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Por que a preferência pelos filmes dublados nos cinemas de JF

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Um dos filmes mais aguardados pelos brasileiros em 1986, ‘Rocky IV’ chegou apenas com cópias legendadas aos cinemas (Foto: Divulgação)

Frequentar cinemas, definitivamente, não é mais como antigamente – e põe antigamente nisso. Por exemplo, se pensarmos em como era há 30 anos. Os cinemas de rua ainda eram a maioria, muitas vezes com capacidade acima dos mil lugares, e mesmo assim era normal ter que aguardar duas horas numa fila para comprar ingresso e conseguir um bom lugar. E o padrão era a exibição com áudio original e legendas das produções estrangeiras – pelo menos as de live-action, ficando a dublagem para os desenhos animados.

Filmes dublados, todavia, não tinham a competição “estrangeira” na TV, hábito que se enraizou no público brasileiro por conta de um decreto ancestral do ex-presidente Jânio Quadros que determinou que toda exibição de produção estrangeira deveria ser dublada, para assim promover o acesso a toda a população. A “versão brasileira” nos cinemas, porém, esbarrava principalmente nos custos de se ter duas cópias do mesmo filme, o que aumentaria os custos.

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Mas foi essa cultura da dublagem na telinha que ajudou a virar o jogo com o passar dos anos e o avanço das tecnologias. A popularização do DVD, por exemplo, com a opção do áudio em português, foi um dos fatores; a digitalização da rede exibidora de cinemas, que não exige mais uma cópia física, foi outra; a melhora no nível da dublagem local, que já era considerada uma das melhores do mundo, é outro ponto a ser considerado; e até mesmo a melhora na renda média da população, com a maior frequência das classes C e D na sala escura. Tudo isso faz com que a maior parte das cópias e sessões nos cinemas do Brasil, hoje, seja dublada, com o áudio original e legendas representando uma fatia menor de faturamento – e um debate que provavelmente jamais terá fim sobre qual dos dois formatos é o melhor.

Longa que pertence à mesma franquia, ‘Creed 2’ permanece em cartaz em Juiz de Fora com áudio original e dublado (Foto: Divulgação)

A mudança dessa cultura pode ser conferida em Juiz de Fora. Basta dar uma olhada na programação de cinemas aqui no site da Tribuna e conferir: neste domingo, as 18 salas de cinema da cidade oferecem 64 sessões, excetuando-se as transmissões do Ballet Bolshoi e do show da banda de K-pop BTS. Excluindo as 11 sessões de “Minha vida em Marte”, produção nacional, restam 53 horários com filmes estrangeiros, e aí a diferença é gritante, com nada menos que 45 opções dubladas e apenas oito legendadas. Mesmo que descontemos as 29 sessões com as animações (“Uma aventura Lego 2”, “Como treinar seu dragão 3”, “WiFi Ralph” e “Homem-Aranha no Aranhaverso”), tradicionalmente dubladas, a proporção ainda é de dois filmes dublados para um legendado: 16 sessões contra oito, respectivamente.

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Essa média está de acordo com a tendência mostrada por algumas pesquisas de opinião e levantamento de público feitas desde a década passada. Uma pesquisa divulgada pelo portal Filme B em 2015 indicava que seis entre dez brasileiros preferiam na época os dublados sobre legendados, com 59% dos mais de 157 milhões de ingressos vendidos naquele ano indo para as exibições com dublagem.

Tendência que reduz opções

A mudança no paradigma, entretanto, é questão que provoca polêmica há alguns anos, com o debate apontando argumentos de ambos os lados para justificar suas preferências. Társis Salvatore, do blog Papo de Quadrinho, é ávido consumidor de cultura pop e, por isso, tem no cinema e seriados dois de seus passatempos preferidos. Ele faz parte do time que prefere o áudio original em produções com atores de carne e osso, mas que não faz questão do mesmo quando o assunto são as animações. Um dos motivos para preferir o legendado é a possibilidade de ouvir a verdadeira voz dos atores. “Agora que entendo inglês, me concentro mais na atuação do que em ler as legendas”, explica. “Mas mesmo em filmes em outro idioma (alemão, árabe, coreano) eu prefiro a voz original. Faz parte do trabalho do ator: sotaque, entonação… a dublagem brasileira, mesmo sendo uma das melhores do mundo, encobre isso.”

