O leilão da Casa D’Italia de Juiz de Fora está suspenso. O processo que culminaria com a venda do imóvel no dia 3 de dezembro foi interrompido, segundo o senador italiano e subsecretário de Relações Internacionais da República Italiana, Ricardo Merlo. O político, representante da América do Sul no Senado, publicou a informação na manhã desta terça-feira (13), em sua conta no Twitter. “Confirmo oficialmente: acabamos de suspender a venda da Casa D’Italia de Juiz de Fora. Uma associação que deve permanecer para nossa comunidade italiana no Brasil”, escreveu Merlo.
A medida, contudo, ainda não foi anunciada pelos órgãos oficiais. Na página do Consulado da Itália em Belo Horizonte, o aviso de leilão segue acessível e nenhuma notícia referente à suspensão foi publicada até o início da noite desta terça. Contatado via e-mail pela Tribuna, o órgão não se manifestou. Segundo Paulo José Monteiro, presidente da Associação Ítalo-Brasileira San Francesco di Paola de Juiz de Fora, a entidade também não foi notificada da interrupção, o que ele espera acontecer até a manhã desta quarta (14), bem como o cancelamento da reunião que aconteceria nesta quinta (15), entre a associação e o cônsul Dario Savarese, em Belo Horizonte, para tratar do despejo e da possível venda do imóvel.
“O clamor popular foi de uma importância incrível. Foi enviado para o ministro (de relações internacionais) e para a vice-ministra a relação dos nomes do abaixo-assinado. Em segundo lugar devo isso à intervenção da Silvia Alciati, representante do Brasil no Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE), que ligou para todos os órgãos competentes da Itália para segurar esse leilão. Ela é uma pessoa que respeita a cultura e briga pelos italianos”, pontua Monteiro.
Um seminário no meio do caminho
Ao longo da última semana, Silvia Alciati esteve à frente de um dos mais importantes eventos sobre a imigração italiana no Brasil. Coordenadora geral, ela também mediou importantes mesas do 10º Seminário da Imigração Italiana em Minas Gerais, que aconteceu em formato on-line este ano. O evento reuniu acadêmicos, gestores e relevantes figuras da política italiana, como o embaixador da Itália no Brasil, Francesco Azzarello, e a vice-ministra das Relações Exteriores e Cooperação Internacional, Marina Sereni, ambos integrando a conferência de abertura. Palco para o debate acerca do legado dos italianos no estado, o seminário acabou por sediar, também, discussões acerca da relevância da Casa D’Italia de Juiz de Fora.
“A decisão do leilão aconteceu uma semana antes da realização do seminário. Foi um evento que fez o intercâmbio e a interlocução entre o Estado de Minas e a própria Itália, membros do Governo e das universidades. A questão da venda da Casa D’Italia assumiu uma visibilidade muito grande, e acho que isso ajudou no processo que culminou com a suspensão do leilão”, avalia Marcos Olender, professor do curso de história da UFJF e vice-coordenador do comitê científico do seminário. Bilíngue, o evento também permitiu que italianos vivendo em outros territórios compreendessem a situação e se envolvessem com a defesa da casa.
“Sempre que havia possibilidade, a questão da Casa D’Italia era colocada”, recorda-se Olender sobre o evento que, patrocinado, dentre outros, pelo Consulado da Itália em Belo Horizonte, não poupou nem mesmo o cônsul Dario Savarese durante sua fala na mesa de encerramento. Na gravação, disponível no YouTube na conta do seminário, é possível ler diferentes mensagens destinadas a Savarese, contestando a venda do imóvel, enquanto ele falava sobre diplomacia. O evento também possibilitou que o fluxo de informações alcançasse rapidamente instâncias superiores. E a indignação que se viu nas redes, solicitando a interrupção do processo, estendeu-se para os bastidores da política italiana. “As coisas sempre têm um plano político e o plano administrativo”, alerta o ex-deputado italiano, representante da América do Sul no parlamento por dois mandatos, Fabio Porta, o primeiro a se reunir com a vice-ministra Marina Sereni para solicitar o recuo do Governo italiano.
Decisão de funcionários
A decisão da venda, segundo Porta, foi tomada por funcionários do Ministério Exterior e repassada ao consulado em Belo Horizonte sem um debate interno em Roma. “Os ministros não tinham noção, tanto que quando souberam da situação, acabaram suspendendo o ato”, conta. “Eu mesmo conversei com a autoridade máxima nessa questão, que é a vice-ministra, e até aquele momento ela não tinha ciência. Imagino que a intervenção dela e o papel do subsecretário Merlo, que foi ativado pela comunidade italiana de Minas e pelo Conselho Geral dos Italianos no Exterior, teve um forte papel ao sinalizar a gravidade da situação. E mesmo a comunidade italiana, que assinou massivamente o abaixo-assinado que circulava nas redes sociais, ajudou bastante. Quero, também, enfatizar o papel da mídia. Tudo isso criou uma grande sensibilização. E quando a comunidade se une em volta de um objetivo e cada um faz a sua parte, os resultados são evidentes. Este não é um sucesso de uma pessoa só, mas de um coletivo que se mobilizou”, comemora Porta.
Próximos capítulos do imbróglio
Vídeos publicados na redes sociais, com depoimentos de descendentes de italianos de diferentes gerações, dão o tom de um mobilização que ultrapassou a revolta e sensibilizou pela emotiva defesa de um símbolo histórico. Criado pela Associação Ítalo-Brasileira San Francesco di Paola de Juiz de Fora, o abaixo-assinado virtual destinado ao ministro de Relações Internacionais da Itália Luigi di Maio reúne cerca de 8 mil pessoas, de nacionalidades distintas. “Não podemos subestimar a mobilização da comunidade de descendentes de italianos de Juiz de Fora e outras pessoas da sociedade que articularam para salvar esse espaço tão importante na cultura da cidade. Não haveria a sensibilização da comunidade internacional e de autoridades políticas italianas, mesmo até do pessoal no seminário, se não houvesse uma mobilização que mostrou a importância dessa Casa D’Italia para a cidade, para Minas e para o Brasil”, acentua Marcos Olender, pesquisador que dedicou um capítulo de seu livro “Ornamento, ponto e nó: da urdidura pantaleônica às tramas arquitetônicas de Raphael Arcuri” ao imóvel.
A amplitude do debate em defesa da Casa D’Italia, no entanto, impõe novos capítulos para a questão. De acordo com Fabio Porta, vencida a demanda pela permanência do imóvel, ganha relevo a importância do projeto que deve se voltar à promoção da cultura, da história, da língua e da tradição italiana. “Agora precisamos enfrentar e resolver outras questões, em primeiro lugar a da propriedade, esclarecendo se a casa pode passar para uma entidade local de Juiz de Fora, se pode haver uma transação entre o Governo italiano e a associação, talvez fazendo uma compensação entre o que foi gasto e investido. Outra questão é que precisa ser esclarecido melhor a relação entre a Casa D’Italia, as instituições italianas, a comunidade italiana, o consulado italiano e o consulado honorário em Juiz de Fora. Seria bom aproveitar esse momento para definir melhor o papel de cada um”, observa Porta, defendendo, ainda, a transparência e a participação coletiva na utilização dos espaços do terreno. Paulo José Monteiro assegura ter o mesmo interesse: “Vamos deixar a poeira baixar e ver quais são os interesses por trás disso (da venda). Se há erros, vamos corrigi-los e implementar ainda mais a cultura italiana na Casa D’Italia.”