José Roberto Kelmer é brasileiro, nascido em Juiz de Fora, há 62 anos. Bisneto de austríacos, ele carrega no corpo as histórias que não viveu. Cabelos, pele e olhos claros denunciam os laços germânicos que ele nunca quis desfazer. Com seu copo de chope na mão, o vendedor aposentado circula pelas ruas da 20ª Deutsches Fest, a festa alemã, que acontece até domingo no Bairro Borboleta, na Cidade Alta. Resistindo ao frio das noites de setembro, o homem que adora comer chucrute, salada de batatas e não recusa uma cervejinha, observa o lugar com olhar saudoso, recordando o tempo em que o pai, José Emílio Kelmer, era presidente do Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly, entidade fundada em 1967. “Antigamente, a festa era menor, era só um festival de chope. Ainda assim, meu pai, na época, trouxe até cônsul da Alemanha”, lembra.
Mesmo não falando alemão – “Meu pai falava, mas eu não. É muito difícil”, explica -, José Roberto faz questão de preservar os hábitos trazidos do além-mar. Toda a família interage, os irmãos e os filhos. Se não gostassem, seriam obrigados. “A festa está dentro de casa”, brinca, apontando sua residência, bem atrás das barracas de artesanato. “Sair de casa com movimento é difícil, mas a gente acostuma”, diz ele, entre um gole no chope e um sorriso no rosto. O que importa é não deixar no silêncio a honrosa trajetória de imigrantes alemães que desembarcaram na pequena Juiz de Fora para contribuir na construção da modernizada estrada União e Indústria, nos anos de 1850.
Eliana Silveira, 45 anos, não tem mais o sobrenome Glanzmann da avó, mas não deixa que a filha Micaele, 19, se distancie de alguns costumes herdados, como o café da tarde, sempre servido à mesa, religiosamente às 16h. Vestida em um traje típico alemão, Eliana integra um dos grupos de dança Schmetterling, formado, em sua maioria, por pais que decidiram, enquanto aguardavam as aulas dos filhos, também praticar a dança germânica. Há oito anos, ela e o marido – que segundo diz, “entrou na cota dos não alemães” – adaptam a agenda para manter os vínculos com os muitos vizinhos que também se orgulham da descendência que têm.
“A festa acontece o ano todo, sempre nos reunimos”, conta ela, que mora ao lado da última barraca, que leva o sobrenome de sua família. “Aqui no bairro, a gente é um pouco parente, conheço, até, primos da oitava geração”, ressalta, enquanto observa a apresentação do grupo de dança infantil, coordenado pela filha Micaela. Os pequenos, entre 3 e 6 anos, dançam canções folclóricas como “Robinson”, diante de um público com chope nas mãos, envoltos nos muitos cheiros, como o do inconfundível salsichão, que João Paulo Agostinho, 37, grelha na chapa da barraca da família Layer, a mais antiga da festa. Com mais de 20 anos de experiência à frente do restaurante provisório que vende os quitutes feitos pelo clã, ele divide o espaço com os irmãos, a esposa e a pequena filha, de apenas 1 ano, o futuro da celebração.
Tradição com mais conforto
Em tons de amarelo, preto e vermelho – cores do time campeão da Copa do Mundo desse ano -, as barracas de culinária típica germânica, que se distribuem nos arredores da Igreja São Vicente de Paulo, servem desde o strudel (sobremesa tradicional austríaca de maçã) até joelho de porco e chucrute. Para injetar inovação e certa disputa entre as barracas, cada uma com um nome de um clã tradicional, a festa desse ano realiza um concurso do melhor prato elaborado com ingredientes da culinária alemã. Tem lugar, também, para provas bem humoradas, como a corrida de tora e arremesso de tora. Para os comilões, ao longo dessa semana, serão feitas as eliminatórias do campeonato de quem come mais salsichão, cuja final será no domingo, mesmo dia em que será conhecido o ganhador do concurso de chope, o mais rápido a beber uma gigante tulipa sem deixar nenhuma gota cair no chão.
Na sexta e no sábado, às 23h, e no domingo, às 13h e às 21h, o evento recebe a banda Bauernband, de Petrópolis, que executa canções folclóricas alemãs, além de grupos de dança locais e da serra fluminense. “A duras penas, conseguimos resgatar a cultura de nossos antepassados. A nossa comunidade é diferente. Os hábitos passaram de pai para filho, e isso é muito bonito”, comenta Viumar Dos Reis Duque, diretor da Associação Cultural e Recreativa Brasil-Alemanha, entidade que desde 1995 organiza a festa. De acordo com ele, após duas décadas, o evento ganhou força e reconhecimento na cidade. “Ao longo dos anos, conseguimos ir mudando a estrutura física, oferecendo mais conforto”, diz, apontando para as grandes tendas, que, esse ano, protegem o público das chuvas. Durante a semana, as barracas começam a funcionar às18h, no sábado e no domingo, a partir das 10h.