Site icon Tribuna de Minas

A influência de Bob Marley na cena reggae de Juiz de Fora

PUBLICIDADE
Bob Marley, morto há quatro décadas, aos 36 anos, é a principal influência da cena reggae local (Foto: Divulgação)

Na última terça-feira (11) completaram-se 40 anos da morte de Bob Marley, o maior nome do reggae e um dos maiores da história da música. O artista jamaicano morreu com apenas 36 anos, em 11 de maio de 1981, na cidade de Miami (Estados Unidos), vítima de melanoma lentiginoso acral, um tipo de câncer surgido em um dos dedões dos pés e que havia se espalhado pelo cérebro, pulmões e estômago depois que o cantor se recusou, devido à doutrina rastafári, a amputar o dedo e evitar a metástase da doença.
Porém, a morte precoce de Robert Nesta Marley não impediu que o reggae continuasse a encantar e influenciar gerações, fosse seguindo a doutrina rastafári e/ou adotando o gênero musical para expressar seus sentimentos e espalhar a mensagem pacifista e de amor de Marley. Inclusive em Juiz de Fora, onde até hoje vários artistas de gerações diversas têm no reggae a bússola musical, moral, ética, filosófica e espiritual.
Um dos principais responsáveis para que Juiz de Fora tenha, hoje, um cenário reggae relevante dentro do estado e também no Brasil é o produtor artístico Rodrigo Noronha. Ele criou, na primeira década do milênio, o Movimento Reggae Mineiro, e produziu por anos, no Cultural Bar, vários shows de reggae – inclusive, inicialmente, nas quintas-feiras, um dia que não era dos mais disputados. Bob Marley teve impacto na sua adolescência por ter sido, para ele, o primeiro artista negro que veio de um país de terceiro mundo (Jamaica) a ter projeção mundial.
“Acho que foi mais relevante porque, nessa trajetória, deu voz às pessoas excluídas, apresentou para o mundo essa realidade difícil. E tinha na sua mensagem a proposta de sermos um só povo, uma mensagem de amor e união ao mesmo tempo em que mostrava essa realidade. O impacto dessa mensagem de mudança de consciência segue até hoje”, analisa o produtor de 42 anos, que teve contato com o reggae quando tinha 14 anos. “Toda uma geração dos anos 1990 descobriu esse estilo junto, ele e Peter Tosh eram novidades que precisávamos garimpar, gravar dos outros. Tivemos o impacto de uma vibração diferente, com letras conscientes sobre paz e amor.”

Evandro Cruz, do Rama Ruana, banda surgida no final dos anos 90 (Foto: Divulgação)

Rama Ruana

Quem também teve sua vida impactada pela obra do maior nome do reggae foi Marcelo Magaldi, a ponto de montar uma das bandas mais conhecidas do gênero na cidade, a Rama Ruana. Ele lembra que tinha 11 anos quando seu irmão, cinco anos mais velho, começou a ouvir reggae com os amigos e passou a levar alguns discos de Bob Marley para casa. “Foi amor à primeira vista. Fui pesquisando mais sobre ele e o reggae em geral. A princípio não entendia muito as letras, por serem em inglês, então o que batia mais forte era o poder da música; depois comecei a entender por meio de traduções, e passamos a ver o real sentido das letras, o pensamento e a ideologia dele”, relembra, destacando os paralelos que havia entre a realidade vivida por Marley na Jamaica com a do povo brasileiro. “Ele veio de um gueto em seu país e tinha esse cunho político, de levantar a voz dos oprimidos e falar de paz e amor, representar quem estava à margem dos olhos da sociedade. Suas músicas e mensagens mudaram minha vida, e até hoje são atuais.”
O poder da música de Bob Marley, aliás, foi o incentivo para se tornar músico. “Quando tinha cerca de 14 anos surgiu a ideia de montar uma banda de reggae com um amigo. Isso se tornou realidade quando completei 15 anos e minha mãe me deu uma bateria de presente. Montamos a Rama Ruana.”

