Na memória, ficou a ansiedade que sentia aos domingos. “Os almoços de domingo do restaurante eram superbadalados em Barbacena, e eram integralmente feitos por nós, com a supervisão dos professores. Era o momento em que a gente cozinhava em grande volume para clientes ‘de verdade’, famílias que decidiam comer a comida preparada por nós em seus almoços de domingo. Aquela adrenalina de estar já vivendo a profissão era superlegal”, lembra Ingrid Borges, chefe de cozinha e professora, cuja formação inicial se deu no agigantado complexo do Hotel Escola Grogotó, em Barbacena, a menos de 100km de Juiz de Fora. “No período em que estudei lá, o Dia das Mães, especificamente, foi ainda mais marcante, pois tornou toda a situação ainda mais ‘oficial’ e marcou muito o sentido profissional daquela decisão que eu tomei ao mudar de profissão”, narra ela, uma recém-formada jornalista na época. “Tinha uma enorme vontade de trabalhar como cozinheira, mas nenhuma noção do que isso seria de fato. O Grogotó foi essa ponte entre o sonho e a realidade. Me ensinou além da técnica, a disciplina e a realidade que eu encontraria ao entrar nessa profissão tão linda, mas tão dura. Minha passagem por lá foi maravilhosa, só tenho a agradecer todo o convívio com os colegas e professores. Aprendi muito sobre a profissão e também sobre a vida enquanto estive lá.”
Considerado um dos principais centros de formação de cozinheiros na região, o Hotel Escola enfrenta um delicado momento justamente no ano em que o prédio completa meio século de história. “O cenário econômico, a racionalização dos recursos do Senac e a necessidade de sustentabilidade do Hotel Escola Senac Grogotó levaram a instituição a reavaliar o formato atual da operação do complexo hoteleiro. O local conta com 88 quartos, área de lazer completa e espaço para eventos. Esta iniciativa busca garantir que a instituição possa seguir atendendo seu público prioritário, reforçando o propósito do Senac, que é contribuir para uma sociedade melhor por meio da educação profissional”, informa a nota da assessoria de comunicação da instituição. “Reiteramos que, durante o período de reavaliação que vai até dia 30 de junho, o hotel mantém o funcionamento sem qualquer alteração. O Senac reconhece a relevância do Hotel Escola e realizou, constantemente, investimentos para manter o padrão de qualidade aos clientes. A instituição não tem interesse que as atividades do local sejam encerradas. Por isso, está sendo avaliada uma alternativa para a gestão do espaço”, acrescenta o texto, apontando, ainda a manutenção das aulas no endereço.
Ainda em dezembro, quando começaram os primeiros boatos acerca de um possível fechamento do Hotel Escola, vereadores da Câmara Municipal de Barbacena entregaram um memorial sobre a relevância do lugar para deputados estaduais e para os representantes de Minas Gerais na Câmara dos Deputados e no Senado. Ainda tentando driblar a situação, o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Barbacena (Compha) aprovou por unanimidade o tombamento do Hotel Grogotó. Moradores e políticos defendem a permanência de um espaço que integra a paisagem afetiva da cidade de pouco mais de 100 mil habitantes. Para a economia da localidade, no entanto, o impacto do Grogotó tem se mostrado aquém de sua possibilidade, já que a taxa média de ocupação do hotel tem girado em torno de 20%, motivo que levou ao estudo de gestão. O que está em jogo, contudo, é um formato de escola que, segundo a chef Ingrid Borges, foi fundamental em sua trajetória. “Só na primeira vez em que entrei em uma cozinha profissional a trabalho é que consegui enxergar o quanto o Grogotó me ensinou, o quanto eu não saí crua de lá e já podia me considerar uma profissional de cozinha”, pontua. “A gente entra no curso já trabalhando e para uma clientela real, o que significa desde o primeiro dia estarmos muito atentos e treinados para sermos profissionais atentos à higiene, disciplinados, bons de trato, pois sabemos desde o dia em que entramos que a nossa comida de fato atenderá alguém e alguém que está pagando por ela. Hoje, como professora, vejo que isso é um diferencial enorme, pois muitos alunos não se comprometem tanto por se comportarem como em um colégio e não em um restaurante em operação”, analisa a profissional, professora de gastronomia no IGA, Instituto Gastronômico das Américas, em Juiz de Fora.
