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Grupo Amplitud lança projeto “Contato”, com performances individuais em vídeo

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A pandemia do novo coronavírus tem sido um desafio para muitos. Para os jornalistas, por exemplo, boa parte das pautas tem alguma ligação com a Covid-19, e boa parte dessa boa parte são variações sobre o mesmo tema, às vezes mudam apenas os nomes. Para os artistas, o desafio costuma ser o que fazer nesses meses de palcos fechados, encontros e gravações suspensos, exposições que não acontecem. Há a compulsão de criar, ou simplesmente se apresentar, então é preciso pensar em como fazer _ e não ser mais um a fazer qualquer coisa.

O Grupo de Pesquisa e Criação Amplitud, por exemplo, precisou parar suas atividades desde que a pandemia chegou ao Brasil, em março, e os projetos para 2020 entraram em compasso de espera. Porém, a compulsão de criar resultou no projeto que leva o nome de “Contato”: nele, seis de suas sete integrantes criaram pequenos solos gravados em vídeo e que começaram a ser divulgados na última quinta-feira (9) na conta criada por elas no Instagram (@grupopesquisaecriacaoamplitud).

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“O nome (do projeto) tem a ver com o distanciamento e com o fato de, mesmo com o isolamento, o corpo do artista pedir contato. É uma oportunidade, ainda, de experimentar as outras possibilidades de contato”, justifica uma das integrantes do grupo, Gabriela Machado. A cada dois dias, um novo vídeo é publicado, e até agora já estão disponíveis as performances de Carol Tagliati, Deborah Lisboa e Isabela Abreu, e os próximos serão de Sandra Zanella (quarta), Letícia Machado (sexta) e Gabriela Machado (domingo). A sétima integrante do grupo, Aline Henriques, ficou responsável pela produção e design gráfico.

Além do projeto, o Amplitud comemora os três anos de atividades com o lançamento no YouTube da gravação realizada ano passado no Museu Ferroviário de seu segundo espetáculo, “268 dias. Depois” _ o outro é “268 dias”. A data do lançamento ainda será definida, pois será acompanhada de um debate sobre o espetáculo com especialistas do circo contemporâneo. “Será bacana comemorar o que já fizemos sob o olhar de outros profissionais e do público”, anima-se Gabriela, acrescentando que o Amplitud vai criar seu canal na plataforma, a ser divulgado em breve.

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Carol Tagliati abriu a série de vídeos com uma performance na sala de casa (Foto: Reprodução)

Desafio de criação

Gabriela conta ainda que as atuais integrantes do Amplitud começaram a se reunir para definir o planejamento de 2020 quando a pandemia interrompeu os planos. Já no final de maio, decidiram criar um processo à distância. “Não queríamos perder o fio do desejo de criar e também aproveitar esse momento em que borbulham muitos pensamentos, reflexões sobre o mundo”, explica. “Pensamos muito sobre o que fazer, pois o foco do grupo é a produção de espetáculos a partir de elementos do circo _ mas sem a beleza da habilidade, do número -, que transformam o nosso olhar do mundo em espetáculo. Refletimos também sobre como o isolamento social trazia uma vontade de encontrar para criar, e ao mesmo tempo uma inércia de onde partir. É interessante ver como a criação artística não é algo divino, e que às vezes precisa de um empurrão para sair desse lugar.”

Como metodologia de trabalho, a proposta foi que cada uma pensasse em três impulsos criativos, mas que seriam sorteados para outra integrante, que teria o desafio de realizar a ideia alheia. Os vídeos foram gravados em junho, e uma das regras era que todas elas usassem máscaras protetoras. Cada uma ajudou a orientar o resultado final do vídeo. “É um processo individual em que cada uma trabalha no seu vídeo como se fosse a diretora, pois tem a questão de edição; o que vai entrar, o que precisa cortar…”

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Em busca do espaço cênico

Depois de ser a diretora dos dois primeiros espetáculos do grupo (“na verdade, foi um refinamento final, um olhar de fora, a direção era coletiva”), Gabriela Machado enfrentou o desafio de criar uma performance em casa, a partir de uma proposta que não era a dela, e num período de isolamento social.

Frame da performance de Deborah Lisboa, “Só Maria” (Foto: Reprodução)

“Para mim, (o desafio) era encontrar um lugar (para a performance), porque quando a gente está numa sala de criação, ela é o lugar, encontrar com as pessoas é o lugar, tudo isso gera o espaço cênico. A minha proposta era equilíbrio, uma panela e o som do metrônomo. Tive que pensar o espaço dramático e cênico que iria me possibilitar encontrar todos esses elementos. Ao observar minha casa, decidi fazer na janela. Para outras meninas, porém, pode ter havido outros questionamentos ao invés do lugar.”