PUBLICIDADE

Marley em VHS, vinil e cassete

Outro nome influenciado por Bob Marley é o vocalista da banda Muamba, Eminho. “Abri muito o meu campo de visão em relação a composições, a ser artista como um todo, depois que descobri a obra de Bob Marley. Entendi o que é ser um visionário e descobri que mensagens diretas nas letras e simplicidade na montagem dos acordes funcionam muito bem! A forma que ele cantava me influenciou bastante, pois entendi que se deve cantar com emoção, interpretar com a alma” afirma.
Outro nome importante do gênero na cidade, Rafael Cardoso já teve suas versões para músicas de Bob Marley elogiadas por filhos e outros parentes do astro jamaicano. E também foi na adolescência, lá pelos anos 90, que teve seu primeiro contato com o porta-voz do reggae. “Eu tinha cerca de 13 anos quando tive meu primeiro contato com a obra dele, seja por meio dos discos ou fitas VHS, e Bob Marley foi fundamental para que me interessasse ainda mais pela música e por interpretar as músicas dele, o que faço até hoje. E tive a felicidade, graças às redes sociais, de ter minhas interpretações compartilhadas por filhos dele e outros membros da família.”
Rafael diz que um dos motivos que o levaram a admirar o astro maior do reggae foi sua energia ao interpretar as canções. “Isso me fez admirá-lo ainda mais, porque as letras dele tocavam meu coração profundamente e influenciaram muito minha vida na questão de ser uma pessoa mais livre, em busca de liberdade, de ter uma vida de paz e sem apego material, além de questionar o sistema que eles chamavam e ainda chamam de ‘Babilônia’. Fiquei contra esse sistema também, e a forma que luto contra ele é por meio do reggae. É um artista que continua atual e relevante.”

PUBLICIDADE
Rafael Cardoso com Aston Barrett Jr., dos Wailers, com quem já lançou quatro músicas e planeja álbum para 2022 (Foto: Arquivo pessoal)

Estabelecimento da cena de Juiz de Fora

Com uma turma cada vez maior descobrindo o reggae, os anos 1990 são considerados por muitos como a década em que o gênero musical se estabeleceu em Juiz de Fora. Rodrigo Noronha conta que, na época, chegou a montar uma banda chamada A Nuvencanto, que ele definiu ser mais “por curtição” do que um projeto a ser levado em frente – até porque, de acordo com ele, o reggae ainda não era visto com potencial comercial pelos espaços para shows.

Eminho, do Muamba, acredita que novas bandas de reggae encontrarão seu espaço na cidade (Foto: Studio Photo Aluizio)

“Tivemos alguns shows na época, mas a cena era totalmente fechada. Era difícil tocar em bares e casas de shows. Quando o Movimento Reggae Mineiro começou a acontecer e bandas internacionais vieram tocar aqui, conseguimos espaço para as bandas locais”, relata. Marcelo Magaldi, por sua vez, lembra de duas bandas que já tinham projeção na cidade à época: Conexão Jamaica e Muamba. “Não havia muitas bandas de reggae quando começamos com a Rama Ruana, por isso mesmo quase sempre éramos nós que tocávamos nas festas que tinham um grupo de pagode, um sertanejo e uma banda de reggae. Uma coisa positiva é que quem assistia aos nossos shows se interessou em montar bandas, aí foram surgindo outras que levavam a bandeira do reggae raiz.”
“A cena reggae de Juiz de Fora nos anos 90/2000 foi muito rica de bandas fantásticas e com um trabalho autoral bastante interessante”, defende Eminho. “Nasceram grupos de reggae roots e pop reggae com letras que levavam positividade e fé. Não acredito que exista um ‘auge do reggae’ porque, além de ser um estilo musical, é também um estilo de vida.”
Enquanto alguns já eram “jovens veteranos” do reggae, Rafael Cardoso tinha cerca de 15 anos no final da década de 1990 e dava seus primeiros passos na carreira. “Começamos bem amadores. ‘Apliquei’ reggae em alguns amigos adolescentes, que resolveram formar uma banda, a Mahui, e me convidaram para cantar. Recebemos convites para shows na época, mas logo diminuíram o espaço para o reggae e os convites. Porém, continuei resistente, iniciei minha carreira solo, e por volta de 2005 surgiu o Movimento Reggae Mineiro organizado pelo Rodrigo Noronha. A partir daí a cena do reggae melhorou bastante, recebi vários convites para tocar em eventos na cidade, em especial no Cultural.”

