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De olhos bem abertos para o metaverso

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A ficção científica é o gênero literário e cinematográfico em que não basta contar uma boa história. É, por excelência, o meio por onde se imagina o futuro próximo ou distante, assim como suas ciências. Uma delas aos poucos vai se tornando mais e mais factível: a realidade virtual, que, associada a outras tecnologias, como a realidade aumentada e a internet, converge para um projeto ambicioso, chamado metaverso.

A expressão saiu da bolha da turma da tecnologia no final de outubro, quando o Facebook (a empresa) anunciou que mudaria seu nome para Meta, deixando claro que a gigante da tecnologia vai se concentrar, principalmente, no que é considerado o próximo passo do mundo virtual – a exemplo do que outras empresas, como a Microsoft e Roblox, entre outras, já estão fazendo.

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E o que seria o metaverso? Primeiro, é preciso lembrar que o termo surgiu no romance sci-fi “Snow crash” (1992), de Neal Stephenson, em que as pessoas usavam esse mundo virtual para escaparem de uma realidade distópica. No mundo real, porém, o metaverso pretende ser um ambiente virtual em que as pessoas, por meio de avatares digitais, possam interagir entre si de diversas formas, incluindo diversão, trabalho, utilizando as tecnologias já citadas (internet, realidade virtual, realidade aumentada), mas também as redes sociais e criptomoedas, entre outras.

Ainda que não tenham utilizado o termo, várias obras literárias e/ou cinematográficas já criaram seus metaversos, seja para o bem ou para o mal, como a trilogia “Matrix”, “Jogador Número 1”, “Neuromancer”, “Estranhos prazeres” e o próprio “Snow crash”.

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Exemplos ficcionais de onde os avanços tecnológicos podem chegar não faltam, mas, assim como a tecnologia 5G – que alguns países já adotaram há anos -, que pode chegar em algumas cidades brasileiras apenas 2029, fica a pergunta: será que o metaverso vai se tornar realidade? E vai demorar? Como vai funcionar? Será para todos? Vai custar caro? E como fica a internet? E, principalmente: será “do mal”?

Com o objetivo de (tentar) responder a essas perguntas, a Tribuna procurou a professora da Faculdade de Comunicação da UFJF Ana Maria Vieira Monteiro, que participou de projetos ligados à realidade virtual e aumentada, e o cofundador e CTO do reportei.com, Rodrigo Ferreira Nunes do Nascimento, que ajudaram a entender um pouco mais a respeito das possibilidades que o futuro pode oferecer.

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USUÁRIOS DO METAVERSO poderão interagir em espaços virtuais, utilizando avatares diversos, segundo sugere o vídeo divulgado pelo Meta (Foto: Reprodução Meta)

Vai acontecer ou já está acontecendo?

Ana Maria defende que, em certa medida, o conceito de metaverso já é uma realidade, tendo em vista o grande investimento econômico em torno dessas tecnologias. Ela cita como exemplo o Facebook – agora Meta -, que aposta na realidade virtual como o próximo ambiente de interação social via web, e até o governo de El Salvador, na América Central, que adotou o bitcoin como moeda oficial.

“No entanto, as obras de ficção científica dão a entender que, no futuro, as vivências mais significativas do ser humano serão transportadas para o ambiente virtual. Isso implicaria em uma adaptação de nossos corpos e mentes a uma realidade não física na maior parte da existência. Portanto, caberá às civilizações futuras optar ou não por esse caminho, tendo em vista que, por parte da ciência, já temos tecnologias que são implementadas diretamente no cérebro, e a criação de interfaces que integrarão dispositivos a tecidos orgânicos parece ser uma questão de tempo”, pontua.

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Ela acrescenta que essa será uma decisão que levará em conta também o próprio destino do capital, lembrando que nas obras de ficção científica o pano de fundo das narrativas envolve algum elemento distópico. “Pode ser a civilização que falhou em algum momento em resolver problemas sociais ou ambientais, regimes autoritários ou qualquer outra coisa que tenha tornado a vida, como a conhecemos, intolerável. Por enquanto, creio que seria mais fácil imaginar a coexistência dos dois planos, um metaverso que seja mais utilitarista do que o campo principal das experiências humanas.”

