“Quando deixamos de entender o mundo” (Todavia), terceiro livro de Benjamín Labatut, é ao mesmo tempo empolgante, surpreendente e quase impossível de não se ler em apenas um dia. Por isso, não é surpresa que ele tenha sido publicado em nada menos que 22 línguas, indicado a alguns dos principais prêmios literários e entrado na lista de dez melhores livros de 2021 do “New York Times Book Review”, recomendado ainda pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Um dos nomes mais promissores da literatura latino-americana contemporânea, o escritor chileno (mas nascido na Holanda) usa da mistura entre realidade e ficção para contar momentos decisivos na história de alguns dos mais importantes físicos e matemáticos do último século, quando essas figuras atingiram o “ponto de não retorno” de seus pensamentos, capaz tanto de produzir alguns dos feitos que mudaram (para o bem e para o mal) nossa História recente quanto de levar essas figuras ao delírio.
Segundo Labatut, as histórias contadas em “Quando deixamos de entender o mundo” são fortemente baseadas em fatos reais, com a ficção entrando em jogo para preencher lacunas ou ajudar a compreender o pensamento que levou esses gênios a suas descobertas – além de criar o elemento dramático necessário para tornar as histórias mais interessantes do que já seriam naturalmente.
Metanfetaminas e cianureto
O escritor chileno mostra talento para amarrar fatos distantes entre si por décadas e até mesmo séculos, e talvez o melhor exemplo esteja em “Azul da Prússia”, história que abre o livro. Ela começa com o vício do nazista Hermann Göring por metanfetaminas para lembrar que diversos generais do Reich cometeram suicídio ingerindo cápsulas de cianureto, veneno que surgiu em 1782 quando o sueco Carl Wilhelm Scheele inadvertidamente misturou ácido sulfúrico com o azul da Prússia, pigmento sintético criado pelo alquimista Johann Conrad Dippel, que nasceu no famoso castelo de Frankenstein e teria servido de inspiração para Mary Shelley escrever… “Frankenstein”.
Essas descobertas, por sua vez, serviram para o alemão de origem judaica Fritz Haber desenvolver o gás que matou milhares de soldados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, algo do qual nunca se arrependeu. O cientista morreu em 1934, por isso não viu que um pesticida inventado por ele foi utilizado pelos nazistas para matar milhões de judeus nos campos de concentração, inclusive sua meio-irmã, seu cunhado e sobrinhos. Além dessa trágica ironia, Benjamín Labatut lembra que Haber ganhou em 1918 o Prêmio Nobel de Química por ter descoberto, em 1907, como extrair nitrogênio do ar, revolucionando o ramo dos fertilizantes e impedindo a morte por fome de muita gente.
Mas tem mais. Ainda na Primeira Guerra, o astrônomo, físico e matemático Karl Schwarzschild encontrou tempo, em meio às trincheiras, e enviou para Albert Einstein a primeira solução exata das equações da teoria da relatividade geral, provando a existência dos buracos negros – o que ficou conhecido como a singularidade de Schwarzschild, que dá nome ao capítulo. Em “O coração do coração”, Benjamín Labatut reúne a história de dois gênios da matemática, o japonês Shinichi Mochizuki e o alemão (naturalizado francês) Alexander Grothendieck, que se tornaram ainda mais excêntricos – principalmente o segundo – após apresentarem trabalhos revolucionários em sua área de atuação.
Einstein de coadjuvante
No capítulo que dá nome ao livro, o escritor chileno consegue transformar a rivalidade entre Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger, que apresentaram equações diferentes – ainda que complementares, o que teimavam em aceitar – para resolver algumas das questões mais intrigantes da física moderna em uma trama que envolve conflito, inveja, suspense, orgulho e, assim, prende a atenção do leitor, com direito a coadjuvantes como o já citado Einstein e o dinamarquês Niels Bohr, resultando em uma trama emocionante e que justifica conhecer o trabalho deste fenômeno literário.