O corredor dará lugar às redes. E o toque será substituído pela tela. Em tempos de isolamento social, o já tradicional Corredor Cultural, que celebra o aniversário de Juiz de Fora, ganhará as redes. A ideia foi compartilhada com a classe artística pelo diretor geral da Funalfa Zezinho Mancini no Cultura Conecta, ciclo de reuniões proposto pela instituição. Caso saia do papel, poderá ser uma injeção de fôlego num dos primeiros setores afetados pela pandemia de Covid-19. E certamente o último a ter seu caráter normalizado passado o período de isolamento social. Ironicamente, a cultura que tem servido de alento no período de impossibilidade de encontros é a mesma que se aflige num cenário de muitas incertezas e poucas perspectivas.
Como no país e no mundo, a realidade local também é atravessada pelos temores causados por uma cena em estagnação e pela escassez financeira, numa lógica econômica que já há muito tempo fragiliza toda a engrenagem da cultura. De acordo com Mancini, o edital para o projeto virtual do Corredor Cultural está redigido, ainda que sem datas, e aguarda aprovação. “O objetivo é que aconteça como o ‘One world: Together at home’ (evento promovido pela cantora Lady Gaga), naqueles moldes, tentando juntar mais gente para assistir um monte de coisas, reunindo todos os públicos numa sequência só”, explica ele, que se reuniu com a classe em sete encontros realizados entre o dia 27 de abril e a última quarta, 6.
Os encontros aconteceram na plataforma de videoconferência Zoom e chegaram a envolver 48 pessoas no dia dedicado às artes cênicas, 45 na data voltada para o debate da música e 35 interessados em discutir patrimônio. “Algumas conversas foram mais produtivas, porque apresentaram ideias interessantes e exequíveis. Um exemplo foi ontem (quarta-feira, 6), na reunião do patrimônio”, aponta Mancini, para em seguida narrar uma troca presenciada na plataforma. De um lado estava Suzana Markus, da Associação Carabina Cultural, que atua na recuperação do Casarão de Sarandira e enfrenta alguns problemas na estrutura. De outro, estava a pesquisadora e professora da Faculdade de Arquitetura da UFJF Mônica Olender, que ao ouvir o relato de Suzana fez sugestões do uso imediato de escoras. “É uma proposta possível de tornarmos viável neste momento”, assume o diretor geral da Funalfa.
Enquanto uns compartilharam dilemas pessoais de armários vazios, outros dividiram novos modelos de trabalho, como as criadoras do canal “Boo e Outras Coisas”, Mia Mozart e Cibele Sales , que utilizam uma plataforma de financiamento mensal e conseguiram, de um único doador, viabilizar a próxima temporada da atração que conta histórias de crimes reais. “Temos realidades distintas, artistas que vivem exclusivamente de arte até pessoas que têm outras atividades econômicas e complementavam com a arte. Cada um traz uma demanda. Pautas apareceram repetidas vezes, como a do censo cultural”, pontua Mancini, explicando que a extinção do Ministério da Cultura levou à descontinuidade da plataforma Mapas Culturais, que a fundação estudava utilizar. “Os municípios não conseguem mais aplicá-la às suas realidades. Diante dessa urgência, vamos fazer esse censo mesmo que não seja o idealizado, com o mapa onde podemos encontrar as pessoas, mas que pelo menos seja um grande cadastro, até para entender qual foi o impacto da pandemia”, compromete-se o gestor.
Emendas parlamentares injetam R$ 120 mil na cultura
Questionado sobre a demora em ouvir a classe, o que aconteceu mais de um mês depois de a Prefeitura adotar medidas de isolamento social na cidade, Zezinho Mancini afirma que a fundação está atenta ao cenário local desde o primeiro dia de quarentena. “Na segunda estávamos fechando espaços e na quarta lançamos o #ViralizaCultura. Temos nossos canais abertos. Não é nada difícil se comunicar com a Funalfa. Quando entendemos que havia a necessidade de buscar essa escuta, fizemos”, observa, assegurando que em novembro de 2019 já estudava promover o que se chamaria “Encontrão das artes”. A pandemia fez o projeto ganhar corpo. E o diretor geral acena para a possibilidade de novos encontros, por assuntos e não mais setoriais.
