Site icon Tribuna de Minas

‘Canalhas Open Bar’ reúne experimentalismos de Dekão e Donizette

PUBLICIDADE
Lançado nas plataformas digitais, “Canalhas Open Bar” reúne tecnopoema de Dekão e “última música” de Donizette (Foto: Divulgação)

A gravadora independente JFK7, do incansável Pedro Salim, lança nesta terça-feira (13), nas plataformas de streaming, o misto de single e minicoletânea “Canalhas Open Bar”. O projeto chega com o tecnopoema “Canalhas Open Bar”, de Dekão, além do pesadelo astral em forma de música chamado “Morféticos”, da boneca Donizette, alter ego que não pode ser revelado sob o risco de… não sabemos, mas como foi pedido segredo, melhor não contar com a sorte.
Com capa do artista Thakura Seva Das e masterização de André Medeiros, este é o quarto lançamento da JFK7, que já tem no catálogo os dois primeiros álbuns de Donizette, “Bala de Fuzil” e “Vol. 2, descendo a ladeira”, além do single “Melhor sem ti”, da banda Algarabya. E Pedro Salim manda avisar que a gravadora está à procura de artistas diferentes e experimentais, seja na poesia, música eletrônica, rap e outras bossas.
As duas composições foram gravadas no home studio de Pedro, que leva o nome da gravadora, sendo que “Canalhas Open Bar” foi gravado há cerca de dois meses, e “Morféticos”, há cinco meses. No caso da música assinada por Donizette, há todo um mistério envolvendo a personagem: segundo o release que divulga a minicoletânea, ela teria sido ressuscitada em setembro passado para gravar os dois álbuns, sendo novamente assassinada por “forças da ordem”.
Enterrada na beira da estrada e coberta de terra numa realidade paralela de penumbra astral, ela cruza com a parceira de outros purgatórios, Valdeti, para criar “um pesadelo post-post-mortem numa esfera ulter-humana”, em que Donizette “entra em contato com sua natureza anterior à boneca, e se prepara para decompor milhões de anos em plástico, apaziguada em sua compostagem espiritual.”
E ainda tem mais. De acordo com o release, foi encontrada uma pichação no Bairro do Bonfim com os seguintes dizeres: “O que está morto, nunca morre. DNZT”.

As muitas mortes da boneca

O quanto tudo isso é verdade ou delírio, não sabemos, mas o lance é que Donizette tem telefone celular e seu alter ego não se recusou a conversar sobre a história da boneca, que teve início em 2016, quando foi encontrada por um grupo de teatro em São Paulo e ganhou seu nome, apesar de não lembrar quem foi o responsável pelo batismo.
“Ela foi achada na rua e foi adotada pelo grupo. Então, a filha de uma iluminadora rabiscou o rosto da boneca e ela ficou com uma aparência sinistra. Fiquei com a impressão de que ela fosse uma coisa muito ruim”, conta, lembrando que Donizette teve sua primeira morte quando o grupo teatral retornou de uma viagem e seus integrantes descobriram que haviam arrancado os olhos da pobre-coitada para um ritual de candomblé. “Resolvemos nos desfazer da boneca”, acrescenta.

Mas, como a morte nunca é o fim, eis que Donizette ressurge quando seu alter ego resolveu fazer “uma boneca assassina travesti da periferia, uma coisa bem marginal, bem no meio da pandemia, que ressuscitou por meio a música.” Com as fotos que havia guardado da boneca, saíram a capa e arte para o álbum “Bala de Fuzil”. Para os caçadores de rótulos, os dois álbuns da boneca são definidos como “minimal teco”, definida pelo seu alter ego (ou seria receptáculo corpóreo) como “versão brasileira udigrudi psicotropicamente alterada do minimal techno”.
Os temas das canções? Morte, morte e um pouquinho mais de morte, com alguma reflexão filosófica aqui e ali. “De certa forma, ela voltou para canalizar esses sentimentos de terror que temos vivido. É também um pesadelo astral de outro universo, algo além da nossa compreensão. Quis desconstruí-la como boneca, como se descobrisse uma existência anterior, sua natureza ancestral. Algo meio-demônio que ela representa, e, como todo demônio, é uma alma sofredora”, filosofa. “Mas agora terminei com ela, porque estava dando muito trabalho (risos), consumindo meu tempo. Fiz dois discos em quatro meses, e por um período essa vai ser a última música. Mas só por enquanto, pois o que está morto nunca morre.”

PUBLICIDADE
Boneca que serve de alter ego para o artista, Donizette teve dois álbuns lançados em 2020 (Foto: Divulgação)

Canalhas variados

Outro artista que também recorre à identidade secreta é Dekão. Ele defende que os versos do tecnopoema que dá título à microcoletânea “casa bem” com o atual momento de pandemia, mas pontua que as possíveis doenças discursivas e comportamentais que nela aparecem – bem como seus possíveis sintomas – são muito anteriores ao que denomina de “vírus da hora”, embora não tenham desaparecido com ele.
“Talvez a música seja uma espécie catártica de Rap-Ladainha que vomita velhos e novos moralismos ocidentais inscritos, como diria Hélio Oiticica em ‘Mitos de Pureza’: discursos e posturas nos quais uma pretensa ‘pureza’ é uma verdade inquestionável e, em nome dela, a potência multivalente e polifônica dos signos deve ser sufocada”, argumenta. “Discursos e posturas nos quais a pragmática da linguagem (o circunstancial e potencial ‘tornar-se outro’ de todo signo) é, constantemente, controlada, vigiada e punida em uma equação invariável de um pré-determinado campo de concentração semântica: cria-se um index do como e do que deve, ou não deve, ser dito a priori.”

A partir desse raciocínio, Dekão reflete que “supostos acidentes e/ou descuidos semiológicos serão, provavelmente, linchados”, em que tais discursos e posturas – defende ele – tendem a trabalhar “o dentro e o fora” – não como passagens, mas como categorias. “São discursos que excluem os que supostamente ‘não são’, ‘não representam’ ou ‘não pertencem’ a um determinado “grupo do bem’. Em um ambiente assim estruturado, só deve falar quem é. Quem não é, deve calar a boca e recolher-se ao seu ‘lugar de cala’.”
O tecnopoeta diz, ainda, que há mitos de pureza de direita e de esquerda, e que ambos se inscreveriam – a seu ver – na linha de montagem do “macho, adulto, branco sempre no comando”. “Mesmo quando, aparentemente, se posicionam ‘radicalmente’ contra a linha de montagem do ‘macho, adulto, branco sempre no comando’.”
“Seja como for, a grande lista de ‘canalhas’ que aparece na música, de modo caótico, impuro e disparada por uma estrutura poético-musical propositalmente redundante, não é movida pelo desejo de apresentar soluções à vida (e cair na armadilha de novos moralismos)”, acrescenta. “Meu interesse é criar brechas (respiradouros de humor em meio aos fechamentos da vida) nas bolhas fechadas do mundo contemporâneo. Trata-se, antes de tudo, de um desabafo público para tentar expurgar as repetições e as variações de nossas dores canalhas.”

Exit mobile version