro, espanhol radicado em Nova York, selecionou sete artistas, dentre eles Waltércio Caldas e Sofias Borges (confira entrevistas dos dois artistas a seguir), e pediu-lhes que organizassem suas próprias exposições, considerando seus trabalhos e os de outros artistas. O conjunto dividiu opiniões. Nada mais contemporâneo, no entanto.

“A arte contemporânea é propositiva, é colaborativa, uma maneira de aproximar o público de questões específicas. Ela é multidisciplinar. Muitos artistas trabalham com questões políticas, históricas, científicas, sociais. É como se fosse uma disciplina que se coloca abraçando todas as outras disciplinas, transformando questões que quando são expostas de maneira muito técnica não são entendidas pelo público. É difícil definir o que é arte contemporânea, justamente por isso, porque ela se expande de um núcleo artístico para tocar âmbitos filosóficos, sociais, políticos e de muitas outras ordens. Isso a torna interessante e, do meu ponto de vista, tão relevante”, pontua o atual curador da Bienal de São Paulo, o crítico italiano radicado no Brasil Jacopo Crivelli Visconti, responsável também pela seleção das sete itinerâncias da grande mostra. “A arte contemporânea responde de maneira muito clara ao que está acontecendo no mundo. É uma maneira de se aproximar de nós, refletindo sobre questões que nos dizem respeito. Por outro lado, ela tem o caráter, sobretudo com quem nunca tomou contato com ela, de parecer difícil.”

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Jacopo Crivelli Visconti assumiu em janeiro como curador da 34a Bienal de São Paulo, que acontece no próximo ano. Ele também assina a curadoria da itinerância em cartaz em Juiz de Fora. (Foto: Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo / Divulgação)

Segundo Visconti, o grande esforço do departamento educativo da Fundação Bienal tem sido, ao longo das décadas, fazer entender às pessoas o que está sendo apresentado. “A arte contemporânea, em geral, pode ser difícil porque esteticamente é distante do que estamos acostumados a ver, mas com uma pequena chave, introdução para entender as questões que estão sendo tratadas ela pode ser fundamental e ajudar muito na compreensão do mundo de hoje. Ela pode ser imprescindível para se compreender o mundo que está sendo organizado e estruturado”, comenta o curador, citando a falta de contexto como um dos dilemas da expressão. “A arte contemporânea na Europa, e nos Estados Unidos também, sempre está contrabalanceada com uma disponibilidade de arte antiga, clássica e moderna em museus e coleções públicos, muito maior do que aqui. O peso que a arte contemporânea tem em ofertas é muito grande, falta um equilíbrio com tudo o que veio antes”, afirma.

Fragmentos do indivisível

Fragmentada por essência, a 33ª Bienal de São Paulo que o Ibirapuera acolheu encontrou coerência justamente em sua dissonância. Como, então, produzir um recorte do que já se apresentou tão recortado? Ao desafio, aparentemente maior nessa edição do que nas anteriores, ficou a cargo de Jacopo Crivelli Visconti, que assumiu a Bienal em janeiro deste ano. De acordo com ele, foi preciso estabelecer contato com Gabriel Pérez-Barreiro, curador anterior, para assim atuar sobre o trabalho dele. “Em conversa com ele pensamos em fazer nas itinerâncias não algo que fosse fiel e tentasse replicar o que estava na exposição principal, mas algo que seguisse o conceito, numa curadoria que vai se articulando a partir de vários pensamentos. Meu desafio foi tentar criar uma mostra que dialogasse com o conceito inicial do Gabriel e, ao mesmo tempo, não seguisse o que se viu no pavilhão da Bienal. Voltando à ideia de Goehte, em ‘As afinidades eletivas’ (obra que norteou a grande mostra), em que temos dois casais que se desfazem e depois se montam de outra maneira, tentei achar, nas obras da exposição, relações que não estavam explícitas, obras de núcleos diferentes, que quando colocadas ao lado umas das outras criassem outro significado”, explica Visconti.

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Pinturas do argentino Alejandro Corujeira, que em São Paulo teve um espaço todo dedicado ao seu trabalho. (Foto: Fernando Priamo)

“O Jacopo é alguém em quem confio muito. Ele teve o desafio a frente dele de constituir um recorte do que foi a Bienal inteira. Dentro disso, fez as escolhas necessárias, mas não é a mesma experiência da minha obra. E tudo bem. Minha obra aconteceu no Pavilhão, nas circunstâncias criadas ali, porque todas as variáveis dentro daquele espaço foram pensadas no contexto da criação de uma obra – o espaço arquitetônico, o diálogo, a temperatura das obras, o percurso”, pontua Sofia Borges, uma das mais aclamadas artistas da nova geração brasileira, cuja exposição coletiva foi pensada sobretudo como sua grande obra. No Museu de Arte Murilo Mendes o trabalho de Sofia (que esteve na itinerância da 30ª Bienal, também no Mamm) surge distante da pintura à qual fazia referência no prédio paulista. O que poderia ser uma perda, porém, configura-se como provocação ao espectador.

