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Paraibuna abaixo, de Rafael Coutinho

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Sob a ótica das capivaras, animais mortos em caso envolvendo ex-vereador, Rafael retoma episódio polêmico

– E a senhora não se lembra de mais nada?
Perguntava o investigador.
– Não viu o rosto do sujeito, nada?

Continuava a insistir, mas Potira não conseguia lhe dar atenção. Pensava nas crianças e em como explicar tudo isso. É certo que muitas crianças perdem o pai e continuam a vida normalmente, mas causas naturais são melhores entendidas. Potira não sabia como explicar um assassinato, nem a maldade que existia no mundo. Todas as formas de evitar o ocorrido passavam pela mente de Potira, que não conseguia não se sentir culpada.

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Sua filha Inaiê sonhava todos os dias em morar no centro da cidade, mas a mãe sempre a desencorajara. Já havia até mesmo cortado relações com a prima mais abastada, que morava na Riverside Brazil Avenue e que sempre mandava fotos de sua residência, floreando a imaginação da filha. Já o filho Acir, queria ser famoso, assim como Puã, que também havia saído da periferia para depois se estabelecer em Benjamin’s Bridge, que era, de fato, linda, mas muito frequentada por humanos.

A vida de uma capivara em Juiz de Fora é divida entre Paraibuna acima e Paraibuna abaixo. Você pode escolher entre ser popstar da Bevely Hills das capivaras, passear às margens de um dos três rios – por entre suas academias populares, humanos corredores e curiosos da vida dos roedores – ou morar além da Mata do Krambec, onde as capivaras encontram a tranquilidade do subúrbio, sem flashes dos passantes e a afluência dos esgotos municipais. Potira e o marido acreditaram no segundo projeto, se instalando na represa de Chapéu D’uvas – um paraíso natural, segundo o anúncio imobiliário – e nunca imaginariam o ocorrido.

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– Foi Ondira quem viu, respondeu a recém-viúva ao investigador. Minha única reação foi esconder as crianças, completa Potira.
– E a senhora consegue confirmar a versão da Dona Ondira?
– Dois humanos. Um barco. Três tiros certeiros. Eu vivia falando pra ele não ficar de papo até muito tarde… Mas ele ficava lá com o Cayres e o Ajuri, o marido da Ondira, completa a capivara. Três estrondos, os três caídos, sendo levados…

Potira chora e o investigador sente que já é demais.
– Muito bem, minha senhora. Nossa equipe vai prestar qualquer assistência necessária, dizia o investigador sem muito jeito para consolar.
– Que assistência? Questionava a viúva em prantos. Essa não era a cidade das capivaras?! Indagava Potira enquanto era levada para fora.
– Era, minha senhora. Responde o investigador, para si mesmo. Mas a cidade só existe pra quem tá Rio acima, conclui desmotivado.

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Rafael Coutinho é ator e dramaturgo. Atuou e escreveu “Estação dos passageiros invisíveis” (2014), colaborou na construção de “Floriano: Parte baixa” (2016) e adpatou “Minha morte” (2017). Nasceu, vive e trabalha em Juiz de Fora.

 

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