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Tropeço Trio lança disco reunindo música e o som ao redor

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Tropeço Trio é formado por Nathan Itaborahy, Douglas Poerner e Renato da Lapa, que realmente assassinaram suas carteiras assinadas. (Foto: Júlia Fregadolli/Divulgação)

Ouve só esse passarinho que voa aqui perto, esse ônibus que passa, o falatório das gentes nas ruas, o comentário de Seu Lênio, as crianças brincando, a buzina gritando. Como se tropeçasse na rua, no mato e na casa, o Tropeço Trio faz música onde ela está: em tudo. “O assassinato da carteira assinada” é o primeiro disco do grupo formado por Douglas Poerner (baixo), Nathan Itaborahy (bateria e voz) e Renato da Lapa (violão, guitarra e voz). Das sete faixas, apenas a bela “Cheiro de chuva” (de Tiago Bustamante Teixeira) não conta com a assinatura de ao menos um dos integrantes. São músicos e poetas, mesmo na instrumental “Roça”, de Douglas. São cancioneiros, desses que compreende a canção nas frestas do cotidiano mais trivial. “A música está presente em todos os momentos. Da buzina do carro ao barulho da vassoura do vizinho de cima. A parte legal é tentar colocar isso tudo em um contexto, fazer soar musical. No disco, a gente usou uma gravação da Rua São Mateus no fundo da segunda faixa, e ficou ótimo. É exatamente a sensação que a canção passa. Parece que você está passeando em alguma rua movimentada, assobiando e estalando os dedos em cima do som da cidade”, comenta Douglas.

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Sobretudo despretensioso, o disco com lançamento neste sábado, 11, às 16h, n’O Andar de Baixo, exalta os encontros, que geralmente ocorrem na casa de Nathan, no prédio que estampa a capa do álbum cujo projeto gráfico conta com ilustrações e sensíveis bordados de Lívia Almeida. “Quando a gente se junta para cozinhar, por exemplo, sinto que existe ali uma coisa meio camponesa, um espírito coletivo que resiste ao individualismo mercantil da cidade, uma vontade de compartilhar as coisas. E por incrível que pareça muita das vezes a gente faz isso no meu apartamento, bem no centro da cidade, afetados pelo barulho do trânsito e pelo ‘aperto do apartamento’, como diz ‘Caostrofobia”, faixa que abre o disco”, pontua Nathan. “Estamos na cidade, tocamos por aqui, construímos aqui nossas relações, mas ainda assim compactuamos de um certo romantismo da cachoeira, do mato, da roça. É uma mineirice ancestral; uma simplicidade riponga que, às vezes, até deixa a gente meio sem lugar na cidade”, completa. “A cidade sufoca. O campo, a cachoeira, as montanhas mineiras estão aí para lembrar quem a gente é, de que somos feitos e para que estamos aqui”, reflete Renato.

De fora para dentro e de dentro para fora, o Tropeço fricciona as intimidades tanto ao cantar “meu novo endereço é o vendaval” (de “O salto”, música de Nathan e Renato com Rogério Arantes) quanto ao entoar “Suingue da rua, batuca o corpo” (de “Cine-vida”, assinada por Nathan e Tiago). “Tocamos juntos em vários outros projetos, incluindo a Blend 87. E o Tropeço surgiu na hora da cervejinha em casa, do jiló com linguiça, no intervalo de outros trabalhos. É fruto mesmo desse momento em que a gente mostra a música inacabada para o amigo e deixa ele interferir. Traz, por isso, toda uma carga de despretensão desses encontros que sem querer, num tropeço, vira estética. É como se a gente pudesse transformar nosso lado mais espontâneo e natural em um projeto, em som”, define Nathan. “Como dizia Belchior, ‘o meu delírio é a experiência com coisas reais’. Tudo acontece no dia-a-dia, é necessário viver intensamente os dias e observar e absorver tudo o que acontece, tudo o que nos cerca e nos envolve. Com toda a informação externa, ainda existe todo o ruído interno, as aflições e conflitos. E nessa bagunça ainda achamos tempo e modo para criar, tocar, amar e mudar”, acrescenta Renato.

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Leve e despretensioso, som do Tropeço Trio encontra ruídos das ruas de Juiz de Fora em disco de estreia. (Foto: Júlia Fregadolli/Divulgação)

Profissão: artista

“O assassinato da carteira assinada” é título do novo álbum e também discurso afirmativo, além de bandeira hasteada numa cidade que deixa ao fazer cultural o gesto da resistência a despeito de seu histórico e presente artístico. “Assassinamos! Levamos o projeto a cabo. Nós três temos mais ou menos a mesma idade – 30 e poucos – e vivemos na mesma época essa coisa de fazer faculdade, entrar no mercado de trabalho, virar adulto… e junto com isso uma certa mecanização da vida, repressão da criatividade, falta de tempo, essas questões todas. Um dia fizemos uma canção chamada ‘Mal se tem um tempo pra canção’, gravada no CD da Blend 87, que tinha um verso que acabou virando mantra do grupo e dos nossos amigos próximos: “ainda hei de assassinar minha carteira assinada”. Cada um a seu tempo, aos poucos, assassinamos a carteira assinada para viver de música”, conta Nathan Itaborahy, pontuando ser o disco, a concretização dessa independência. “Muita gente nesse mundo vive infeliz e sacrifica a liberdade dos dias e do tempo fazendo coisas que não gostam. O tropeço trio viveu esse assassinato intensamente, uma vez que a concepção do disco aconteceu nesse período de libertação e escolha”, diz Renato da Lapa, farmacêutico por formação e recém-saído da indústria cervejeira onde passou seus últimos quatro anos. “Acabei guardando a carteira lá no fundo da gaveta”, brinca Douglas Poerner, que nunca perdeu a música de vista, até que em 2014 resolveu fazer dela seu ofício principal.

Do samba ao rock, passando pela moda de viola, o som do Tropeço Trio bebe no colorido dos anos 1960 e 1970 e dialoga com a contemporaneidade de grupos como O Terno e Boogarins. Estão no entre-lugar da atualidade. “Não consigo achar um lugar muito certo. A gente costuma colocar nas músicas aquilo que gente sente. E por acabar escutando de tudo, tem dia que sai samba, tem dia que sai rock”, afirma Douglas Poerner. Os três artistas fogem de rótulos musicais, mas não da força das palavras. “A palavra é o pacote semântico da música. A música em si carrega sentimentos, texturas e lições, mas a palavra corta e acessa. A palavra é universal, nem todo mundo entende a música, o solo de guitarra ou bateria, mas a palavra chega”, derrama-se Renato, sob a concordância de Douglas e também do poeta Nathan, autor de “Devaneios necessários”. “Sou daqueles caras que acorda com um verso na cabeça, que fica feliz quando encontra uma rima boa, que esgarça uma palavra até encontrar várias possibilidades sonoras e semânticas dela”, brinca Nathan.

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TROPEÇO TRIO

Lançamento do disco “O assassinato da carteira assinada” neste sábado, às 16h, n’O Andar de Baixo (Rua Floriano Peixoto 37 – 2º andar – Centro).

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