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Exposição “Corporescer” propõe olhar poético sobre corpos femininos

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A ditadura da beleza e da moda impõe o ideal de um “corpo perfeito” quase sempre inalcançável, que ora estigmatiza, ora busca apagar as diferenças inerentes aos corpos, seja uma marca de nascença, uma cicatriz, o excesso de peso, uma doença de pele, a estria, a celulite, até os cabelos brancos. E a maior vítima dessa ditadura são as mulheres, que passam a ver o que as tornam singulares como algo a ser escondido, apagado.

Pois despertar um novo olhar para esses corpos é a proposta da fotógrafa Larissa Noé com a exposição virtual “Corporescer”, que pode ser conferida desde 26 de junho no site corporescer.com e também no perfil do projeto no Instagram (@_corporescer). A exposição reúne registros fotográficos de oito mulheres em que Larissa faz a associação entre características físicas desses corpos femininos com algumas espécies de plantas, que são utilizadas como elementos metafóricos e alegóricos do processo de exaltação das singularidades.

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A partir da reflexão sobre a dicotomia entre Natureza e Humanidade, a fotógrafa pretende construir um olhar sensível e poético sobre a singularidade de mulheres que tiveram sua autoestima minada por padrões de beleza e pressão estética. A exposição é realizada com o apoio da Lei Aldir Blanc de Minas Gerais, mas a fotógrafa planeja, quando possível, transformar a exposição virtual em presencial.

A partir de uma tragédia pessoal, Larissa Noé desenvolveu projeto que associa características femininas às plantas (Foto: Larissa Noé/Divulgação)

Na própria pele

Larissa Noé conta que o conceito do projeto é fruto, inicialmente, de uma experiência vivida pela própria artista. Ela sofreu um grave acidente quando tinha entre 11 e 12, em que perdeu a mãe e sofreu um corte imenso no rosto que quase a desfigurou, sendo necessário levar mais de 60 pontos. “Isso mexeu com minha autoestima na época, pois é um período em que estamos construindo nossa identidade, entendendo nossa aparência”, relembra. “Fiquei com muitas marcas e cicatrizes no corpo, e quando fui crescendo tinha essa inquietação; aí, quando entrei no universo das artes, queria algo tivesse ligação com essas marcas.”

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A fotógrafa passou então a pesquisar elementos do universo feminino e da natureza, e foi aí que ela notou a relação de proximidade entre marcas no corpo e doenças de pele com espécies de plantas e passou a fazer a associação entre elas. Para isso, muito ajudou o fato de Larissa se considerar “apaixonada” pela natureza: nascida em Ubá, ela ia a parques e fazia trilhas com seu pai, e com a pandemia passou a encher a casa de plantas.

“Tentei aproximar o corpo feminino da natureza, pois, à medida em que a sociedade vai se desenvolvendo, vamos nos afastando do nosso corpo natural. A sociedade tenta apagar as singularidades desses corpos, que todos respondam a um padrão de projeto estético”, acredita. “O projeto busca pegar aquilo que talvez seja considerado uma característica negativa, como uma marca, a coloração da pele, e fazer essa associação de forma que exalte a singularidade dessa beleza”, acrescenta Larissa, que ainda se vê como “privilegiada” dentro desse contexto.

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 (Foto: Larissa Noé/Divulgação)

“Apesar de ter muitas cicatrizes, estou dentro do padrão de mulher branca e magra, pois os espaços são construídos para aceitar um corpo branco e magro. Não sofro racismo, não tenho características físicas que me fazem sofrer o que outras mulheres acabam passando. Mas todas nós sofremos de formas diferentes, estando ou não no padrão.”
Quanto ao nome do projeto, ela explica que inicialmente tentou encontrar uma palavra que fosse capaz de ajudar a compreender o conceito envolvido; ao não encontrar, juntou as palavras corpo e crescer. “Elas remetem tanto a crescimento quanto a autoaceitação conhecer o próprio corpo; e também remete a florescer, desabrochar, dar luz a algo que é belo, que são nossos corpos”, filosofa.

Em busca da diversidade na singularidade

Para dar vida ao projeto, Larissa Noé contou com a ajuda de amigos para encontrar mulheres dispostas a participarem dos ensaios. Ela acrescenta que não conseguiu todas as modelos que pretendia, como uma mulher que tivesse vitiligo e outra que fosse mais velha, mas mesmo assim conseguiu chegar à pretendida diversidade de singularidades. “Tive essa preocupação de conseguir corpos diversos, mas esse não é o ponto forte do trabalho”, pontua. “Minha preocupação era procurar a diversidade nessas características singulares, como nas duas mulheres que fizeram cirurgias bariátricas e que têm histórias e marcas diferentes. Espero que as mulheres, a partir desse trabalho, passem a se olhar com mais delicadeza e sensibilidade, pois somos bombardeadas por corpos modificados que influenciam nossa autoestima.”

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Dentre as modelos que toparam participar de “Corporescer”, Larissa já conhecia algumas, porém as histórias delas eram uma novidade com que ela tomou contato a partir de conversas antes das sessões de fotos, que foram registradas em vídeo para um futuro documentário. “Quando expliquei a proposta, só uma delas não tinha uma relação muito aberta e amorosa com suas características. O projeto acabou sendo um exercício para ela, que passou a se questionar como tentava apagar isso de sua vida. Mas todas acharam o projeto superimportante e ficaram felizes em poder contribuir”, comemora.

Uma de preocupação de Larissa para ajudar as modelos a se sentirem mais à vontade foi ter apenas mulheres no estúdio para a produção dos ensaios – a exceção foi apenas a gravação dos depoimentos, em que não encontrou uma mulher que fizesse o serviço. Outro cuidado foi marcar as entrevistas e sessões de fotos em horários diferentes, para evitar aglomerações durante a pandemia.

(Foto: Larissa Noé/Divulgação)

Um novo olhar sobre os próprios corpos

Questionada sobre a reação das modelos, Larissa conta que o retorno foi extremamente positivo, e dá como exemplo justamente o da mulher que não tinha uma relação aberta com suas características singulares. “A primeira reação dela ao ver as fotos foi de estranhamento por estar sem maquiagem, mas depois desse primeiro momento passou a questionar se a forma como se via não estava distorcida, como ela se mostrava para as pessoas não era uma forma de tentar apagar isso. Ela disse que não estava acostumada a se ver sem filtro (dos aplicativos de fotos) e constatou que era ela tentando se enganar”, observa. “As pessoas que a conhecem fora das redes sociais sabem que ela tem essas características, então tentar apagar isso pelos filtros era uma forma de se enganar. Fiquei muito interessada nessa reação que ela teve.”

Na opinião de Larissa, uma das grandes problemáticas em aceitar nossas características é fruto da falta de hábito de olhar os próprios corpos com delicadeza e sensibilidade. “A gente se olha apenas com olhar de julgamento, para achar um defeito, uma característica, e aí quando fazemos uma selfie temos essa necessidade de mudar essa imagem”, argumenta. “Se a gente se olhasse no espelho com curiosidade, como se lesse um livro, cada ‘entrelinha’ desse corpo, acho que seria um exercício de enriquecimento pessoal.”

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