Apresentar por meio do cinema questões como a diferença de classes sociais e econômicas, o preconceito, gênero, relações entre patrões e empregados não é novidade. Porém, causa interesse descobrir olhares diferentes sobre esses temas a partir de produções de países com pouca expressão cinematográfica, caso da República Dominicana, onde foi filmado o drama “O homem que cuida”, longa que é atração do último dia do Festival Primeiro Plano. Com direção de Alejandro Andújar, o filme será exibido neste sábado (10), às 18h, no Teatro Paschoal Carlos Magno, e antecede o anúncio dos vencedores da edição deste ano.
Ignorando-se o fato de ser uma produção rodada em um país caribenho, ela não traz novidade estética, no roteiro ou representação dos personagens a partir de seus “lugares” dentro do estrato social. A história de Andújar busca deixar isso claro desde o início, e por conta disso não apresenta grandes surpresas em seu desenvolvimento. O filme demora a engrenar em seu início e melhora um pouco quando, aos poucos, os personagens vão assumindo de vez suas “posições” no tabuleiro, ainda que a passividade desta aceitação tire parte de força da história. O grande problema, porém, fica por conta do elenco, com atores pouco expressivos e dos quais pouco se pode extrair em termos dramáticos.
O personagem principal é Juan (Héctor Aníbal): ele cuida da casa de praia de um homem rico e poderoso com tanto esmero como se fosse dele próprio, privando-se até mesmo dos prazeres que poderia desfrutar. O motivo de tanta obsessão é o fato de ter sido abandonado pela esposa, grávida de outro homem, sendo que ele deixou o ofício de pescador e tornou-se caseiro em busca de melhores condições para os dois. Além de manter tudo em ordem, ele passa os dias expulsando os amigos que tentam usar o deque na praia e relutante em pegar suas coisas na antiga casa.
Essa ordem é quebrada com a chegada de Rich (Yasser Michelen), filho do proprietário, que está acompanhado pelo amigo Alex (Héctor Medina), um cubano bon vivant, e Karen (Julietta Rodriguez), moradora das imediações e que eles acabaram de conhecer. A chegada do trio não incomoda Juan apenas pelo fato de alterar seu cotidiano, mas também porque Rich está lá sem a autorização do pai e pede para o caseiro guardar segredo. Afinal, ele viajou até por estar disposto a conquistar sua paixão, Belissa (Paula Ferry), que iria passar alguns dias na localidade.
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Incômodo
Se a princípio “O homem que cuida” parece apenas um filme com jovens ricos curtindo a vida ao custo do trabalho do proletariado, por volta do meio da história passamos a conhecer mais os personagens. Mesmo que ela não tenha nenhum clímax, a trama expõe os questionamentos de patrão versus empregado, ricos e pobres, brancos (Rich, Alex e Belissa) e negros (Juan e Karen) pretendidos pelo diretor. Vale mais uma vez repetir, entretanto, que a passividade com que certos personagens assumem tais posições provoca incômodo, em especial o empregado e a jovem que está ali a reboque da dupla de amigos.
Juna, por exemplo, é o empregado resignado com sua posição, subserviente pois, apesar da obsessão em tentar seguir as orientações do patrão, cede às ordens de seu filho, sem contar a hostilidade com Karen, a quem considera uma “intrusa” por ser da mesma classe social. Rich, por falta de melhor definição, é o verdadeiro otário e filho mimado, que na verdade está à sombra do pai e só tem a amizade de Alex por causa de sua condição financeira. E que desconta suas frustrações em quem, na teoria, não tem como se impor.
Alex, por isso mesmo, pode ser visto como aquele amigo parasita que tanto conhecemos por aí, que tem uma boa vida por colar em figuras fracas, solitárias — mas com dinheiro —, e que na verdade não tem o menor respeito por quem oferece a ele todo o luxo e prazeres que desfruta. Belissa, por sua vez, não parece ter qualquer traço interessante para a história a não ser a beleza e o fato de, mesmo sabendo da paixão de Rich por ela, não se preocupar em tomar atitudes que possam magoá-lo — mesmo que ele mereça, afinal. E Karen é a que sabe estar ali apenas por ter um corpo bonito, mas, para poder conviver em um universo que não é o seu, se sujeita ao lugar indicado a ela.
Apesar de não apresentar nada de novo em sua história, e do elenco fraco, “O homem que cuida” tem qualidades suficientes para que o público confira a coprodução entre República Dominicana e Brasil. Mesmo que seja pela curiosidade de conhecer a cinematografia de um país sem tradição na sétima arte.
“O homem que cuida”
Neste sábado (10), às 18h, no Teatro Paschoal Carlos Magno (Rua Gilberto de Alencar s/n). Em seguida, ocorre o anúncio dos vencedores da edição deste ano do Festival Primeiro Plano