“Vocês querem bacalhau? Quem não se comunica se trumbica. Eu vim aqui para confundir, e não para explicar. Na televisão nada se cria, tudo se copia.” Para quem viveu os anos 1970 e 1980, foi praticamente impossível ligar a televisão – especialmente nas tardes de sábado – e não se deparar com alguns dos bordões mais conhecidos do pernambucano Abelardo Barbosa. Chacrinha, um dos mais famosos nomes do entretenimento no rádio e na TV brasileiros completaria 100 anos de vida em 2017 se não tivesse partido, em 1988, pouco antes de completar 71 anos. Ele integra a lista de personalidades do mundo das artes e do entretenimento que completam ou completariam um século de existência este ano, e que serão lembrados e celebrados até o dia 31 de dezembro.
A lista de centenários não é pequena, e vai da música ao jornalismo, passando pela literatura, cinema, televisão e outras formas de expressão artística. É uma turma representada por notáveis como John Lee Hooker, Antonio Calado, João Saldanha, Luz del Fuego, Dean Martin, Susan Hayward, Jack Kirby, Josué Montello, Zsa Zsa Gábor, Will Eisner e Dizzy Gillespie, entre tantos outros.
Homenagens pelo país
Dentre os homenageados pelo país, o nome de Chacrinha é o de maior destaque. Ele terá uma exposição relembrando sua trajetória na Caixa Cultural de Salvador (BA), a partir de dezembro. Antes, em agosto, estreia nos cinemas “Chacrinha: o filme”, com direção de Andrucha Waddington e Stepan Nercessian interpretando o Velho Guerreiro. A TV Globo também prepara uma minissérie sobre o comunicador, sob responsabilidade de Guel Arraes, e o musical do Chacrinha deve passar pelo Norte e Nordeste do país. Autor de marchinhas como “Maria Sapatão” e “Bota a Camisinha”, Abelardo Barbosa será homenageado no carnaval carioca pela Banda de Ipanema e Cordão da Bola Preta.
Quem também vem sendo homenageado desde 2016 é o escritor Antonio Callado, tema de exposição no Rio de Janeiro e que terá novas publicações de seus livros “Quarup” e “Sempreviva” na Alemanha. O romancista, dramaturgo, biógrafo e jornalista niteroiense, nascido em 26 de janeiro de 1917, também ganhou reconhecimento por sua atuação nos jornais “Correio da Manhã” e “Jornal do Brasil”, tendo feito as coberturas da Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, e ter sido membro da Academia Brasileira de Letras entre 1994 e 1997.
Outro imortal a fazer parte da lista de centenário é o escritor, jornalista e dramaturgo maranhanse Josué Montello. Com passagens pela extinta revista “Manchete” e pelo “Jornal do Brasil”, Montello é autor de uma extensa série de obras literárias, entre elas “Os tambores de São Luís”. Foi membro da ABL entre 1954 e 2006, quando morreu. Autor de “Invenção do mar”, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti em 1999, Geraldo de Mello Mourão era um dos mais respeitados escritores brasileiros no exterior, tendo recebido ainda o Prêmio Mário de Andrade em 1972.
Ainda no universo das letras, outros dois brasileiros completariam 100 anos em 2017. Um deles é o eternamente polêmico João Saldanha. Conhecido pelo apelido de “João Sem Medo”, o gaúcho Saldanha não tinha medo de se declarar comunista em plena ditadura militar e era conhecido pelas suas crônicas na área esportiva. O futebol, aliás, sempre fez parte de sua vida: chegou a jogar pelo Botafogo e teve poucas – porém vitoriosas – experiências como treinador, levando o alvinegro ao título carioca de 1957 e classificando a Seleção Brasileira para a Copa do México, em 1970. Saldanha morreu em 1990, em plena da Copa da Itália, enquanto trabalhava como comentarista para a finada TV Manchete.
Contemporâneo de João Saldanha, David Nasser foi jornalista que passou pelo “Diário da Noite”, “O Jornal”, “O Globo” e “O Cruzeiro”, mas que fez história com suas reportagens exclusivas para a revista “O Cruzeiro”, mesmo que tivesse sérios problemas de relacionamento com seu proprietário, o excêntrico Assis Chetaubriand.