Cortes nobres, drinques lúdicos e cenário histórico
Outras unidades da entidade na Zona da Mata não foram impactadas. Pelo contrário, a partir do próximo sábado (21), Minas Gerais ganha mais um restaurante escola, em Tiradentes, a pouco mais de 150km de Juiz de Fora. Especializada em carnes nobres, a Steakhouse Escola Senac funcionará no lugar onde até dezembro existia a pousada da instituição. “Como o foco do Senac é educação e ele só existe por conta dos alunos, tentamos trazer para Tiradentes algo inédito e que pudesse oportunizar aos nossos alunos o conhecimento das tendências”, observa o chef Mauro de Paula, que assina o cardápio do lugar e do Hotel Escola Grogotó, onde se formou em 1997. “Fiquei no mercado por 19 anos e, em 2013, voltei para o Hotel Escola como chef executivo. É difícil falar da importância do Grogotó na minha formação, porque carrego ainda hoje todo o aprendizado que tive lá. Apesar de ter feito graduação e pós-graduação, a base foi tão sólida que faz toda a diferença até hoje. É imensurável a importância”, avalia o profissional, com passagem pelo Hotel Sheraton, no Rio de Janeiro. “Apesar de a minha cozinha ser muito simples, carrega muito da cozinha francesa, o que é uma característica do Grogotó. A base do curso é totalmente inspirada na culinária francesa.”
Na Steakhouse, por sua vez, o chef equilibra-se entre as cozinhas norte-americana e mineira. “O conceito é trabalhar com carnes premiuns, somente cortes black angus, que é uma das melhores carnes que tem hoje. São cortes bastante marmorizados e com sabor muito intenso. Vamos trabalhar, também, com porco caipira, que é o duroc red. A steakhouse é focada na cozinha americana, e nosso cardápio contempla sobremesas com ingredientes regionais. Nos acompanhamentos, teremos alguns insumos da cozinha mineira, mas o foco principal é a carne. Vamos trabalhar com dois modelos de cardápio. Funcionaremos de quinta a domingo, mas quinta e sexta somente no jantar. No sábado teremos almoço e jantar. E no domingo, só almoço. No sábado vamos trabalhar com dois cardápios: no almoço, um executivo, utilizando fraldinha e picanha maturada e, na noite, somente carnes do corte angus. Teremos o corte porter house, também, que é extremamente bruto, com três variedades de carne em uma peça, o filé mignon, o contrafilé e a alcatra separadas por um osso no formato de T. Esse é um corte muito procurado no mercado hoje”, explica Mauro de Paula, citando, ainda, o prime rib, o primeiro corte da costela, com um sabor marcante. “Vamos trabalhar com muitas carnes exóticas e de sabor intenso, as melhores do mercado atual.”
A carta de bebidas, tal qual os pratos, perseguirá o contemporâneo, com drinques lúdicos e irreverentes. “As pessoas vão ter a oportunidade de tomar um drinque numa lâmpada, com uma fumaça saindo dela, fazendo alusão à ciência. É uma oportunidade também para os alunos do curso de cozinha do Senac estarem em contato direto com as tendências do mercado”, ressalta o chef sobre a casa inédita na cidade histórica. Para dinamizar o endereço, a entidade planeja fazer eventos durante a semana. Para 16 de maio, durante o Trem Beer, o restaurante exibirá algumas técnicas e oferecerá workshops envolvendo os alunos, que aos fins de semana, quando não haverá aula, atuarão tendo a steakhouse como um estágio do curso. “Sempre teremos alunos presentes, no salão e na cozinha.”
