Minas Gerais tem toda uma tradição musical que chegou até aqui, séculos atrás, por conta da barbárie do tráfico de escravos. Se o horror da venda de seres humanos foi abolido há 131 anos, resta preservar toda uma cultura passada de geração em geração por comunidades ribeirinhas, quilombolas, periféricas; este é um dos objetivos do grupo Ingoma, criado em dezembro de 2008, que comemora só agora seus dez anos de atividades com show neste sábado (10), às 20h30, no Teatro Paschoal Carlos Magno.
Coordenador da iniciativa, o músico, compositor e arranjador Lucas Soares explicas que foram vários os motivos para a comemoração tardia: a preparação para o bloco de carnaval, que demanda muito tempo por parte dos integrantes; o fato de que a folia não teve apoio financeiro este ano, o que provocou a necessidade de busca de patrocínio – e uma consequente preocupação em não sobrecarregar os apoiadores; e a oportunidade de conseguir uma data por meio do edital de ocupação do Paschoal Carlos Magno.
Mesmo com atraso, Lucas ressalta que o importante é comemorar. “A ideia é marcar a data mesmo, celebrar um grupo que trabalha a cultura popular, o congado mineiro, sobrevivendo de forma independente. Tudo isso já seria motivo suficiente, mas há também a trajetória que tivemos, os resultados que obtivemos, as parcerias…”
Para a apresentação deste sábado, o Ingoma vai fazer um apanhado musical dessa década de atividades, com arranjos que marcaram a trajetória e já são conhecidos pelo público, além de novidades. “A principal será uma parcela maior do nosso material autoral, com seis canções. Teremos também músicas que compus na minha carreira e que não tinha executado com o grupo, mas que foram pensadas por causa do universo do Ingoma”, antecipa Lucas, que destaca ainda as participações especiais do rapper RT Mallone e do Coral da UFJF, que acompanharão os 11 músicos no palco em parte do show, em momentos distintos.
“Encontramos o Mallone pela primeira vez num evento da Semana da Consciência Negra no Dom Bosco, e foi muito bonito. Era um evento de cultura de periferia, o show dele foi maravilhoso; o nosso também foi inesquecível, fizemos um improviso com ele que foi maravilhoso. Convidamos depois para nos acompanhar no carnaval, já somos parceiros”, relembra. “Já o Coral da UFJF nos convidou para um espetáculo em homenagem ao Milton Nascimento no Cine-Theatro Central, e depois tivemos diversas apresentações juntos, com arranjos especiais para esses encontros.”
Trajetória de realizações
O Ingoma surgiu há pouco mais de uma década, explica Lucas Soares, como um grupo de estudos do tambor mineiro – em especial do congado mineiro, tradicional das festas de Nossa Senhora do Rosário nas comunidades ribeirinhas e quilombolas. Com o passar dos anos, a iniciativa foi além dos estudos, se desdobrando nas apresentações musicais, oficinas e cursos, e também no bloco de carnaval. O projeto tornou-se referência em toda a Zona da Mata, compartilhando diversas vivências nas mais variadas localidades e comunidades. O Ingoma já foi convidado a participar de eventos importantes e tradicionais como a Festa do Divino Espírito Santo, em São João del-Rei, que acontece desde 1774; a Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande, realizada há quase um século.
Somente com os cursos e oficinas, o Ingoma já formou mais de mil “multiplicadores”, e o coordenador destaca o fato de que muitos já eram músicos profissionais, ao passo que outros passaram a integrar grupos de Juiz de Fora. “Este é um dos principais motores do projeto, que é proteger essa cultura, os verdadeiros donos dessa cultura, tecendo uma rede de contatos, fortalecendo as festas tradicionais e a rede de congadeiros”, aponta. “Poder compartilhar (esse conhecimento) com as pessoas, plantar a ideia, levá-las para conhecer essa tradição e criar defensores desse povo é muito importante.”
O Ingoma abre novas turmas a cada semestre, sendo que as inscrições para as próximas turmas estarão abertas já na próxima semana. As informações a respeito podem ser obtidas pelas páginas do grupo no Facebook e Instagram. Segundo Lucas Soares, são aulas semanais com 90 minutos de duração no Clube Atlético Caiçaras, no Centro. Além disso, o grupo realiza oficinas nas comunidades, com duração que depende da demanda de cada localidade. “Acreditamos que a música e esse recorte sobre o tambor mineiro é um forte catalisador para a transformação da realidade social dos indivíduos”, diz.
Para o futuro próximo, o músico afirma que o Ingoma tem entre os planos prosseguir com a profissionalização de seus músicos, ocupar novos espaços e reforçar a base de subsistência financeira do projeto, tornando perene e de maior alcance atividades como as ações nas comunidades. “É algo que já estamos conseguindo”, celebra Lucas, que aponta para um projeto a ser realizado mais para frente. “Nosso foco sempre foi a pesquisa, mas a guinada para a produção de músicas autorais abre possibilidades para um CD no futuro.”
Ingoma
Neste sábado (10), às 20h30, no Teatro Paschoal Carlos Magno (Rua Gilberto de Alencar s/nº – Centro)