A demanda por alternativas financeiras para a crise e a possibilidade de auxílio do município à classe artística, no entanto, é o que aquece a discussão entre Poder Público e sociedade civil. “A Prefeitura tem uma limitação financeira”, observa Mancini, apontando para saídas como o fortalecimento do Fundo Municipal de Cultura, criado há mais de 25 anos para aportar os recursos da Lei Murilo Mendes e tantos outros possíveis projetos. De acordo com o gestor, dar visibilidade ao fundo, para que ele receba investimentos privados e públicos e possa ser distribuído com regularidade entre os artistas locais é algo que deve ser feito em coordenação entre a fundação e a classe.
“Temos uma verba no próprio Fundo Municipal de Cultura. É um dinheiro que pertence à cultura e deve ser utilizado por ela. Em alguns momentos, esse recurso complementou o próprio orçamento da Lei Murilo Mendes. Essa é uma possibilidade. Já o orçamento da Funalfa é uma previsão de gastos feita diante da previsão de arrecadação. Como o momento é atípico, é necessário aguardar”, destaca o diretor geral da instituição que para 2020 projetava um orçamento de R$ 1,5 milhão em atividades de cultura. A concretização do valor, no entanto, é incerta. “É algo que não consigo prever”, reconhece Mancini, ainda sem garantias, também, dos repasses da Lei Murilo Mendes, cujo resultado foi divulgado na primeira semana de abril. “Aguardamos posicionamento do Governo estadual para normalizar os repasses para que consigamos para isso logo. A intenção de publicar é oficializar que há um resultado e afiançar que esses artistas sejam contemplados depois de todo o esforço do edital.”
Num horizonte menos distante, estão verbas de duas emendas parlamentares destinadas pela deputada Margarida Salomão (PT) no valor de R$ 120 mil (uma de R$ 70 mil e outra de R$ 50 mil). Segundo Zezinho Mancini, o montante será dividido em prêmios menores, individuais, e voltados para práticas on-line. “Na primeira semana da quarentena, buscamos a assessoria da deputada, conversamos e acertamos os detalhes. De lá para cá, aguardamos a Secretaria Estadual de Cultura. A emenda de R$ 70 mil já está certa de ser viabilizada”, garante o gestor, ainda avaliando a pertinência de operacionalizar o valor imediatamente ou aguardar para acrescentar os outros R$ 50 mil. Enquanto isso, os R$ 7 milhões liberados pelo Finisa (Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento), da Caixa Econômica Federal, estão sendo investidos na recuperação de espaços de cultura locais. “Tem coisas que já foram licitadas e contratadas. Um deles é o concurso arquitetônico, nacional, que irá contemplar o Complexo Mascarenhas”, aponta Mancini, afirmando ser inviável a reversão da verba para auxiliar a classe artística neste período crítico.
Quais são os cortes do Poder Público?
Qual a parte que cabe à Funalfa no cenário de cortes e mais cortes que afetam o bolso, a mesa e a paisagem do juiz-forano? De acordo com o diretor geral da instituição, um decreto municipal publicado na semana retrasada solicitava aos gestores das pastas que enviassem uma proposta de contingenciamento para avaliação do comitê de crise. “Fizemos esse estudo e de maneira geral não tem a ver com investimento na atividade fim da cultura. Tem a ver com a estrutura da Funalfa”, garante Zezinho Mancini, dizendo ter aderido à proposta de redução de jornada com os terceirizados, que atuam em setores como portaria, limpeza, vigilância e corpo técnico. Também foram cortadas algumas linhas telefônicas “É um valor irrisório, mas importante por se tratar de verba pública”, destaca.
Mais vultuoso projeto cultural do município, o Gente em Primeiro Lugar, coordenado pela Acav, uma associação sem fins lucrativos, deverá aderir às aulas virtuais ante o isolamento social. Em algumas turmas, contudo. Oficinas como as de instrumentos, por exemplo, ainda estudam uma saída, já que nem todos os alunos possuem instrumentos em suas casas. Alguns professores, sinaliza Mancini, foram colocados de férias e devem ter jornada reduzida conforme a Medida Provisória federal 936, que possibilitou aos empregadores a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário.