Uma das principais estreias da semana, “A travessia” é mais um dos filmes do diretor americano Robert Zemeckis em que o protagonista, geralmente sozinho, precisa superar todos os desafios que se impõem em busca de redenção ou pura sobrevivência. Para quem conhece trabalhos do cineasta como “O voo” e “Náufrago”, assistir a seu novo longa poderia ser um pouquinho mais do mesmo, mas cada produção parece ter aquele algo mais que justifica a ida ao cinema. Em “A travessia”, Zemeckis conta de forma impressionante – no que diz respeito ao visual – a história do francês Philippe Petit (um Joseph Gordon-Levitt com direito a penteado bizarro, lentes azuis e sotaque “frrrancês”, merci), que em 7 de agosto de 1974 cruzou as torres gêmeas do World Trade Center (WTC) caminhando por um cabo de aço (e sem qualquer espécie de rede de proteção, o que quer dizer que ele poderia virar patê de carne humana caso despencasse), numa façanha de pouco menos de uma hora que impressionou o mundo na época.
A história, que possui apenas registro em fotos, já foi tema de um documentário, “O equilibrista”, que venceu o Oscar em sua categoria em 2009. O filme de James Marsh, porém, não tem os efeitos especiais do longa de 2015, em que o 3D chega a causar tamanho impacto vertiginoso que há casos de gente que vomitou durante as sessões de “A travessia” em festivais, tamanha a sensação de realismo ao reproduzir os mais de 400 metros que separavam o topo dos maiores prédios do complexo empresarial localizado em Nova York, levados ao chão nos ataques terroristas praticados contra os Estados Unidos no fatídico 11 de setembro de 2001, que causaram a morte de quase três mil pessoas, contando também as vítimas em Washington e na Pensilvânia.
Concreto, aço, fascínio – e um tanto de insanidade
Uma das características que dissociam os humanos das demais criaturas viventes em nosso planeta é aquele comichão que desperta em muitos de nós, fazendo com que desejemos realizar certas façanhas que – satisfação pessoal à parte – não trazem lá grandes benefícios. O caso de Petit, por exemplo, é o mesmo dos primeiros exploradores do Everest, que desejavam subir o ponto mais alto do mundo simplesmente “porque ele estava lá”. E foi esse fascínio que levou o francês a desejar fazer a travessia entre os prédios do WTC, na época os mais altos do mundo. O próprio conceito de criar prédios que ultrapassam os 100 andares e os 400, 500 metros de altura nada mais é que um misto de desafios da engenharia com o desejo de alimentar vaidades pessoais de quem encomenda esses gigantes de concreto e aço, verdadeiras Torres de Babel modernas.
O World Trade Center, por exemplo, era uma ideia surgida na década de 1920 que começou a tomar corpo apenas em 1968, sendo inaugurada em 1973 a um custo de US$ 900 milhões. Com seus 110 andares e mais de 400 metros de altura, os prédios monumentais começaram a povoar os sonhos de Philippe Petit quando ele tomou conhecimento de sua construção – e o sujeito, que era apenas mais um malabarista nas ruas de Paris, colocou na cabeça que deveria caminhar entre as torres do WTC utilizando apenas um cabo de aço, uma vara de equilíbrio e a menor falta de noção do perigo.
Por incrível que pareça, não faltou quem topasse ajudá-lo a encarar a empreitada. Durante seis anos ele treinou e planejou a façanha, pois era preciso chegar ao topo do WTC sem que ninguém soubesse – pois é óbvio que a administração do complexo, a polícia, o prefeito, governador, presidente ou o Papa jamais permitiriam tal insanidade. O feito, então, foi realizado no dia 7 de agosto de 1974: com o cabo de aço esticado, Petit iniciou a travessia que logo foi notada pelas pessoas que estavam no World Trade e por quem passasse na rua, mobilizando a polícia, autoridades e imprensa. O francês fez o trajeto no ponto mais alto de Nova York oito vezes em 45 minutos, encarando a altura vertiginosa, o vento e o risco de virar uma pasta em caso de queda. Ao final da façanha, Philippe Petit chegou a ser detido, mas aí ele já tinha virado história.
Tecnologia para causar vertigem
Sem se prender muito às motivações do personagem, Robert Zemeckis trata de mostrar toda a preparação de Philippe Petit para realizar a travessia, dos treinos na França até a logística de guerra empregada em Nova York para alcançar seu objetivo. Ator dos mais versáteis entre os de sua geração, Joseph Gordon-Levitt pode até causar estranheza (não de forma negativa) como o protagonista, mas é aí que entram os efeitos especiais. Se o público fica louco, a princípio, para que Petit “atravesse os malditos prédios”, os efeitos em computador causam tamanha sensação de altura, profundidade, que é capaz de muitos torcerem para que esse maluco termine logo de atravessar o World Trade Center. A sensação de estar no lugar de Gordon-Levitt é tamanha que aqueles que têm medo de altura podem, mesmo na sala escura, ter… medo de altura.
Mais que perfumaria visual, “A travessia” é uma “fábula real” sobre um homem que tinha um sonho e, por mais perigoso ou estúpido que fosse, fez o diabo para conseguir realizá-lo. Não deixa de ser, também, uma declaração de amor a um dos pontos mais conhecidos de Nova York que, desprezado no início, passou a ser amado após o feito de Petit, e que menos de três décadas depois se tornou uma ferida aberta no coração do mundo.
A TRAVESSIA
UCI 1: 19h (exceto sábado a segunda-feira), 21h35 (todos os dias) e meia-noite (sexta-feira e sábado). UCI 5: 14h. Cinemais 4 (3D/dub): 14h30 e 19h25. Cinemais 4 (3D): 17h e 21h50
Classificação: 12 anos