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Outras ideias com Luiz Geraldo Rocha

Entre os clientes de Luiz estão pessoas de tamanhos especiais

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Entre os clientes de Luiz então pessoas de tamanhos especiais

O espaço de hoje revela o lugar que, socialmente, lhe foi imposto. Mostra também o fôlego, já não muito longo, de um trabalho que beira a resistência. No quarto de cerca de 4 x 2 metros, em sua casa, Luiz Geraldo Rocha preserva dois manequins, um balcão para corte e arremate, quatro máquinas de costura (uma é da esposa) e uma máquina Overlock. No lugar também está uma inusitada régua, com um lado reto e o outro curvo, bem como uma pequena caixa de giz com algumas lâminas na parte de cima, para afiar o instrumento de desenho. Aos 80 anos, com os passos mais lentos e os óculos onipresentes, o alfaiate não aposentou a agulha e o dedal. Mas os dias são outros.

Um dos mais antigos profissionais em atividade em Juiz de Fora, Luiz Geraldo não conheceu o auge da industrialização na cidade, mas chegou a tempo de encontrar um Centro repleto de alfaiatarias. Na cidade reconhecida por suas fábricas de tecido, ele desembarcou com quase 25 anos, vindo de Rio Novo, na Zona da Mata mineira. Prestes a completar 11 anos, ele foi convencido pela mãe, que criava sozinha os quatro filhos bordando, de que era necessário investir em um ofício. “No primeiro dia de trabalho, fiquei o dia inteiro enfiando agulha no pano, com o dedo amarrado, sem linha”, recorda-se ele. Em três meses, o garoto já arrematava e, aos 14, conseguia fazer integralmente um paletó. Do primeiro ateliê em que empregou-se, lembra que “era uma casa com dez portas, e fazendeiros de tudo quanto é lado iam fazer ternos”. “Quem me ensinou era muito caprichoso, mas eu só aprendi a cortar com o contramestre do alfaiate”, diz, demonstrando o universo complexo da profissão.

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Onde hoje estão lojas multimarcas, com roupas produzidas em larga escala, no passado estavam esse comércio que mais se aproxima da arte do que do consumo. A cidade das galerias acolhia os profissionais e suas tesouras. “Juiz de Fora era um celeiro de alfaiates, tinha grandes alfaiatarias, como a Zanzoni, a Londrina, a Primor, profissionais como Vicente Rosa, e o Damiance, um italiano inteligente, adiantado de sua época”, comenta ele, que começou sua trajetória pelas bandas de cá, trabalhando no ateliê Damiance & Magalhães, na galeria do Edifício Sedan. “No fim do ano, o ateliê entregava mais de 80 ternos, fora as calças, porque todo terno tem uma calça, e o Damiance tinha um calceiro em casa e nove oficiais”, conta. Logo em seguida, com a cisão da sociedade, seguiu com Magalhães (na Galeria Central, atual Epaminondas Braga), onde fazia a função de provador, aquele que faz o paletó até o ponto para ser provado.

Quando os pagamentos começaram a atrasar, tomou a iniciativa de abrir seu próprio ateliê. “Comprei um balcão, um manequim e um suporte de espelho sem o espelho. Um alfaiate que estava fechando o negócio para montar uma fábrica me vendeu tudo. As máquinas, eu tinha comprado em Rio Novo, no lugar que já havia trabalhado.” E lá foi ele para uma loja na Galeria Hallack, onde permaneceu por seis anos. Em seguida, mudou-se para a Galeria Salzer, e por lá ficou mais 24 anos. “Tinha vitrines, muita fazenda, era uma das mais bonitas da galeria”, lembra. Passado esse período áureo, mudou-se para o Edifício Clube Juiz de Fora e de lá foi para o atual endereço: O artista dos ternos hoje mora e trabalha na Rua dos Artistas, no Morro da Glória. Mas os tempos gloriosos mesmo foram aqueles nos quais virou noite costurando. “Quando comecei, eram muitos. A concorrência era grande. E não tinha a confecção e essas roupas baratas, que são descartáveis. Existe roupa pronta boa, mas é tudo igual, porque é tudo cortada pelo peito e só difere no comprimento. A roupa feita pelo alfaiate é personalizada”, diz.

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Vestido com uma camisa rosa claro, quase branca, resolvo perguntar se foi ele quem fez a peça. “Prefiro comprar pronta, existem camisas muito boas”, afirma. Mas terno, não! E ele também não fazia calça, apenas paletós. O calceiro, que fazia todas as calças de seus ternos, morreu há poucos meses, e sua esposa, também costureira, ajuda-o no desafio de fazer as peças, que demoram quase uma semana para ficarem prontas. “Corto, passo ‘overlock’, corto e entrego os aviamentos para ela. Depois arremato e passo. É difícil, meus oficiais morreram todos, inclusive esse calceiro. Minha profissão está em extinção”, lamenta. Pretende parar, seu Luiz? “Enquanto eu tiver vista e raciocínio…”. A resignação, que eu desejava descobrir, ele disse estar no fato de ser médium: “Atendia num centro, hoje atendo apenas de 15 em 15 dias, em casa. Dou passes, conselhos. Eu, não. As entidades. Sou só um instrumento”, diz. Entre linhas, tecidos, ternos já prontos, fitas métricas e agulhas, o alfaiate ainda encontra o fio da meada.

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