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Apesar de entender a preferência do público e a necessidade do mercado exibidor, Társis não deixa de se incomodar com os transtornos provocados pela tendência que se tornou padrão, uma vez que os filmes legendados muitas vezes ficam relegados a horários que dificultam o espectador a assistir ao filme que tanto aguardava. “Acho péssimo. Tira a liberdade de escolha. Tem que ver o filme no único horário legendado. Não sou contra cópias dubladas, mas acho um absurdo não ter escolha. E não é só o Brasil: na Alemanha, por exemplo, se faz a mesma coisa. É duro achar um filme legendado lá. Entendo que no caso dos desenhos animados o público alvo são as crianças, mas nos filmes adultos é arbitrário.”

A nova versão de ‘Star Trek’, lançada em 2009, já oferecia as duas opções para o público (Foto: Divulgação)

 

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Gerente geral do grupo CineMinas, que em Juiz de Fora tem duas salas no Santa Cruz Shopping, Fernando Costa Junior diz que já há alguns anos as exibições da rede na cidade são 100% com cópias dubladas, exceção feita a situações muito particulares, como na ocasião em que foi exibido um filme francês que não contava com a versão brasileira.

“No nosso caso, foi pela procura mesmo pelos filmes dublados, estamos localizados em um shopping popular. Temos visto a preferência dos jovens por esse formato, ainda mais por conta do nível da dublagem. Mas isso também vale para os adultos, por ser mais fácil não ter que ler as legendas”, diz. “Quando estou na entrada das salas, vejo que o pessoal prefere sempre o dublado, e muitos que preferem o Santa Cruz é por este motivo. Quando abrimos a exceção para o filme francês, que só tinha cópias legendadas, foi um fracasso, por sinal.”

Trabalho reconhecido

Uma das referências quando o assunto é dublagem no Brasil, Wendel Bezerra tem quatro décadas no ofício e é conhecido por dar voz em português a personagens de desenhos animados como Bob Esponja e Goku, e aos atores Edward Norton e Ryan Gosling, entre outros. É também o dono de um dos mais conhecidos estúdios de dublagem do Brasil, o UniDub. Para ele, o setor tem espaço para crescer ainda mais.

“Isso começou com a TV por assinatura, pois os canais perceberam que a programação dublada tinha audiência maior que a legendada, e passou para o streaming, que mostrou que a dublagem impacta – e muito – na quantidade de público”, analisa. “Com o tempo, passou para o cinema, inclusive no estúdio trabalhamos com muitos filmes cuja classificação é acima de 16 anos, o que mostra que não é só para criança.”

Wendel aponta ainda o fato de que a dublagem tem crescido em vários países, inclusive pelo argumento de que as pessoas que assistem a produções em sua língua nativa absorvem 70% mais do conteúdo, com aproximadamente dois terços do público preferindo cópias dubladas. “É um preconceito que tem diminuído – e muito – por conta da internet, que deu rosto aos dubladores, e dos famosos que trabalham conosco e elogiam nosso trabalho”. Ele acrescenta, ainda, a melhora na qualidade técnica e de material humano do serviço oferecido.

“Hoje você pode encontrar nos estúdios brasileiros a mesma qualidade que no exterior. Além disso, há o controle de qualidade feito pelas empresas que nos contratam, pessoas interessadas em trabalhar na área”, enumera, lembrando que é preciso ter registro de ator para atuar na área. “Muita gente faz teatro para virar dublador, o que permite termos um elenco gigantesco no Brasil. É preciso trabalhar com atores para tentar dar a mesma qualidade artística que existe no original, então é preciso que seja alguém com um leque de interpretação grande para poder dublar os mais variados personagens. É fundamental que quem chegue tenha um certo preparo.”

