Site icon Tribuna de Minas

Conheça escritores locais e contemporâneos que tiveram obra abordada no PISM

PUBLICIDADE
‘Meu trabalho literário é muito ancorado em observações do cotidiano de forma geral’, considera Guiducci (Foto: Fernando Priamo)

O Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM) foi aplicado para alunos de primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio. Na prova do último domingo (4), que contava com cinco questões objetivas de literatura, foi usado um microconto do escritor W. Del Guiducci para interpretação de texto dos vestibulandos do primeiro ano. Em 2020, também foi utilizado um conto de Raphael Gomes, autor do livro “O animal de estimação”, para questões discursivas dos vestibulandos do segundo ano. Especialista na área aponta que essa iniciativa é uma tendência do PISM em valorizar a produção local e estimular interpretações autônomas dos alunos.

Nos últimos anos, esses dois autores se destacaram por terem suas obras apresentadas junto com cânones da literatura. Por isso, para Raphael Gomes, foi um prazer ver seu texto estimulando tantas reflexões entre os alunos, em questões discursivas que os permitiam elaborar bastante o que interpretaram sobre o texto. “Isso permitiu que um público jovem, e que provavelmente não teria contato com o texto de outra forma, conhecesse um pouco da minha obra e interagisse com ela de uma maneira mais qualificada, porque uma prova exige reflexão, exige uma leitura atenta”, diz. Para ele, foi interessante notar que o livro não foi escrito direcionado para o público mais jovem, mas ainda assim foi explorado de forma que eles pudessem se conectar também. “O importante é ser lido. E ser lido por gente nova é mais legal ainda”, diz.

PUBLICIDADE

Atualmente, Raphael está desenvolvendo um livro voltado para o público jovem e enxerga ainda melhor a diferença que faz ser apresentado e ter esse contato com essa faixa etária através de um vestibular. “Eu vejo que conseguir dialogar com os jovens é a coisa mais importante que um escritor pode fazer. Provocar o pensamento na galera que está em formação, fazer com que eles se interessem pela leitura, tudo isso é sensacional e é um desafio”, diz. Ele ressalta, ainda, que foi a primeira vez que apareceu em um vestibular do tipo e sentiu esse reconhecimento com o seu trabalho.

No caso de Wendell Guiducci, foram três questões sobre o mesmo texto, se aprofundando sobre as possibilidades de entender o objetivo do narrador e as características dos personagens. O autor é também editor e cronista da Tribuna e lançou “Suíte Cemitério”, livro ao qual o microconto pertence, em 2020. O texto escolhido abordava uma cena em que um advogado e um pintor de parede se encaram, revelando os pensamentos dos dois, um sobre o outro. “As histórias surgem de maneiras diversas, o meu trabalho literário é muito ancorado em observações do cotidiano de forma geral”, explica. Para ele, o conto que foi selecionado no PISM inclusive é um exemplo claro desse olhar para cenas comuns. O livro, como um todo, traz esses pequenos relatos que muitas vezes foram escritos em guardanapos ou anotados em cadernos pelo autor.

PUBLICIDADE

Guiducci percebeu que seu conto tinha aparecido no vestibular quando as pessoas começaram a ligar para ele e a mandar mensagem, dizendo que seu texto tinha sido selecionado e estava na prova do filho ou de algum outro familiar. “Fiquei muito feliz, porque é uma espécie de reconhecimento também, já que a prova é elaborada dentro da academia. E, se eles colocaram lá, significa que consideram que o texto tem algum tipo de relevância”, diz. Ele ri de si mesmo, ainda, dizendo que a primeira coisa que pensou foi que poderia ter caído no PISM da filha dele – mas ela estava prestando o segundo ano do vestibular.

