A vitória de “Moonlight: Sob a luz do luar” como melhor filme acabou ofuscada pela confusão que se viu no palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, na noite de 26 de fevereiro, naquela que já se tornou a maior gafe da história do Oscar, quando Warren Beatty e Faye Dunaway anunciaram erroneamente “La La Land: Cantando estações” como o vencedor. Se o discurso do diretor Barry Jenkins acabou praticamente ignorado devido a toda a repercussão do vexame, a estreia do drama nesta quinta-feira em Juiz de Fora, com duas semanas de atraso em relação à estreia nacional, permitirá ao espectador conhecer todos os predicados que fizeram o longa bater na categoria principal justamente o badalado – e favorito para muitos – “La La Land”.
A produção, com um custo de apenas US$ 5 milhões (mas que o diretor jura ter utilizado não mais que US$ 1,5 milhão), também arrebatou os prêmios de ator coadjuvante (Mahershala Ali, o primeiro ator muçulmano a levar o Oscar) e roteiro adaptado (Jenkins e Tarell Alvin McCraney). Nada mal para uma produção que detém o ineditismo de ser o primeiro longa com elenco composto apenas por negros e com temática LGBT a levar o prêmio de melhor filme.
A produção leva para a tela grande a peça inédita “Moonlight black boys look blue”, de McCraney, escrita há mais de uma década e que tem vários elementos autobiográficos. O longa é passado entre Miami e Atlanta e acompanha três fases da vida de Chiron, filho de uma viciada em crack e que encara desde cedo uma vida desprovida de afeto, marcada pela dúvida quanto à sua sexualidade e a sempre presente tentação da vida do crime.
No primeiro arco, Chiron ainda é chamado de Little (interpretado por Alex Hibbert) e é uma criança retraída, de poucas palavras, que encontra no traficante Juan (Mahershala Ali) a presença paterna que nunca teve e quem dá a ele os melhores conselhos sobre quem deve ser na vida. Outro ponto de equilíbrio é a namorada de Juan, Teresa (Janelle Monáe), enquanto sua própria mãe, Paula (Naomie Harris), já desenvolve um processo de alienação e desprezo em relação ao filho.
Intitulado “Chiron”, o segundo arco mostra o protagonista (interpretado agora por Ashton Sanders) já adolescente mas ainda mais inseguro, vítima de bullying na escola e com uma mãe devastada pelo vício em crack. Sem a figura de Juan, Chiron encontra apoio apenas em Teresa e na amizade com Kevin (Jharrell Jerome). É aqui que “Moonlight” tem seus maiores momentos de tensão e também as situações-limite que irão definir a vida de Chiron. É o que se vê no derradeiro arco, em que o jovem vive em Atlanta e se tornou o traficante conhecido como Black (Trevante Rhodes), mas quase tão introspectivo como outrora. Além da tentativa de encontrar um desfecho para todos os conflitos com sua mãe, Chiron reencontra uma figura de seu passado que poderá, enfim, dar a oportunidade de ser completamente honesto consigo.
Com pouco mais de 110 minutos de duração, “Moonlight: Sob a luz do luar” é um drama sobre dor, abandono, a busca por uma identidade sexual, (falta de) amor, violência, abuso físico e emocional, as escolhas que fazemos em nossas vidas – ou o fatalismo que não nos deixa outras opções. Barry Jenkins consegue mostrar de forma ora delicada, ora brutal, o longo e tortuoso caminho de Chiron até iniciar uma trilha que talvez o deixe confortável.
É, ao mesmo tempo, um filme em que todos esses sentimentos são mostrados por meio do silêncio do protagonista, uma pessoa que deseja se encontrar, expor seus sentimentos, mas não encontra palavras para isso, no máximo por meio de olhares ou gestos. Ao mesmo tempo, todos ao redor parecem ter algo a dizer para ele, sejam palavras de amor, carinho, ou de desprezo, raiva, frustração e preconceito.
O silêncio de Chiron, aliás, é o que acompanha o espectador ao final da exibição, necessário para entender uma obra que tem tanto a dizer por meio de um jovem tão marginalizado e, ao mesmo tempo, carente de entender seu lugar no mundo.