Um dos mais famosos dubladores brasileiros, Wendel Bezerra destaca o alto nível que a profissão exige no país (Foto: Divulgação)

Demanda versus qualidade

Entretanto, Wendel Bezerra alerta que, com a demanda, há o risco de afetar a qualidade em sua média. Ele explica que a demanda atual resultou em novos estúdios de dublagem, que nem sempre entregam serviços com a mesma qualidade, muitas vezes por não contarem com profissionais tão preparados. Além disso, é comum as empresas contratarem esses estúdios para produções de menor investimento também para oferecer uma maior variedade de vozes – fatores que podem explicar as críticas por parte de quem prefere longas legendados, que costumam reclamar da linearidade das dublagens mesmo que em produções diferentes.

Quanto a essa questão, Wendel aproveita para ressaltar a importância da preparação do profissional, pois não há muito tempo de preparação por diversos motivos, como o aumento de trabalho (“antigamente fazíamos duas dublagens por semana, agora podem ser três por dia, trabalhamos em metade do tempo por conta da tecnologia”). Não há tempo para assistir ao filme antes, apenas orientações básicas do diretor de dublagem antes de soltar a voz.

“O dublador tem que puxar a interpretação rapidamente. Ele chega para dublar o cara que concorre ao Oscar de melhor ator, sem assistir ao filme; o diretor chega, explica o filme, tem que descobrir o tom na hora, pegar a nuance daquela cena. É muito imediato, ainda mais que só vemos as cenas em que participamos e gravamos sozinhos, ao contrário de antigamente, o que permitia a um novato acompanhar o desempenho de um veterano. Mesmo que se trabalhe com o mesmo ator, sua atuação pode mudar muito de um filme para outro. São essas situações que fazem uma Fernanda Montenegro elogiar tanto nosso trabalho, afinal a interpretação não é a minha, e sim a que está na tela.”

Apesar dos desafios e da correria, a dublagem brasileira é considerada uma das melhores do planeta, e entre os motivos para isso Wendel Bezerra elenca como um dos pontos fundamentais a exigência de se trabalhar apenas com atores e atrizes, o amor dos profissionais pelo ofício e também uma tradição de cerca de sete décadas, que criou uma ligação entre o público e as vozes. “Os primeiros dubladores vieram das radionovelas, com vozes cultuadas, conhecidas, vinham com bagagem de interpretar ao microfone muito grande, o que ajudou a formar quem veio depois.”

O time dos dublados

Na outra ponta da questão está o público, que é quem paga seus reais para assistir aos filmes e tem suas preferências e necessidades particulares, muitas delas já vistas nos debates que eventualmente ocorrem na internet, na mesa de bar ou quando se está na fila para comprar o ingresso. São questões que passam pelo gosto pessoal, de aprendizagem, análise cinematográfica, até mesmo limitações físicas, entre outras.
Rafael Paulo Lino, por exemplo, prefere filmes e animações dublados para observar detalhes nos cenários, vestuário dos personagens ou mesmo objetos em cena. “Se ficasse com o foco voltado para legenda, dificultaria muito a percepção de alguma coisa, inclusive easter eggs que praticamente existem em todos os filmes hoje em dia. E há o fato de valorizar a dublagem brasileira e a identidade que esses atores criam com sua voz. É incrível ver como eles adaptam ou dão personalidade a um trabalho.”

Quem também valoriza os profissionais brasileiros é Priscila Montini. “Temos vozes icônicas que vão em eventos e que nos fazem sonhar, mas também é legal ouvir o original para ver como é a reação do ator. Mas há casos em que o dublado fica muito melhor!” Outro integrante do “time dos dublados”, Marcelo Barros prefere o áudio em português para assim analisar a fotografia do filme, por exemplo. “Sou bem detalhista com isso, no caso de assistir legendado se perde tempo lendo e pode passar algum detalhe que seja relevante, por isso assisto somente dublado. Não me incomoda não ter a voz original dos atores se o trabalho foi feito por um bom estúdio de dublagem”, diz ele, que possui um acervo de 400 filmes em DVD onde só entram aqueles com opção de áudio em português.

