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A volta do justiceiro implacável

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Bruce Willis interpreta o icônico Paul Kersey, pacato cidadão em busca de vingança, no remake dirigido por Eli Roth (Foto: Divulgação)

Mais do que analisar seus aspectos artísticos, técnicos, é preciso pensar se o mundo de hoje precisa de um novo “Desejo de matar”. O longa que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (10) com direção de Eli Roth e Bruce Willis como protagonista é o remake de uma franquia iniciada nos anos 70, quando a vida, a sociedade eram bem diferentes e era mais que normal que se defendesse a ideia de que a violência só teria fim com mais violência. Nos dias atuais, em que se discute — principalmente nos Estados Unidos — a questão do porte de armas pelos cidadão, a violência policial, racismo, demofobia, ver na tela grande um sujeito que manda bala na bandidagem porque considera a vingança redenção vai causar polêmica, e muita. Não à toa, o primeiro trailer exibido nos cinemas recebeu uma saraivada de críticas, sendo taxado de fascista, racista e “fanfic da extrema direita”.

Para entender o auê, só revisitando o passado, e a partir daí cada um que tire suas conclusões. O primeiro “Desejo de matar” foi lançado em 1974 e adaptava para o cinema o livro homônimo, escrito pelo americano Brian Garfield depois de ter sofrido um assalto. O longa dirigido por Michael Winner tinha o implacável Charles Bronson, acostumado a interpretar sujeitos durões, como o arquiteto nova-iorquino Paul Kersey, que levava uma vida pacata ao lado da esposa e filha. Apesar de ser bom no tiro, sempre foi da paz, pelo menos até saber que sua mulher foi morta e a filha estuprada por criminosos. Ele começa então a agir como um vigilante urbano, que andava pelas ruas de Nova York matando qualquer bandido que aparecesse na sua frente. Apesar de o livro condenar o vigilantismo, o filme preferiu tratar de forma positiva a justiça com as próprias mãos.

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O filme fez muito sucesso na época e tornou Charles Bronson, sujeito de olhar frio, expressão facial quase zero, um ícone do cinema policial, tanto que “Desejo de matar” teve quatro continuações. As cinco produções da franquia eram presença constante na televisão, especialmente no “Domingo maior” e “Corujão” da Rede Globo, e eram sensação quando chegavam às locadoras — era uma outra época, não custa lembrar.

Os costumes eram diferentes, a ideia de “bandido bom é bandido morto” não era tão criticada, e além do mais “Desejo de matar” era entretenimento, e o público queria mais era ver Charles Bronson matando a bandidagem como se o filme fosse um videogame da vida real. Não custa lembrar, parte dois, que a franquia se tornou ainda mais popular com os anos 80, período áureo de longas de ação, violência e assassinatos generalizados estrelados por Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e até mesmo Bruce Willis.

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Nada mudou?

Mas o tempo passou, a sociedade mudou, a questão da violência passou a ser discutida de outra forma e a turma dos direitos humanos está aí para ajudar o mundo a se tornar menos selvagem, por isso causa estranheza um novo “Desejo de matar”. A única razão (razoavelmente) plausível é a incansável fome de Hollywood por repaginar antigas franquias para as novas audiências, mas é bizarro que o longa não atualize a essência psicológica, social, até mesmo racial, da história em relação aos novos tempos, sem contar que a cruzada de vingança do protagonista muitas vezes beira o sadismo.

Chega a ser irônico, até, escolherem como protagonista Bruce Willis, sujeito que alcançou a fama com uma franquia chamada… “Duro de matar”. Ele interpreta a nova versão de Paul Kersey, agora um cirurgião que vive com a esposa Lucy (Elisabeth Shue) e a filha Jordan (Camila Morrone) em Chicago, e formam a tradicional família de classe média que vive num universo típico de novela do Manoel Carlos. Só que tudo muda para muito pior numa noite em que Kersey está no trabalho e a casa da família é invadida por criminosos. As duas são baleadas, Jordan fica em coma e Lucy morre.

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Transtornado pela tragédia, o médico inicialmente dá uma chance à polícia de encontrar os autores do crime. Quando percebe que isso não vai acontecer, ele — apesar de ter experiência quase nenhuma com armas — inicia uma jornada de vingança contra os criminosos de Chicago, não importando quais sejam os delitos. Apesar do sadismo de algumas execuções, o “Anjo da Morte de Chicago” é visto com simpatia por parte da população.

Ao não atualizar a história, Eli Roth pode ter perdido uma grande oportunidade de discutir temas tão importantes para a sociedade, que ganharam novos contornos com o passar dos anos. Se “Desejo de matar” for apenas mais um dos longas do diretor preocupados em chocar com sua violência gráfica, uma excelente chance de analisar a sociedade contemporânea por meio da sétima arte terá se perdido — e fará a alegria apenas dos defensores do “olho por olho, dente por dente” e dos métodos policiais mostrados em longas como “Tropa de Elite”.

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Desejo de Matar
UCI 2 (dublado): 14h. UCI 5 (legendado): 16h40, 21h30

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