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Lenine fala sobre a turnê de “Em trânsito”, apresentada nesta sexta (8) em JF

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Gravação do dvd, Imperator, Rio de Janeiro (Foto: Rogério von Krüger)

“Júlia?”, diz a voz cadenciada pelo característico e encantador sotaque pernambucano do outro lado da linha. “É Lenine” (Como se precisasse de apresentações). Com a simpatia que emana no palco, o músico, como diriam os mineiros, engatou na prosa sobre seu novo trabalho, “Em trânsito”, cuja turnê passa por Juiz de Fora nesta sexta (8), em apresentação única no Cine-Theatro Central. “Quando cheguei ao fim da turnê de ‘Carbono’, no ano passado, tinha que fazer outra coisa, e meu primeiro sentimento foi o de não fazer um novo disco, o que significaria cinco, seis meses dentro de estúdio, da maneira artesanal como eu trabalho”, diz ele, sobre a empreitada que começou com um show ao vivo com inéditas, normalmente a etapa final de um processo musical. A apresentação foi realizada no Rio, restrita a convidados, e o álbum (CD e vinil), que veio deste registro, foi lançado há pouquíssimo tempo, dia 1º de junho (também nas plataformas de streaming). Em 1º de agosto, vem o DVD, mesma data de estreia do documentário sobre o projeto no Canal Brasil.

De forma bem “babônica”, como o próprio define, Lenine conta que seu filho Bruno Giorgi, diretor e guitarrista do projeto, é quem estimulou a subversão da trajetória de “Em trânsito”. “Ele me chamou atenção de maneira clara: ‘Tudo bem, seus discos foram o estopim para o seu contato com o público global, em todos os nichos do planeta. Mas você se diverte ‘mermo’ é no palco’. Essa ‘chamada’ foi realmente importante. Fizemos o show e depois pensamos em cada formato como um produto diferente, no físico e no digital.”

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Gravação do DVD, Imperator, Rio de Janeiro (Foto: Rogério von Krüger)

Segundo ele, a diferença de cada formato de “Em trânsito” fica evidente, porque exigiu um foco diferente em sua elaboração. “Isso significa que quando você pega um CD de um show, você ‘pinça’ canções para contar uma história que, claro, não é a mesma história do show em si. Para o vinil, por exemplo, tem que se pensar na intervenção, de mudar o lado, de eleger e organizar as canções de forma a contar duas histórias que conversam entre si. Quando organizamos o formato para as plataformas digitais, quis fazer com que as funções ocorressem também randomicamente. A ordem em que aparecem é a ‘versão do diretor’, sem cortes (risos). Mas, em resumo, eu e Bruno depuramos muito a adequação do repertório aos diversos formatos. É como se cada um fosse um capítulo de uma narrativa, com suas peculiaridades”, explica o músico.

‘O importante não é chegar a algum lugar’

Gravação do DVD, Imperator, Rio de Janeiro (Foto: Rogério von Krüger)

Todo o processo pulsante descrito pelo artista sobre a produção de “Em trânsito” fica expresso ao longo das dez faixas do disco (que ouvi digitalmente, tanto na “versão do diretor” quanto nas surpresas da ordem aleatória do player), e, mais do que isso, o processo de metamorfose, transformação e e renovação é uma constante em seu trabalho desde que Lenine estreou nacionalmente com o álbum “Baque solto”, lançado com Lula Queiroga em 1983. “Buscar e provocar novos estímulos e caminhos sempre me interessam muito, no sentido de que o importante não é chegar a algum lugar, mas percorrer o caminho. Como trabalho com emoções, há que se ter o estímulo, estar disposto a construir e desconstruir. Isso tem a ver com essa velocidade vertiginosa do nosso tempo, fruto desta distopia em que vivemos, com um tanto de desesperança e também um tanto de ‘cabeça-durismo’ por acreditar que ainda pode surgir transformação por eu fazer o que faço”, reflete ele.

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Sobre o próprio processo de mudança como artista ao longo dos anos, Lenine é modesto e diz, emendando uma gargalhada sonora que acha “tudo igual”: “Mas tenho que ser honesto, eu sou um somatório de experiências. Quando faço uma canção, elas carregam tudo que vivi, de modo muito autobiográfico por esta vivência, mas ao mesmo tempo muito aleatório ao ponto de eu não me reconhecer. Quando faço parcerias, é um momento especial de troca, e tenho amigos com os quais troco este acompanhamento de vida por muitos anos. Num projeto urgente como foi ‘Em trânsito’, só dava para fazer com amigos íntimos, na mesma sintonia e velocidade das coisas mundanas que vivemos”, diz ele.

