Num momento em que muitos se questionam se terão que trabalhar até morrer por amor ao ofício ou pela mais dramática falta de opção, Erasmo Carlos, 78 anos intensamente vividos, deixa claro que continua feliz enquanto estiver fazendo o que mais gosta: estar nos palcos. É o que acontece neste domingo (11), às 17h (abertura da casa), no Cultural, onde o cantor e compositor carioca e ícone da Jovem Guarda se apresenta com sua banda. O show faz parte da turnê de seu mais recente trabalho, o elogiado “Amor é isso”, lançado em 2018.
“Faço o que gosto e amo, o que já é uma vantagem”, afirma. “É um momento de felicidade, ao ver o carinho com que sou recebido em todos os lugares que vou, é incrível isso. Ver as músicas que fiz na minha intimidade serem conhecidas e cantadas por todos me faz uma pessoa privilegiada e grata por alcançar o coração das pessoas. Tudo graças à música, que é uma coisa divina, que chega ao coração das pessoas. É assim (no palco) que vejo quantas mudanças de vida ajudei; as próprias pessoas me contam isso.”
Apesar de uma carreira que teve início ainda no final dos anos 1950, Erasmo pretende continuar com este show em particular por um bom tempo. “O conceito dele é o amor, por isso mesmo não é esforço nenhum pra mim. Sou um cara que só sente amor; não sinto ódio, inveja, esses sentimentos não fazem parte do menu da minha vida. Espalho amor por onde ando. Amor é a coisa que rege o mundo, a arma mais poderosa do mundo. Veja bem, tem pessoas que amaram muito, outras que estão amando e aquelas que vão amar ainda. Amor é vida, bicho.”
Apesar de sempre reafirmar a felicidade de estar nos palcos fazendo o que gosta, Erasmo também é um sujeito “de casa”, que gosta de estar com a esposa, acompanhado pelos filhos e netos sempre que possível. “Gosto da minha vida de casa, acompanho séries com minha esposa, mas estou defasado com algumas, como ‘The Walking Dead'”, diz e se declara fã de “Game of Thrones” e feliz com o desfecho da trama – ao contrário de muitos. “Eu gostei, não ficou água com açúcar. Muitas pessoas não gostaram porque não teve aquele final feliz, aí veio aquele choque.”
Seguindo o fluxo
“Amor é isso” foi o primeiro álbum depois de uma trilogia centrada no rock and roll, em que Erasmo não apenas experimentou uma guinada a um pop que lembra a década de 1970. Ele explica que essa mudança não foi planejada nem fruto de um desejo de partir para novos desafios. Foi apenas questão de deixar a correnteza levar. “Eu vou no fluxo, bicho, mas revisitando coisas da vida, lacunas. Lembro do passado, assim como também tenho o anseio de profetizar coisas. Todo compositor sonha com isso, que daqui a alguns anos alguém vai dizer ‘bem que fulano disso isso no passado'”, filosofa. “Há o fascínio do criador de ter essas maluquices, aí você procura ideias, temas, vai seguindo a vida assim.”
Muito disso, acredita, vem da sua preocupação de não ser um compositor de “uma nota só” quando o assunto é o que cantar. “Eu sou muito versátil de assuntos. Procuro ser antenado, saber de tudo; posso não me aprofundar nas notícias, mas sei as manchetes. Também quero dar minhas opiniões, projetar meus sonhos, criar minhas histórias. Por isso minha música é assim, pois falo do dia a dia, do que acontece comigo ou outra pessoa, as notícias, um livro que leio, casos que me contam. Eu vivo da inspiração alheia.”
O ‘pai do rock em português’? ‘Não, obrigado’
No Dia Mundial do Rock (13 de julho), ele se apresentou em Niterói. Sobre esse reconhecimento, que ultrapassa os limites do rock e chega à MPB e outros estilos, o cantor e compositor se diz envaidecido. “Afinal, não é uma coisa só, são 600 músicas que compus, foram muitos sucessos. Dei muita sorte de ter tido muito sucesso, o Roberto Carlos como parceiro, tudo isso contribuiu para essa reverência. Mas hoje eu acho que aprendo mais que ensino.”
Aproveitando que o assunto é reverência, o artista abre mão do título de “pai de rock brasileiro” dado por Rita Lee anos atrás. “É carinho das pessoas isso. Essas coisas de ‘rei’, ‘pai’, é demonstração de carinho por parte das pessoas. E isso dá confusão, ficar discutindo quem é o ‘rei’, o ‘pai’… Tem gente que acha que é o Raul Seixas, outros dizem que é outra pessoa… A Rita mesmo dizia que era a ‘madrasta má’ do rock brasileiro. Eu acho que sou um compositor que sempre se preocupou em fazer rock em português, fui um dos pioneiros; o meu orgulho é esse. Até gosto se disserem que sou ‘o pai do rock em português’, mas não faço questão disso.”
‘Um bando de caras vivendo minha vida’
A carreira artística de Erasmo Carlos vai bem além dos álbuns que lançou. Além de livros publicados, entre outros trabalhos, o cantor e compositor já havia se enveredado pelo cinema na década de 1960, incluindo os filmes ao lado de Roberto Carlos e Wanderlea. E o artista poderá ser visto mais uma vez em breve em “Modo avião”, produção da Netflix em que atuou ao lado da atriz Larissa Manuela. Ele encerrou sua parte nas gravações, que aconteceram na cidade paulista de São Bento do Sapucaí.
“É o seguimento do meu trabalho, fazer cinema, teatro, palestra. Eu interpreto o avô da personagem da Larissa, que é viciada em celulares. Os pais se preocupam pelo exagero e a mandam para o sítio do avô para aprender novos valores, ter uma vida mais discreta. Foi muito legal, mesmo com muito frio.”
Mas Erasmo também passou recentemente pela experiência de não ser o intérprete, mas o interpretado. “Minha fama de mau”, cinebiografia do cantor, foi lançada ano passado com Chay Suede assumindo a persona do Tremendão na tela grande; e esta semana houve o lançamento de “Simonal”, sobre a vida de Wilson Simonal, em que ele é interpretado por João Sabiá.
“‘Minha fama de mau’ foi uma maravilha, uma experiência engraçada. O Chay Suede fez um Erasmo muito legal, é um ator muito bom. Fiquei muito feliz com a recomposição dele. Para mim, foi um bando de caras vivendo minha vida, a sensação foi de ter caras diferentes vivendo a mesma história.”
Erasmo Carlos
Neste domingo (11), às 17h (abertura da casa), no Cultural (Avenida Deusdedit Salgado 3.955). 3231-3388