Por trás dos enormes pastéis que minha mãe me prometia, sempre que recebia seu pagamento, e que eu comia como num evento, está uma família tão terna quanto a minha. Na sala da casa de Andréa, diante de sua irmã Vânia e de sua mãe Neide – a família Furtado -, volto no tempo. Sinto-me a postos, na frente do caminhão parado na esquina das avenidas Itamar Franco e Rio Branco. “Food truck” pioneiro, surgido na Barbacena de 1966, quando José Victor Furtado decidiu, junto da esposa Neide, ganhar um dinheiro a mais vendendo pequenos pastéis para alguns bares perto de sua casa. “Depois ele fez um tabuleiro circular de madeira, que encaixava na barriga, e arrumou um sombreiro grande para sair pelas ruas. Vendia nas portas de fábrica, em campos de futebol e onde mais pudesse. Em 1970, com a Copa do México, ele resolveu pintar o sombreiro com as cores da bandeira mexicana e saiu gritando: ‘Diretamente do México para a torcida brasileira, um pastel quentinho, gostoso e barato!’. Na época já falava ‘Obrigado, de nada’ e tratava todos como artista”, conta a mulher, referindo-se aos bordões que ainda hoje se ouve no lugar.
Trabalhando numa fábrica de tecidos, com quatro filhos pequenos aos cuidados da esposa, José começou a tomar gosto pelas ruas. “Depois do chapelão, veio o trailer, que levávamos para a porta de uma faculdade da cidade, para festa de paróquia e ande mais fosse possível. Ele fazia, e eu fritava”, recorda-se Neide. O trailer ganhou o nome de Pastelaria Rolante Mexicana. Juiz-forana, descendente de franceses, ela desejava sair da terra do marido e retornar à sua. Foi então que José, com a mulher e os quatro filhos, mais uma Belina, alugou uma casa no Bairro Eldorado, comprou uma cabine e um baú de caminhão e montou, ali, sua lanchonete. “Fomos forrando tudo com folha galvanizada, bem artesanal”, lembra-se a matriarca dos Furtado. Primeiro o veículo parou em frente à Santa Casa, depois diante da Casa d’Itália, mais tarde próximo ao Sport, até fixar-se, em 1978, no atual endereço, alugado da Prefeitura.
Receita? Trabalho!
Até conseguir comprar um novo caminhão, o que aconteceu nos anos iniciais da década de 1980, o casal passou por muitos apertos. “Na primeira semana em que começamos a trabalhar aqui, em 1976, todos empolgados, enchemos o caminhão de massa e recheio, e, quando chegou na ponte do Manoel Honório, o chassi quebrou ao meio e perdemos tudo”, recorda-se Neide. A lanchonete ambulante, novidade para a época, atraía cada dia mais pessoas. Hoje, a Mexicana conta com uma filial, em uma loja no Santa Terezinha, 16 funcionários e uma expectativa: “A qualquer momento esse caminhão vai se aposentar. O novo, que está terminando a parte elétrica, está ficando lindo”, revela Vânia. “Para quem começou no tabuleiro, chegamos muito longe”, comenta Neide. Andréa, pondera: “Não somos os donos só para mandar. Colocamos a mão na massa também”. O trabalho na casa construída por José, na mesma rua do Eldorado para onde se mudou ao chegar em Juiz de Fora, começa às 5h, com a produção dos recheios e da massa, e só termina à meia-noite, quando o caminhão retorna.
As três mulheres
Apesar de vermos apenas homens trabalhando no caminhão, quem comanda a marca atualmente são três mulheres. Filhas de José, Carla Suzy, de 48 anos, Andréa, 46, e Vânia, 45, herdaram o negócio após a morte do pai e a saída do único irmão, Mauro. Foi o filho homem, que sempre trabalhou com o pai, quem guiou o caminhão na doença do patriarca. Cansado, ele saiu da sociedade e aposentou-se. Os anos anteriores à morte de José, foram pesados. “Ele sofreu muito. Lutou por 16 anos. Aos 45, teve câncer pela primeira vez. Tratou-se e conseguiu viver normalmente. Mais de dez anos depois, o linfoma voltou, e foi preciso que ele se afastasse. Já não entrava no caminhão, mas acompanhava a produção. Ele foi embora num domingo de carnaval”, rememora Vânia, que cuida da filial, enquanto Andréa toma conta da produção dos recheios, e Carla Suzy, da contabilidade. Como alguns funcionários da pastelaria móvel, na fábrica também estão antigos colaboradores, a exemplo de Almir, que há quase 40 anos ajuda na confecção da massa.
Terceira geração
No caixa do caminhão, está o gerente Diego, único filho de Vânia. Aos 28 anos e formado como técnico em laticínios, ele é o único da terceira geração da família Furtado a se envolver com o negócio. “Ele se parece muito com meu marido, é muito comunicativo”, elogia a avó Neide. Às 16h, Diego tira o enorme veículo da garagem e chega ao Centro meia hora depois, quando precisa fazer uma manobra de 15 segundos no meio do agitado cruzamento para entrar no espaço (“Com o novo não vai ter esse problema, porque o caminhão vai entrar de frente”, conta Vânia). Numa dessas, o fundador, José, viu a marcha se soltar bem no meio da junção das avenidas, tendo que contar com a ajuda dos funcionários e passantes para empurrar o caminhão até o local. A Mexicana, e Neide me confirma isso, sempre foi abraçada pelos juiz-foranos. Sempre haverá alguém para ajudar a empurrar o caminhão se preciso for. E não há mistérios para tamanha simpatia, garantem-me as mulheres. “O segredo está nos produtos de qualidade, na fidelidade com as marcas e no respeito ao cliente”, vende a matriarca. Peço licença para completar: o segredo também está nos momentos em que esses pastéis foram e serão mordidos, está no sabor das boas lembranças.