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No caso de Deborah Lisboa, o primeiro desafio foi de ordem prática. Com uma filha de 2 anos, gravar foi o que chamou de “função” por ter apenas o tempo em que ela dormia para poder gravar _ e com um aparelho celular. Para sua performance, os elementos foram uma peça de vestuário, um giro no seu próprio eixo e _ aí vem a dificuldade _ “tomar um chá com a mulher mais velha da árvore genealógica dela”.

“Eu tinha uma bisavó por parte de pai que era portuguesa, e quando minha mãe foi a Portugal, há pouco tempo, trouxe a história de que ela fora prostituta. Lembrei dessa história (para a cena), procurei minha família em Portugal para buscar histórias dela, fotos, curiosidades, mas as pessoas não sabiam nada. Isso me incomodou muito, pois havia coisas interessantes de outras mulheres que eles lembraram. Percebi o quanto ela foi silenciada na própria família, não tinha uma foto. Então quis colocar isso na minha criação”, conta Deborah.

Para a performance, ela se valeu de um livro que tratava de feminismo e anarquismo, que é da mesma época em que sua bisavó viveu, com histórias parecidas com a dela e de outras mulheres. A performance mostra Deborah ouvindo o texto preparado por ela e sua companheira, Anna Flora, com inspiração no livro. “O processo não foi tão solitário porque minha companheira me ajudou muito, tanto conversando sobre o tema quanto na criação do texto que utilizei no vídeo. Ela não faz parte do grupo formalmente, mas ajuda no que precisamos quando temos espetáculo. Foi muito importante a sensibilidade dela na criação”, elogia.

Luz solar

Carol Tagliati, cujo vídeo abriu o projeto, recebeu como proposta de composição uma ação física (pé em flex), uma característica de movimentos/cenas (interrupções) e uma música (“Ojos del Sol”, de Y La Bamba). “A música não entrou na cena, mas me trouxe uma referência forte da imagem do sol, que eu acabei relacionando com o tempo – pelo movimento da luz que percebo na sala da minha casa. Mas o tempo mudou, o ritmo da vida mudou. A rotina ainda vai se desenhando, diferente do que era. Então às vezes me sinto em outro andamento, daí a câmera lenta”, filosofa. “Havia a orientação de incluir uma máscara, como objeto comum a todas nós. Apesar desse elemento ser cada vez mais presente no cotidiano, ainda senti um estranhamento. Mas, levando em conta que o circo lida sempre com o inusitado, vale a experiência. Foi um desafio interessante compor com esses fatores.”

Ela confirma, assim como as outras integrantes, o desafio da criação solitária. “Acho que qualquer criação é uma coisa delicada no meio de tanta notícia ruim. Ainda assim, reunimos o grupo virtualmente, nos incentivamos, e vamos insistindo no que acreditamos. Sinto que o que produzimos toca as pessoas, desperta emoções que motivam a continuar, a se expressar, a se inventar… Essa é uma forma de contribuir positivamente com o mundo, que bom que podemos fazer isso.”

Influências do formato

Sobre a forma como o isolamento e o distanciamento social podem influenciar no trabalho do Grupo Amplitud no futuro, Gabriela Machado destaca a necessidade surgida de dominar a linguagem audiovisual. “Era algo que não tínhamos feito e não nos interessava muito enquanto grupo – não usamos projeção nos espetáculos -, não estava na nossa pesquisa enquanto linguagem. Agora, como esta é a nossa possibilidade de comunicação, precisamos discutir nosso processo de criação a partir dessa linguagem que não dominamos, assim como refinamos algumas cenas. É uma mudança estética em nosso processo.”

“Eu, individualmente, fico muito assustada, pois para mim o audiovisual tem uma linguagem muito intensa, muito organizada pra gente olhar”, prossegue. “É uma linguagem que é muito invasiva, mas não de forma pejorativa, porém chega com uma força tão grande que, se eu assisto a uma obra, preciso ficar um mês sem assistir nada. É muito diferente do teatro, em que você (espectador) de alguma forma organiza o enredo, os cortes. É muito complicado para mim pensar até que ponto a gente vai fazer audiovisual. Mas as artes cênicas não vão morrer, elas estão na essência do ser humano.”

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