Clássicos são atemporais, e poucos artistas conseguem ser tão imortais com suas obras quanto o inglês William Shakespeare. Seja com “Henrique V”, “Macbeth”, “Otelo”, poucos autores conseguiram traduzir com tanta precisão a condição humana. “Hamlet”, uma de suas obras mais conhecidas, trata sobre ambição, luta pelo poder, traição, vingança, loucura. Os tormentos do protagonista, o jovem príncipe que descobre de forma trágica todos os podres do Reino da Dinamarca, é o desafio que a Cia. Sala de Giz resolveu encarar em sua primeira montagem de texto clássico, que tem estreia nesta sexta-feira (13), às 20h, no espaço Sala de Giz, e terá apresentações no mesmo horário até domingo (15).
O clássico shakespeariano foi adaptado por Felipe Moratori, que divide a direção com Bruno Quiossa. O elenco é formado por dez atores do núcleo de formação da companhia, em sua segunda experiência no palco; a primeira foi com o texto autoral “Peles para vestir pequenos deuses”. Segundo Felipe, a decisão de levar “Hamlet” para os palcos veio como consequência do trabalho feito com os alunos/atores, que foram os responsáveis por bater o martelo quanto à peça de Shakespeare. “Nós tínhamos o desejo de trabalhar com texto, pois nossa prática de formação com os meninos é muito voltada para o corpo, e foi desejo dos atores que juntássemos as duas perspectivas. A gente continuou partindo do corpo, mas junto com a pesquisa do texto, e entre estes escolheram o ‘Hamlet’, que talvez seja o grande clássico do Shakespeare, que muitos críticos consideram a peça perfeita no sentido da ação dramática e da construção do personagem principal. Topamos então encarar o desafio, mas a partir da perspectiva de trabalho da Sala de Giz.”
A montagem faz parte das atividades do segundo ano da escola de formação, com o processo de criação tendo início no primeiro semestre de 2019, com os treinamentos e escolha do texto. Os primeiros ensaios aconteceram no segundo semestre, mas em meio a todo esse processo ainda houve o desafio de adaptar o texto de Shakespeare para o elenco disponível. De acordo com Felipe Moratori, foram duas etapas: na primeira, ele enxugou cenas e personagens, e depois seguiu-se a adaptação do texto aos atores. O local e a temporalidade continuam como no original.
“O que muito me interessou nessa investigação foi manter o jeito de falar, com o tratamento na segunda pessoa (tu e vós), uma musicalidade na voz que quisemos preservar. Ao mesmo tempo, o perfil físico da turma é bem diferente do que poderíamos pensar para uma montagem dessas; temos muitas mulheres e três atores negros no elenco, sendo que um deles, o Vinicius Lima, interpreta o Hamlet. Também precisamos mudar o gênero de alguns personagens; o Polônio, pai de Ofélia e Laertes (principal antagonista do personagem principal), virou Polônia”, explica. “Nossa proposta foi encarar as potencialidades que o texto oferece sem fazer uma atualização contemporânea, e ao mesmo tempo entender o trabalho dos atores, que eles podem fazer qualquer personagem, uma característica do teatro. O público vai encontrar as características essenciais da dramaturgia, mas o perfil do elenco é bem diferente. Queremos surpreender apresentando esse grupo.”
Felipe também comenta os desafios enfrentados pelo elenco com a montagem. “A nossa escolha principal foi não definir os personagens a princípio, então todos eles experimentaram vários arquétipos que apresentamos a partir do texto, como a dama, o velho, a rainha, o cavalheiro. Foi um trabalho enérgico de postura, expressão vocal, descoberta de gestos”, destaca. “Tínhamos um repertório de formação, e fomos ajustando os atores aos personagens com o passar dos ensaios. Foi uma experiência muita rica.”
Escrita por Shakespeare há mais de cinco séculos, “Hamlet” é dessas obras-primas que sempre voltam de alguma forma. Existem adaptações das mais diferentes formas, seja na televisão, cinema, rádio, e montagens teatrais que podem mudar o local e a época da história, sua linguagem, apostar em toda sorte de “subversões” do clássico do dramaturgo inglês. Um ponto, porém, é imutável: o fato de que a peça sempre vai tratar de temas que não se tornam obsoletos com o passar dos anos, das culturas e civilizações.
“Acho que essa é a força de um clássico, trazer essa atemporalidade nos temas que apresenta. Nas discussões que fizemos na primeira parte do processo, quando líamos o texto, os atores pontuaram isso, que são temas atuais que não precisamos explicitar. Isso vem com muita força na narrativa, mesmo sendo uma metáfora, em especial a luta pelo poder, o golpe político”, diz Moratori.
HAMLET
Sexta-feira (13) a domingo (15), às 20h, no espaço Sala de Giz (Rua Silva Jardim 218 – Centro)