Vista de obras de Ana Prata, artista nascida na mineira Sete Lagoas e radicada em São Paulo. (Foto: Fernando Priamo)

Para Ricardo Cristofaro, professor do Instituto de Artes e Design da UFJF e diretor do Mamm, Visconti tem uma percepção interessante ao inverter a posição e chamar para o público a responsabilidade por estabelecer uma leitura para a exposição. “Ele encontrou uma saída, fez uma espécie de oitavo olhar. Trata-se de mais um artista-curador fazendo esse processo de seleção de novo”, sugere. “Na Bienal, minhas obras estavam não só escolhidas em função das outras, como as outras obras estavam presentes”, aponta Waltercio Caldas, carioca cuja trajetória se inicia ainda na década de 1960 e, passadas mais de cinco décadas, mantém-se atual e potente. “Na realidade, projetei uma relação de tensão e continuidade entre as obras. Nessa nova curadoria que foi feita, muitas das obras que eu havia selecionado não puderam viajar para outras cidades. Minha curadoria não está mais presente nessa nova configuração. Isso, de certa forma, criou uma figura nova. É outra exposição que está sendo vinculada à que foi feita em São Paulo. Essa nova seleção se torna outra exposição, outra curadoria, outro princípio ativo. Existe uma diferença radical”, concorda Caldas.

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Para quem é a Bienal?

Ora polêmica, ora controversa, ora instigante, ora denunciante, ora explosiva, a Bienal de São Paulo é, fundamentalmente, uma das mais múltiplas oportunidades de pensar o presente da arte e da cultura no país. Ainda que violentamente apontada como hermética por alguns, atinge um público amplo, que segundo Jacopo Crivelli Visconti mostra-se como o maior dilema da mostra. “O grande desafio da Bienal de São Paulo sempre é o público que ela recebe. Ela atinge cerca de um milhão de pessoas, muita gente e, dentro disso, muitos públicos diferentes. Tem um público especializado e também outro, muito grande, que vai ver por interesse como evento cultural e não especificamente como evento de arte contemporânea”, observa o curador, que também enxerga como entrave a conexão de todo o gigantesco projeto. “Essa 33ª edição é uma das bienais em que ficou mais nítido como o gesto da curadoria conseguiu se manter até o final. O Gabriel Pérez-Barreiro (antigo curador) foi muito coerente desde o começo, porque decidiu que iria delegar parte do trabalho aos artistas e não se intrometeu nisso. Estou trabalhando na próxima Bienal e sei como é difícil manter as ideias que tem no começo ao longo de todo o processo.”

Exposição no Mamm também apresenta fotografias da montagem da exposição em São Paulo, feitas por Mauro Restiffe. (Foto: Fernando Priamo)

No projeto para a próxima Bienal, em 2020, Visconti prevê mostras individuais que se iniciem já em março, ao invés de setembro. As obras retornam na mostra principal, demonstrando as variadas possibilidades de leitura, da poética individual de uma artista ao olhar singular que a aproxima de outros trabalhos. Ao longo do próximo ano, portanto, a capital paulista viverá uma série de individuais, não somente no Pavilhão do Parque Ibirapuera, mas em outros endereços. “A proposta que fiz para a próxima Bienal vai na direção de tentar responder aos anseios, necessidades e exigências de públicos distintos, sem parecer elitista e crítico para um público geral, nem excessivamente simples para um público especializado”, garante Visconti, certo da importância das itinerâncias, que este ano chegam a sete cidades, uma delas fora do Brasil, em Medellín, na Colômbia. Juiz de Fora é a única cidade do interior do Brasil e fora do estado de São Paulo a receber o recorte da grande exposição.

Trabalhos do espanhol Antonio Ballester Moreno. (Foto: Fernando Priamo)

Institucionalmente, segundo Ricardo Cristofaro, a exposição acresce valor tanto ao Museu de Arte Murilo Mendes quanto à universidade, já que possibilita ao juiz-forano acessar discussões potencializadas nas grandes capitais e latente na maior metrópole brasileira. “É uma maneira de fazer reverberar o esforço enorme que é fazer uma Bienal para além de São Paulo”, reflete Visconti, certo de que o recorte não dá conta do todo. “Ainda que não chegue à escala que temos aqui, alguma coisa viaja e apresenta o que foi”, conclui. Em Juiz de Fora, as mais de 40 obras de oito artistas distintos (três internacionais e cinco brasileiros) possuem diferentes afinidades. E afinidade pressupõe contato, mas não necessariamente proximidade.

Pinturas de Bruno Dunley (à esquerda), natural de Petrópolis, e gravuras da alemã Andrea Büttner (à direita), ao fundo, obra do espanhol Antonio Ballester Moreno. (Foto: Fernando Priamo)

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Acesse a entrevista com Waltercio Caldas, artista visual que também integra mostra em JF

Acesse a entrevista Sofia Borges, artista visual que também integra mostra em JF

33ª BIENAL DE SÃO PAULO

Visitação de terça a sexta, das 9h às 18h, sábados, domingos e feriados, das 13h às 18h, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant 790 – Centro). Até 8 de setembro

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