Ao longo de dez anos, o italiano Fabio Porta foi a voz da América do Sul no parlamento de seu país. Eleito por dois mandatos para o cargo de deputado representando a comunidade sul-americana, o sociólogo formado na Universidade La Sapienza, de Roma, onde Murilo Mendes lecionou por anos, defendeu o que já conhecia a fundo. Desde 1998, divide-se entre a capital italiana e São Paulo, onde dirige e coordena entidades de cooperação internacional nas áreas social e econômica.
Bastante influente na política italiana, foi o agora ex-deputado e atual coordenador do Partido Democrático na América do Sul Porta quem reportou o leilão da Casa D’Italia de Juiz de Fora à vice-ministra dos Assuntos Estrangeiros da República Italiana, Marina Sereni. O encontro aconteceu na última quarta-feira (7), em Roma, onde Porta está atualmente, junto de sua esposa e de suas filhas, aguardando para retornar ao Brasil e de onde conversou, por telefone, com a Tribuna, relatando sua indignação em relação à situação e seu desejo de que o leilão seja impedido.
Como foi a conversa com a vice-ministra?
Foi muito boa de forma geral. Ela tomou conhecimento por mim e não recebeu nenhuma documentação a respeito do que aconteceu. Ela quis saber mais detalhes em relação ao que se passava e, inclusive, já entrou em contato com o departamento que está acompanhando o processo. Ficou o comprometimento da vice-ministra de levantar essa questão a partir do processo e do que está sendo feito junto ao ministério para ver se existe uma possibilidade de suspender o leilão. Me parece que o valor é muito alto e existe a possibilidade de que ninguém se manifeste. O ideal seria abortar o processo.
É possível que tenha sido um gesto arbitrário como defende a associação gestora da Casa D’Itália?
O que passei a ela, e que é uma avaliação da comunidade de Minas Gerais e dos italianos no exterior, é que estamos diante de uma decisão equivocada. O departamento que na Itália determinou essa medida não está considerando as especificidades da Casa D’Italia, não só em termos históricos. Falamos de um prédio que foi adquirido graças à contribuição voluntária dos italianos, e não do Estado italiano. Pelo contrário, foi doado ao Governo para evitar que, naquele período de guerra, fosse sequestrado ou apropriado pelo Governo brasileiro. Falamos de um imóvel tombado, com cláusulas jurídicas que não permitem um leilão como o que está sendo feito. Há elementos que não foram considerados.
“O departamento que na Itália determinou essa medida não está considerando as especificidades da Casa D’Italia, não só em termos históricos”
Por sua experiência no Brasil, como avalia o papel e o trabalho dos espaços dedicados à cultura italiana?
Conheço centenas de casas, escolas e associações. Tive a sorte de conhecer quase todo o Brasil. Temos uma riqueza e um patrimônio extraordinário, e essas estruturas devem ser valorizadas porque são resultado de uma história complicada. E para a Itália são instrumento de fortalecimento da presença, da língua, da cultura. Temos que fazer o contrário do que está sendo feito agora. Temos que valorizar e negociar com essas entidades uma maior italianidade, um vínculo maior com o Estado italiano. O que não posso entender é colocar à venda um pedaço da história somente para recuperar alguns euros que, neste momento, não servem à saída da crise. Inclusive, acho que, para ajudar a Europa a sair dessa crise, temos que favorecer esse tipo de intercâmbio.
Qual é sua relação com o cônsul da Itália em Belo Horizonte, Dario Savarese?
Encontrei somente uma vez, em um evento em Brasília. Li uma declaração dele dizendo que simplesmente cumpriu ordens que recebeu. Por isso procurei diretamente os representantes do Governo. Não sei se as ordens de Roma foram instruídas em Belo Horizonte, pelo Consulado, e pediria, se pudesse e tivesse a oportunidade, esclarecimentos do cônsul. Penso que, mesmo cumprindo ordens, o cônsul deveria ser mais previdente e atento. Antes de colocar o imóvel em leilão, deveria ter questionado e convocado os representantes da comunidade para encontrar uma solução alternativa. Teria sido muito mais fácil resolver de uma forma que fosse boa para todos. Agora não será fácil, porque o processo está em andamento.
“Penso que, mesmo cumprindo ordens, o cônsul deveria ser mais previdente e atento. Antes de colocar o imóvel em leilão, deveria ter questionado e convocado os representantes da comunidade para encontrar uma solução alternativa”
O que resta fazer agora?
Temos que fazer uma pressão na opinião pública, para que essa decisão possa ser revertida, porque é uma decisão errada. Eu mesmo assinei o abaixo assinado que está nas redes sociais e pede ao Governo italiano para mudar de ideia, suspendendo esse leilão. Espero que essa pressão sirva para impedir uma coisa que, no final das contas, não ajuda ninguém. O melhor seria fazer um acordo com a entidade, valorizando tudo o que foi feito ao longo desses anos, para o seguimento dessa casa, e impondo condições claras para que o imóvel seja utilizado para fins culturais, na promoção da língua e da tradição italianas. A história da Casa D’Italia é muito bonita.