PUBLICIDADE

Movimento gera Movimento

Conforme destacado por Rafael Cardoso, o Movimento Reggae Mineiro foi fundamental para o gênero e as bandas se consolidarem na cidade. Idealizador do movimento, Rodrigo Noronha conta que tudo começou em 2005, quando apresentou projeto na Lei Murilo Mendes para uma coletânea com oito bandas locais. Proposta aprovada, era preciso fazer o show de lançamento – e aí veio a parte difícil, mas que ajudou a mudar o panorama.
“O Rama Ruana havia conseguido espaço para tocar na cidade, inclusive no Cultural, e daí surgiu a ideia de fazer uma noite dedicada ao reggae, mas ninguém via muito potencial, tanto que o show de lançamento da coletânea seria no Morro do Cristo. Mas o evento foi sabotado, então liguei para os donos do Cultural na época e propus usar a verba destinada ao lançamento para fazer no espaço com entrada franca. O show aconteceu em 13 de maio de 2006 com os artistas da coletânea – entre eles Conexão Jamaica, Rama Ruana, Herdeiros de Jah – e foi um sucesso, até me me convidaram para ser produtor da casa.”
“Porém, mesmo depois do sucesso do primeiro show, ainda não queriam nos dar a sexta-feira ou sábado, não viam potencial”, prossegue. “Ficamos com as quintas-feiras, e à medida que se tornou um sucesso e fomos fazendo os shows maiores, foram nos dando as sextas, sábados, e posteriormente passamos para os domingos, porque a galera da minha geração não podia ir na sexta, sábado, então passamos para o domingo, por volta das 18h. Quase uma matinê (risos).”

PUBLICIDADE

Internacionalizando

Todavia, as noitadas (ou “matinês”) de reggae não se resumiam às bandas locais. O Movimento Reggae Mineiro ajudou a colocar Juiz de Fora no mapa das grandes bandas nacionais e internacionais. “O Cultural abriu a casa nova em 2009, e aí fizemos o primeiro show internacional com a Groundation, com um público de 1.700 pessoas. Conseguimos trazer artistas como The Wailers (a banda que acompanhava Bob Marley), SOJA, Israel Vibration, The Congos, Don Carlos, Ras Bernardo, Planta & Raiz. Passamos a fazer um show em tributo ao Bob Marley todo ano, inclusive com a presença dos Wailers em 2010.”
Quem já tocava no Cultural antes dessa época era o Rama Ruana, e Marcelo Magaldi lembra que era normal ter uma banda de reggae abrindo a noite, mas foi graças ao Movimento Reggae Mineiro, com shows que tinham estrutura e produção melhores, que o gênero deslanchou de vez. As lembranças dessa época são de noites lotadas.
“Ficava muito cheio mesmo às quintas-feiras, com 700 a 800 pessoas ainda no antigo Cultural, que não era um lugar tão grande e num dia que não era tão forte para shows na cidade. Foi um período muito intenso, em que criamos esse público, identidade e o reconhecimento de uma cidade que tinha muitos artistas de reggae e um público que consumia essa música. A cidade se tornou referência para o gênero em Minas Gerais.”
Eminho, do Muamba, também guarda boas lembranças do período. “Foi uma época muito rica musicalmente para a cena reggae, onde passaram pelo palco do Cultural bandas do mainstream nacional e bandas internacionais que sacudiram o público e a cidade. Isso mostra que, com todos juntos, o estilo só se fortalece.”

E o reggae hoje?

Na semana em que se completam os 40 anos da morte de Bob Marley, com Juiz de Fora tendo um cenário local que se destacou pelo estado e país, com nomes que dialogam com o gênero alcançando repercussão nacional, como Muamba e Onze:20, é possível refletir sobre o atual momento do reggae juiz-forano, mesmo que os palcos estejam vazios há mais de um ano. “Juiz de Fora é uma referência no estado em termos de reggae”, afirma Marcelo Magaldi, “mas acredito que isso deu uma diminuída com o passar do tempo. A própria Rama Ruana está parada há algum tempo, algumas bandas acabaram, outras surgiram, mas o reggae local não vai morrer nunca, pois temos um público que vai aumentando e se renovando. Inclusive as bandas que passam por aqui comentam como se a cidade fosse a capital do reggae de Minas.”
“Existe uma nova geração que veio muito forte, mas percebi pelos últimos eventos que o perfil do público mudou. Antes havia o fã do reggae, do rock, e hoje está tudo mesclado”, analisa Rodrigo Noronha. “O reggae ainda tem muita relevância na cidade, vejo muita influência dele no rap; se trocar a melodia, você percebe que os temas são os mesmos.” Para Eminho, o cenário atual apresenta incertezas por causa dos efeitos da pandemia, mas ele segue otimista. “Apesar da falta de eventos, acredito que muitas bandas estão nascendo nas garagens e estúdios, e em breve elas encontrarão seus públicos, renovando e fortalecendo ainda mais a cena.”

LEIA TAMBÉM: Morre aos 64 anos o músico Mongol

Exit mobile version