Rodrigo Nunes vai um pouco além, ao defender que já temos, hoje, um vida real e outra, digital, dando como exemplo as experiências em redes sociais como Instagram e Facebook, que diferem de nosso cotidiano. “É importante entender nossa realidade atual antes de encarar esse potencial cenário do metaverso se transformar em um filme de ficção. Tem uma galera na internet que estuda o metaverso e que defende que ele não necessariamente é um lugar aonde a gente vai, mas sim um momento do tempo, e que seu perfil digital importa mais que seu perfil na vida real. Ou seja: que o metaverso é a transição para quando sua vida digital tem mais relevância que a vida real. Quando a gente pensa dessa forma, as coisas ficam mais claras, porque começamos a perceber que muitas das coisas que a gente vai ter no metaverso já existem agora, mas que serão com mais intensidade.”

Quanto tempo até o futuro?

Rodrigo Nunes acredita que devemos esperar de cinco a dez anos para o metaverso chegar com força. Ele argumenta que precisamos levar em consideração a chamada curva de inovação da tecnologia, em que temos os inovadores nos estágios iniciais, passando pelos “early adopters” (“primeiros adeptos”, em inglês), a maioria inicial _ quando começa a chegar na população em geral que não faz parte do nicho -, a chamada maioria tardia e, por último, os retardatários. “Foi o que vimos com a internet, que no início era coisa de cientista, pessoas que mexiam com a computação, até chegar aos retardatários. É a mesma curva que aconteceu com os smartphones.”

Rodrigo prevê que, enquanto costumamos dizer que “surfamos” na internet, com o metaverso faremos uma verdadeira imersão. “Atualmente, a gente assume que as pessoas estão na internet o tempo todo, mas houve um tempo em que perguntávamos se a pessoa estava on-line, quantas horas ficava conectada por dia, e isso mudou com a banda larga, 4G etc. Quando formos olhar para o metaverso, você estará com um par de óculos e interagindo com pessoas o tempo todo, podendo estar na mesma sala que você ou em outro país. Talvez a gente não veja a internet como obsoleta, mas como o caminho por onde o metaverso vai existir.”

Ana Maria salienta que a questão de prazo estará atrelada ao investimento das empresas privadas na área. “A oferta de internet 5G está sendo um grande passo nesse sentido, mas também é preciso que sejam criados ambientes no metaverso que disponibilizem serviços dos mais diversos, do entretenimento até ambientes para a promoção de negócios, educação, saúde etc. Mas se considerarmos a nossa realidade, muitas coisas estão em jogo”, argumenta.

Em quanto tempo poderíamos vislumbrar grande parte da população com acesso a serviços de internet de qualidade e dispositivos móveis ou computadores com requisitos mínimos que possibilitem até mesmo a visualização desse metaverso? Posso estar sendo pessimista, mas no atual cenário, com tantas desigualdades a serem superadas para necessidades mais urgentes de sobrevivência, não creio que empresas fornecedoras de serviços invistam pesado nessa tecnologia, ao menos nos próximos cinco anos. Até lá, consigo imaginar um nicho de mercado para o metaverso, voltado para necessidades corporativistas.”

Equipamentos como o Oculus Quest já permitem experiências mais satisfatórias dentro da realidade virtual (Foto: Divulgação Oculus)

O lado bom e o lado ruim

Quando se pensa nos avanços tecnológicos, uma das primeiras ideias é quanto aos benefícios que podem trazer à humanidade. Ao mesmo tempo, sempre há o temor de que boas ideias sejam deturpadas _ como as redes sociais _ e sempre há a questão da exclusão e das desigualdades. Basta lembrar que no Brasil, por décadas, adquirir uma linha telefônica era tão caro quanto um carro. “Em termos de benefícios, algo que já é possível de ser considerado a partir de uma realidade virtual colaborativa é a quebra da barreira das distâncias físicas com o sentimento de presença no ambiente virtual”, observa Ana Maria. “Que a pessoa possa se ‘teleportar’ para onde quiser, mesmo que seja de forma digital, ou como um holograma”, aponta Rodrigo Nunes. “É você poder almoçar com seus pais todos os dias, mesmo que estejam em casas diferentes, e estar onde quiser, mesmo que de forma digital. Você vai poder ter, por exemplo, um estudo médico e fazer uma cirurgia digital, vendo e sentindo tudo que está acontecendo de forma tridimensional, ou como numa aula de anatomia. Imagine um professor dando aula para alunos de nacionalidades diferentes. Do ponto de vista econômico, também teremos muitas oportunidades para pessoas e empresas”, exemplifica.