Também fazem parte da lista de personalidades nascidas em 2017 a atriz Zilka Salaberry, mais conhecida pelo papel de Dona Benta na primeira versão do “Sítio do Pica-Pau amarelo” produzida pela Globo; o radialista, ator e apresentador de TV César de Alencar, que durante muitos anos comandou um programa televisivo que levava seu nome; o maestro Severino Araújo, que por quase 70 anos comandou a famosa Orquestra Tabajara; o cantor e compositor Tonico, que formou por quase 60 anos a mais importante dupla sertaneja do país com o irmão Tinoco, numa parceria que rendeu mais de 40 mil apresentações, 83 discos e quase mil gravações; a cantora Dalva de Oliveira, que integrou o Trio de Ouro e gravou músicas de Herivelto Martins e Príncipe Pretinho, entre outros; Wálter Foster, um dos pioneiros da TV brasileira; e a polêmica Luz del Fuego, capixaba de Cachoeiro do Itapemirim responsável por iniciar o naturismo no Brasil e uma das militantes da emancipação feminina, além de escritora, atriz e dançarina.
Notáveis também no exterior
O mundo das artes também possui uma lista de centenários notáveis no exterior. A que mais chegou perto de completar 100 anos de vida foi a atriz Zsa Zsa Gabor, de “A marca da Maldade”, que morreu aos 99 anos em 18 de dezembro de 2016. Logo a seguir vem Joan Fontaine, que faleceu em 2013, aos 96. Ela foi a única atriz a receber um Oscar em uma produção de Alfred Hitchcock: o prêmio de coadjuvante foi conquistado com seu papel em “Suspeita”. Oscar de melhor ator por “Marty” (1995), Ernest Borgnine foi outro a ter vida longa, chegando aos 95 anos.
O rol de atores célebres inclui ainda Susan Hayward, Oscar de melhor atriz por “Quero viver” (1958) e prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por “Eu chorarei amanhã” (1953)”; o durão Robert Mitchum, astro de produções como “O mais longo dos dias” e “Os amantes de Maria”; o galã e cantor Dean Martin, conhecido por seus filmes com o comediante Jerry Lewis e por ter formado o célebre Rat Pack com Frank Sinatra, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop; e o cubano Desi Arnaz, mais conhecido pelo seu papel como Ricky Ricardo na série de TV “I love Lucy”.
LITERATURA
O gênero literário tem entre os nascidos em 1917 o criador de best-seller Sidney Sheldon, com 18 romances que ultrapassaram a marca de 300 milhões de exemplares vendidos. Na TV, tornou-se conhecido como criador da série “Jeannie é um gênio”. Quem também pode ser considerado um best-seller é o historiador inglês Eric Hobsbawn. Marxista ferrenho, foi considerado um dos maiores intelectuais do século XX graças a obras como “Era dos extremos”, “Era do capital” e “A era dos impérios”, em que analisava as nações e como elas se formaram.
Já o cinema ajudou a levar para um público maior o trabalho dos escritores britânicos Arthur C. Clarke e Anthony Burgess. O primeiro é um dos mais celebrados escritores de ficção científica do século XX e autor de “2001: Uma odisseia no espaço”, que ganhou versão para a tela grande de Stanley Kubrick. Clarke possui uma pequena mas importante ligação com o Brasil: “2010”, a continuação de “2001”, foi escrita a partir de uma sugestão do também escritor de sci-fi Jorge Luiz Calife.
A música e a nona arte
Dentre os cantores e compositores nascidos há exatos cem anos, nenhum deles é mais célebre que Nat King Cole, intérprete de canções como “Unforgettable”, “Nature boy”, “When I fall in love” e “Love is a many splendored thing”, entre outras. Ainda na seara do jazz, são de 1917 a “Primeira Dama da Canção” Ella Fitzgerald, intérprete de versões inesquecíveis de “Flying home” e “Oh, lady be good!”; o pianista e compositor Thelonious Monk; e o cantor, compositor, trompetista e líder de orquestra Dizzy Gillespie. Já o blues tem como representante o cantor e guitarrista John Lee Hooker. Graças a canções como “Boogie Chillen'”, “Crawling King Snake” e “One Bourbon, One Scotch, One Beer”, Hooker influenciou um geração de músicos que vai de Buddy Guy, Jimmy Page e Joe Perry.
Por fim, até os leitores de histórias e quadrinho têm a quem celebrar em 2017. Dentre os três artistas nascidos em 1917, talvez o maior deles seja Will Eisner. Criador do personagem Spirit e de graphic novels como “Um contrato com Deus” e “Ao coração da tempestade”, Eisner era tão influente dentro da nona arte que passou a batizar o principal prêmio dos quadrinhos norte-americanos ainda em vida. Artista comparável em talento é Jack Kirby, que, ao lado de Stan Lee, foi o co-responsável pela criação do Universo Marvel, tendo ilustrado as primeiras histórias do Quarteto Fantástico, Vingadores, Hulk e Thor, entre outros. Outro nome que merece destaque é o do também desenhista Bill Everett, fundamental na criação dos personagens Namor, o Príncipe Submarino, e Demolidor.