“Voltamos por maluquice mesmo! Vontade de fazer as coisas acontecerem em JF”, declarou Aline Freitas, que, junto a Davi Ferreira, Solléria Menegati, Joelma Smity, Cássio Arbex e ainda Léo Amon, responsável pela parte gráfica, fora todo mundo que emprestou equipamento, comprou a ideia e está fazendo na marra a edição 2017 do Festival aos Berros. Um festival de cinema e música, que é punk em sua essência – pelo modo como foi criado e continua sendo produzido – também visando propagar a estética “do it yourself” e punk que resiste e faz sua arte chegar pelo grito.
Em 2011, o documentário “Aos berros” feito como trabalho de conclusão de curso por Davi, Aline e Jimmy Klaus deu origem ao que se tornou o festival. Junto à exibição do filme narrando a história do movimento punk, em meados dos anos 1980 na cidade, pelos próprios protagonistas, bandas que começavam a surgir provando que o punk não morreu se apresentaram.
“Penso que ser punk é muito mais que um estilo estético. É algo que está na sua alma. Aprendi isso com os personagens do nosso filme que, passado o “boom “do movimento punk na década de 1980, seguiram suas vidas de maneiras diversas sem nunca deixar essa chama, esse incômodo com as merdas da nossa sociedade, se apagar”, relata Aline, cineasta, que trabalha com produção audiovisual independente.
Nos próximos anos, principalmente em 2012, o festival esteve em seu ápice como uma troca de linguagens artísticas, conectando música, cinema, fotografia, produtores de zines e até moda que envolve o movimento punk. As últimas edições já foram em formato pequeno, justamente pela total falta de apoio que recebem.
“Juiz de Fora tem duas particularidades. Tem muito artista, o cenário independente é muito efervescente, com muitas bandas com som autoral e diferente. A cidade tem um potencial artístico muito grande. Por outro lado, tem muita gente careta aqui também, começando pelo próprio empresariado que às vezes não tem a visão de que apoiar os artistas independentes pode gerar um valor a mais à marca, além de valorizar a própria cidade dele”, comenta Davi Ferreira, jornalista, além de vocalista e guitarrista da banda Subefeito.
Cinema de Guerrilha
Aline foi a curadora dos curtas que serão exibidos nas mostras de cinema, divididas em filmes de ficção, experimental, documentário, além da exibição de vídeos musicais de bandas punk. Uma chamada nacional fez com que recebessem filmes do Norte ao Sul do país. Um dos requisitos para a exibição era maneira como foram produzidos – tinham que ter relação com o modo de ser e fazer punk. “Um filme que comunique de alguma forma com a estética punk, não sendo necessariamente um filme sobre punk. Mas que converse com essa realidade, com a questão social que o movimento está inserido e, principalmente, pela maneira como foi produzido”, explica Davi sobre o edital de inscrição.
Isso permitiu que Juiz de Fora recebesse filmes nacionais recentes totalmente alternativos, como “Em torno do Sol”, de Julio Castro e Vlamir Cruz, do Rio Grande do Norte, que, coincidentemente, no mesmo período que estará sendo exibido em Juiz de Fora no sábado, estará sendo visto em Calcutá, na Índia. Uma ficção sobre as intensas interferências solares no planeta Terra e suas consequências. Também será exibido “Autofagia”, de Felipe Soares, de Pernambuco, um filme que aborda a transfobia a partir do encontro de um homem do campo com uma travesti, e todo o ódio e o desejo provocados.
“Mais um tango” é daqui de pertinho. Foi o diretor Fabrício Sereno, de Ubá, ao lado de Braz Campos Durso (Durso BC), que filmou, fotografou, montou e editou, por meio de um roteiro do diretor; conseguiram chocar a cidade – e era exatamente o que pretendiam. O curta de sete minutos funciona como um fragmento de um todo, é bem direto ao ponto e bastante agressivo. “A gente resolveu fazer uma produção na marra, não tivemos apoio quase nenhum, fomos movidos pela vontade de fazer. Como estamos em Ubá, o filme reverberou na cidade como uma linguagem agressiva, foi para quebrar paradigmas de uma cidade pequena e muito conservadora. Assim como a cultura punk vem para quebrar paradigmas, nosso filme também teve essa intenção de colocar o dedo na ferida de todo o discurso preconceituoso”, contou Fabrício, que perdeu um de seus apoiadores por ter um beijo homossexual no filme.
Rasgar o novo
Não tão comum em mostras de cinema independente, uma das categorias é o de cinema experimental. “Experimental é algo que com certeza tem a ver com a estética punk, pela liberdade de conteúdo que aparece junto a essa nomenclatura”, destaca Aline Freitas. Além de “Luzes” e “C’est L’heure”, de dois diretores juiz-foranos, Thaís Corrêa e Paulo Moraes, o curta “Ándale!”, do diretor Petter Baiestorf, de Santa Catarina, também estará na mostra experimental do Aos Berros. Ele é um dos diretores mais transgressores dos curtas-metragens brasileiros, que experimenta e traz à tona temas e cenas que incomodam. “Ándale!” é sobre a necessidade de uma revolução anárquica diante do mundo desigual atual, na intenção de despertar o lado revolucionário de quem assistir e botar para fazer e mudar.
“Do it yourself video”
O documentário “Praça do Skate – A primeira pista da América Latina”, dirigido por Paulo China em Nova Iguaçu, traz essa temática do skate, importante aliado do movimento punk. O filme conta um capítulo que poucos sabem, mostrando como a pista foi responsável por modificar aquele cenário urbano do Rio de Janeiro, criando novos hábitos, estilos, culturas e “formando” skatistas.
“Do it yourself video” é como Bira Silva, vocalista da banda gótica-punk de Juiz de Fora, Poetisa Dissecada, define o vídeo da música “Joel-Peter Witkin”, feito por eles mesmos com a ajuda de amigos da banda. “Não gosto de chamar de videoclipe, o termo parece abarcar uma produção.” Poetisa Dissecada é cheia de referências em personagens obscuros da história das artes – seus integrantes gostam de dialogar suas criações com fotografia, filosofia e cinema. “A ideia foi fazer uma homenagem ao Joel-Peter Witkin, um fotógrafo norte-americano. A arte dele traz um pouco de surrealismo, os modelos dele são cadáveres. Ele foi enviado como fotógrafo para cobrir a Guerra do Vietnã e passou a fotografar os soldados que foram mortos ou se suicidaram. O punk também tem esse preceito de transformar o caos em arte, em música”, explica Bira.
O videoclipe, mesclando imagens da banda no estúdio Rise Together com imagens de arquivos retirados dos documentários “l’image indélébile” e “An Objective Eye” sobre o fotógrafo, será exibido no sábado junto à mostra de cinema.
Além disso, clipes de bandas punk dos próprios produtores do festival serão exibidos na mostra não-competitiva. Ao longo do festival, entre os respiros dos filmes, terá guitarra alta, com poucos acordes e poesia crua sendo gritada. Serão shows de bandas selecionadas pelos organizadores, Consciência Suburbana, de Belo Horizonte, Ramyrez 77, do Rio de Janeiro, Sangues nos Olhos, de Ubá, e ainda três de Juiz de Fora vão se apresenta: Ghoró, NDU e Subefeito.
Festival Aos Berros
Com as bandas Subefeito, NDU, Sangue nos Olhos, Ghoró e Consciência Suburbana. Neste sábado (11), às 16h, no Uthopia (Rua do Contorno 650 – Nova Califórnia)