O novo trabalho é, para Lenine, uma empreitada de família, não só pela presença de Bruno Giorgi em cada etapa e também pela parceria com o filho mais velho, João, na faixa “Bicho saudade” (minha favorita, por sinal), mas pela participação de músicos que o acompanham há algumas décadas. “Isso fica refletido nas faixas, que têm muito do que é transitório dos tempos e também de transitivo, e só aconteceu porque foi feito com uma assinatura coletiva. Esse núcleo me ajudou a transportar todo o projeto para o palco. O mais novo da banda é meu filho, que nasceu nela, então ‘Em trânsito’ tem essa luz familiar, que permeia todos os meus projetos”, pontua o músico, mencionando Jr. Tostoi (guitarra), Guila (baixo), Pantico Rocha (bateria) e seu caçula, Bruno Giorgi (guitarra).

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‘O violão é quase uma extensão do meu corpo’

Gravação do DVD, Imperator, Rio de Janeiro (Foto: Rogério von Krüger)

Durante o processo criativo de “Em trânsito”, as músicas foram apresentadas à banda da forma mais crua possível, sem violão até, para que pudessem participar do que viria a se tornar o show, o álbum, o projeto como um todo, enfim. Por isso mesmo, o produto final acabou tendo uma pegada inovadora, que levou Lenine a se tornar mais intérprete durante o show. “O violão é quase uma extensão do meu corpo. As pessoas reconhecem minhas canções pela maneira que as toco. Quando você passa uma música para um grupo de pessoas, ela está carregada de um certo hálito sonoro, e, de certa forma, o violão induz o ritmo do baixo, da bateria, enfim, da canção. Desta vez, tentei um outro tipo de amostragem, sem o auxílio do instrumento, para garantir um frescor na autoralidade de cada um da banda”, conta ele. “Evidentemente, em algumas eles me pediram: ‘Ah, nessa vai ter que tocar!’ (risos) Mas no momento de passar a canção e buscar caminhos e estímulos, se as palavras e sons não capturassem a alma da música, a gente ia atrás de outras palavras e outros sons.”

Apesar de todo o material físico e digital do projeto conter somente inéditas, o show passeia por canções já conhecidas pelo público, mas não por acaso, como explica Lenine. “Para ser bem honesto, todas eu pincei pela sua capacidade de se adaptarem ao universo de ‘Em trânsito’. Mas evidentemente sei que há um público que vai ao show querendo cantar ‘Paciência’, ‘Jack Soul Brasileiro’, ‘Leoa do Norte’, entre outras, então faço um bis generoso. Mas o relevo do show é aquele: ‘versão sem cortes do diretor’ (risos)”, brinca ele. Dentre as faixas novas e carregadas de contemporaneidade e inquietação, destaca-se “Intolerância”, tema tão urgente em tempos de comentários odiosos em qualquer espaço virtual. “Essa famigerada senhora intolerância é a grande frequentadora de todo o universo digital, e, sob a égide dela, muita gente propaga besteiras gigantes, uma raiva, um ranço… São avatares, pessoas que não são elas mesmas, mas na verdade são. E nestes espaços elas elas permitem se mostrar com a face da intolerância, que reina no mundo. O que nos falta é afeto.”

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Se no mundo faltam, de fato, afetos, eles abundam quando Lenine fala sobre o show em Juiz de Fora. “Em todo lugar que vou, sinto uma parte significativa de pessoas de quem eu cheguei perto da alma, e ali se dá uma cumplicidade de compreensão de mundo, algo que vai se espraiando, e quando volto, como será em Juiz de Fora, vejo que isso foi se espraiando e tocou outras pessoas. Nunca fui balão de encher e estourar, fui acumulando o repertório que fiz ao longo da vida. E agora tem a ansiedade bacana de o pai mostrar o filho novo para o mundo, engatinhando com novas pernas, são novas emoções que estou sentindo, de ver isso acontecer e reverberar.”

Lenine “Em Trânsito”
Nesta sexta-feira (8), às 21h30 (abertura da casa às 20h30), no Cine-Theatro Central

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