Sobre os riscos, Ana Maria Monteiro pensa que parte deles estaria associado a esse mesmo fator estimulante que é a sensação de presença, tão potencializada pela realidade virtual. “Uma coisa é considerarmos o metaverso como uma possibilidade, ainda que um tanto distante, de ambiente para trocas significativas de diversos tipos, como as afetivas, de conhecimento e econômicas. Outra é esse ambiente enquanto apenas parte de uma experiência que se tem com dispositivos eletrônicos, a exemplo do ramo do entretenimento. Nesse caso, seu malefício estaria relacionado ao tempo e ao esforço que algumas pessoas dedicariam a algo que não traria muito significado para suas vidas ou as excluiria do convívio físico com outras pessoas. Outro tipo de exclusão está relacionado ao que a ficção também já previu: se o metaverso se tornar a principal plataforma de acesso a experiências vantajosas, uma parcela da população, abastada economicamente, continuaria a manter seu status quo, enquanto o restante estaria à mercê de sistemas obsoletos de informação e acesso a vários outros serviços.”

Com que equipamento?

Saber como será a imersão nesses ambientes virtuais passa pelo uso de equipamentos que vão além do celular e computadores, como observa Ana Maria. “Quando a gente pensa em realidade virtual, temos duas vertentes: uma é aquela que considero as técnicas imersivas como produto da junção entre computador e headset de realidade virtual. Atualmente esses headsets _ ou visores _ têm ficado mais sofisticados no sentido não só de promover uma imagem de alta qualidade, mas também outras partes do dispositivo, como os controles, a ausência de cabos; tudo isso faz diferença na forma como nós agimos nesse ambiente virtual. Mas é preciso ter computador com um bom processador, uma boa placa de vídeo, para que eu sinta uma diferença no delay (atraso) entre a ação que cometo e a reação que eu vejo na tela. E não pode ter desconforto físico”, diz, citando que os últimos anos foram marcados por saltos significativos.

Quando o Facebook fez o anúncio de mudança de nome para Meta, citaram o dispositivo Oculus Quest. A empresa que o criou foi adquirida pelo Facebook e já investia há algum tempo em realidade virtual. “O dispositivo representa outro salto, que é a não dependência completa do computador”, ressalta Ana Maria. “Isso faz parte de uma ampliação das possibilidades quando pensamos em jogos e outros ambientes virtuais, pois por enquanto os visores não têm capacidade de concentrar processadores, memória e placa de vídeo em um dispositivo tão pequeno. Mas essa tendência deve mudar.”

Ilhas interligadas

Com o anúncio da Meta a respeito da criação de seu metaverso, ficou mais claro que outras empresas estão no mesmo caminho, e especialistas já destacaram que esses universos funcionariam melhor se conectados, ao contrário de se tornarem “ilhas” virtuais. Para Ana Maria e Rodrigo, a afirmação está correta, mas não quer dizer que vá acontecer num primeiro momento _ ou sabe-se lá se vai acontecer. “Essa interligação absoluta me parece mais uma utopia, enquanto a nossa sociedade funcionar a favor, primordialmente, do capital. Tecnicamente, não vejo nenhum empecilho para que isso ocorra, mas acho difícil as empresas abrirem mão de controlar algo que seja exclusivo delas”, analisa Ana Maria Monteiro. “Metaversos isolados, ou parcialmente conectados, parecem ser algo mais realístico. Eles fariam sentido à medida que a nossa visão acerca dos seus benefícios seja, como já dito, direcionada a aspectos utilitários, a resoluções de problemas do cotidiano. Então, da mesma forma como hoje escolhemos em qual site fazer compras, decidiríamos qual metaverso possui os recursos mais interessantes na relação custo-benefício.”

Ricardo Nunes tem uma visão um pouco mais otimista. Ele lembra que a internet, em seus primórdios, era composta por redes fechadas; depois, algumas empresas tentaram ser donas das redes em busca de maiores lucros, mas a criação do protocolo de internet (o famoso WWW) por Tim Berners-Lee descentralizou as redes _ que tiveram de interagir entre si – e permitiu a internet em que navegamos até hoje. “Depois, com o tempo, tivemos o caminho oposto, em que essas grandes empresas da internet começaram a ter redes de conteúdo fechadas. Quando você olha para o Facebook, por exemplo, os conteúdos nem sempre estão disponíveis sem que você faça o login, mas se comunicam com outros serviços de forma descentralizada. Eu acredito que o metaverso vai seguir da mesma forma”, aposta.

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