A prova trouxe questões elaboradas sobre os diferentes pontos de vista entre os personagens do microconto, o significado de expressões usadas pelo autor e as características que diferem as duas figuras. Sobre a avaliação, Guiducci considera que “as questões foram bem elaboradas e exploram bem a capacidade de interpretação dos estudantes de primeiro ano”. Seus microrrelatos também foram publicados em dois livros didáticos de português, de circulação nacional, inclusive para ensino fundamental. “Fico feliz que o meio educacional se interesse por esses textos. E não apenas por mim, mas pelo gênero minificção de forma geral, cuja natureza me parece muito propícia ao uso didático”, diz.

PUBLICIDADE
Legenda 2: ‘Dialogar com os jovens é a coisa mais importante que um escritor pode fazer”, ressalta Raphael (Foto: Divulgação)

Professora comenta tendência do PISM

A prova do PISM conta com autores selecionados para os estudantes de cada módulo do vestibular. Além disso, exige interpretação de texto dos alunos, o que faz com que qualquer texto literário possa ser abordado. Para Vanessa Lage, professora que fala em nome da equipe de linguagens do Colégio CAVE, a abordagem feita tanto no caso de Raphael Gomes quanto de W. Del Guiducci é coerente com tudo que os alunos aprendem ao longo do ano, e inclusive estimula que eles usem o preparo de forma mais autônoma. “O aluno que se formou como um leitor, usa a teoria e a experiência para pensar sobre o texto. E quando é um autor contemporâneo, que eles ainda não conhecem, isso não acontece de forma decorada”, diz.

Ao usar autores atuais, ela também pensa que o PISM consegue reduzir as distâncias geracionais entre alunos, professores e os indivíduos que elaboram a prova. “São textos que falam de uma realidade próxima da do aluno. Dessa forma, valoriza a cidade, a universidade, as pessoas formadas aqui e que estão nesse circuito de produção cultural”, explica. Para ela, além disso, é uma forma também de fazer com que os estudantes que estão se preparando para a prova fiquem atentos aos autores da cidade e também passem a conhecer muitos deles.

PUBLICIDADE

A professora avalia que, no caso de Gomes, o conto selecionado “era de qualidade incrível”, e isso fez com que as reflexões também tivessem uma profundidade. No caso de Guiducci, ela elogia a escolha, afirmando que o autor é uma pessoa “com relevância para a movimentação da cultura na cidade há pelo menos duas décadas”. Em ambas as provas, é ressaltada a proximidade dos autores com Juiz de Fora. Na primeira, é destacado que se trata de um escritor juiz-forano e, na segunda, de um autor mineiro. Sendo assim, para ela, também se traz a sensação de “pertencimento e reconhecimento” para os alunos.

Para os autores, ela também nota a importância disso. “Nós, como professores, vamos trabalhar essas provas nos anos seguintes no vestibular. E agora temos o dever de apresentar esses escritores também”, esclarece. Além disso, enxerga que muitos alunos passam a se interessar pelos autores a partir desse contato nas provas. “Acredito que muitos alunos vão querer ler os livros na íntegra”, diz.

Conheça mais as obras

“O animal de estimação e outros contos”, de Raphael Gomes, conta com 29 histórias relacionadas com a temática do fantástico e do absurdo. São situações como uma diminuta mulher que habita o guarda-roupa de um homem e ratos crescendo na cabeça de outro, que é perseguido por desconhecidos em uma noite em uma cidade estranha. O livro conta com aventuras cíclicas, personagens que estão enclausurados em situações que não conseguem dominar e até partes com um humor angustiante.

Em “Suíte Cemítério”, W. Del Guiducci selecionou 99 minirelatos dos mais de cem que postava em uma conta no instagram. Eles foram escritos durante o doutorado em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFJF. A obra, em sua visão, traz muito esse olhar para o cotidiano que herdou da sua experiência como cronista. Os estudos, por sua vez, também ajudaram com que ele compreendesse o gênero de minificção de forma ainda mais profunda. A obra faz parte de uma trilogia, sendo que o primeiro livro, “Curto & osso”, de 2016, foi escrito ao longo do mestrado.

 

Exit mobile version