Há quem esteja mais preocupado com o ato de curtir o que está na tela. Vinícius Faza Paiva, por exemplo, é taxativo em considerar “besteira” o que chama de preconceito com os longas dublados, ainda que tenha preferência por assistir a filmes legendados para “aprender” inglês. “Eu me forço a entender mais o que está sendo dito do que ler. É a maneira que encontrei de praticar meu inglês, mas não tenho absolutamente nada contra filmes dublados, inclusive prefiro desenhos com dublagem em português. Não consigo ver graça em filmes como ‘Toy Story’, ‘Meu malvado favorito’, no idioma original. Grande parte da diversão desses filmes, a meu ver, está no belo trabalho de dublagem, sou muito fã de caras como Wendel Bezerra, Guilherme Briggs, Isaac Bardavid, Orlando Drummond, Úrsula Bezerra. Filmes legendados e dublados têm espaço, sem preconceitos. No fim das contas, a diversão vem em primeiro lugar.”

Apesar de o público em geral preferir animações dubladas, ‘Homem-Aranha no Aranhaverso’ é rara produção do gênero que ofereceu cópias legendadas (Foto: Divulgação)

O time dos legendados

Do outro lado, estão aqueles que, sempre que puderem, não abrem mão do áudio original e não veem as legendas como empecilho para atrapalhar a experiência. Thais Moreira prefere filmes e séries legendados por gostar de saber como são as vozes dos atores e a entonação que eles usam para interpretar seus personagens. “O legendado me faz entrar mais no filme ou série e prestar mais atenção no detalhes. Por exemplo, não dá para assistir a nenhum filme com Al Pacino sem a voz original, a história fica sem emoção. Além disso, ajuda a treinar meu ouvido para línguas estrangeiras.”

Outra defensora das versões com legendas é Juliana Bellini. “Além de sentir a naturalidade dos atores, é muito bom para estudar línguas, entender melhor as expressões e até piadas. No entanto, as vozes que fizeram parte da minha infância são as de dubladores brasileiros, que fazem um trabalho ótimo, especialmente com desenhos. Tive o prazer de conhecer dubladores como a Luísa Palomanes, que dubla a Hermione de ‘Harry Potter’, e o Ricardo Juarez, também conhecido pelo seu trabalho em ‘Johnny Bravo’.”

Opções reduzidas pela necessidade

Por fim, há o grupo para quem a dublagem ou legendas seja a única forma de poder compartilhar a experiência cinematográfica. Sílvio Clipper é casado com Luciane, que tem apenas 10% da visão, o que a atrapalha até o cotidiano. Psicóloga de profissão, recorre a uma lupa especial para ler prontuários no papel e a um aplicativo para prontuários eletrônicos. Para o cinema, porém, é preciso que o filme tenha cópias dubladas para que ela possa assisti-lo. “Há vários filmes mudos do Chaplin que ela tem dificuldade para assistir.”

No caso de Alexandre Mazzei, as legendas são fundamentais caso queira ir ao cinema com o filho Eduardo, que nasceu com deficiência auditiva – o que não o impediu, porém, de se tornar DJ -, o que limita suas opções na sétima arte. “Prefiro filmes dublados, acho mais fácil e menos cansativo. Como sou fotógrafo, a imagem me toma muita atenção, e entre ler e admirar as imagens fico com a segunda opção. Já o meu filho Eduardo, por ser surdo, só assiste aos filmes legendados. Curiosamente, por eu gostar de filmes nacionais, o convidei para uma sessão de cinema, porém ele não quis, porque não existe opção de filme nacional legendado. Nunca havia percebido isso.”

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