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O sambista juiz-forano Geraldo Pereira está entre os centenários de 2018

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Sambista nascido em Juiz de Fora e radicado no Rio de Janeiro deve ganhar homenagens da Banda de Ipanema, de grupos teatrais cariocas e da Velha Guarda da Mangueira, sua escola do coração. (Foto: divulgação)

No mesmo março em que o mundo descobriu a potente Gripe Espanhola, o advogado e conselheiro do Império Rodrigues Alves elegeu-se pela segunda vez como presidente da República, mas não assumiu, acometido pela pandemia europeia. Naquele 1918, chegava ao fim a Primeira Guerra Mundial; nevava, pela primeira e única vez, em São Paulo; fazia seu primeiro desfile o bloco carioca Cordão do Bola Preta, e nascia, no dia 23 de abril (Dia de São Jorge), em Juiz de Fora, Geraldo Teodoro Pereira. Um século depois, o compositor de “Falsa baiana” (“Baiana que entra no samba e só fica parada/ Não samba, não mexe/ Não bole nem nada/ Não sabe deixar a mocidade louca”), “Sem compromisso” (“Você só dança com ele/ E diz que é sem compromisso/ É bom acabar com isso/ Não sou nenhum Pai João”) e muitos outros, continua sendo cantado e gravado aos quatro cantos do país. No ano de seu centenário, o sambista ganha os holofotes homenageado pela famosa Banda de Ipanema, reverenciado como tema de dois espetáculos teatrais cariocas e do novo DVD da Velha Guarda da Mangueira, agremiação do morro onde Geraldo chegou aos 12 anos.

“Ele era artista desde pequeno”, conta o sobrinho-neto Valmir Araújo, conhecido como Professor Araújo, neto de Manoel, irmão mais velho de Geraldo. Também mineiro, o primogênito dos quatros filhos de Sebastião e Clementina transferiu-se, no mesmo ano em que o sambista nasceu. Pouco a pouco, construiu um império. Quando toda a família desembarcou no Rio de Janeiro, Manoel já tinha um armazém e 43 casas de aluguel. “Meu avô queria que o Geraldo assumisse os negócios, o que acabou gerando uma problemática”, comenta Valmir, referindo-se ao comportamento malandro tão impresso nas canções do homem que, em apenas 37 anos, escreveu mais de 300 músicas.

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“A realidade dura da vida diária de favelado, ele a enfrentava com sua habilidade nata de fazer sambas, particularmente o chamado samba de morro que ele intuitivamente produzia e no qual viria a ser o marco mais alto do samba sincopado, prenúncio quase da Bossa Nova que alguns anos depois (1958) seria criado na Zona Sul”, analisa o pesquisador Francisco Duarte Silva, autor de “Um certo Geraldo” (1984), em texto para o projeto Almirante, da Funarte, que em 1984 registrou algumas de suas canções na voz de Pedrinho Rodrigues e Bebel Gilberto, filha do cantor e compositor, que sempre reverenciou o sambista juiz-forano. Segundo o último levantamento produzido pelo Ecad, “Falsa baiana” é a quarta música interpretada por João Gilberto mais executada no país.

Bom de samba, bom de briga

Motorista dos caminhões de limpeza urbana do Rio de Janeiro, o artista com fama de brigão – em 1955, foi golpeado por Madame Satã na Lapa, o que o levou para o hospital, onde morreu vitimado por uma hemorragia intestinal – notabilizou-se pelo respeito que sempre o cercou. “O samba dele era leve e cheio de divisões ritmicas, isso sempre me chamou atenção. Ele não tinha consciência disso, mas foi um inovador na música popular brasileira na década de 1940”, declarou João Gilberto para o livro “Um certo Geraldo”. Segundo o crítico musical Mauro Ferreira, os 60 anos da Bossa Nova, também completados em 2018, podem eclipsar uma merecida homenagem ao sambista que inspirou o gênero.

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Para Valmir Araújo, a importância do tio-avô é proporcional ao seu desconhecimento em meio às novas gerações. “Acho que ele foi esquecido, como vários outros compositores de nossa música. Basta ouvir as rádios, que não citam os compositores quando apresentam uma música. Isso é cultural na música”, lamenta. “Ele ainda é bastante gravado, porque suas músicas, além de serem fáceis de cantar, são fáceis de tocar”, destaca o homem que toca o Centro de Artes Geraldo Pereira. “Minha ideia sempre foi manter a memória dele viva. Quando me formei em história, me tornei pesquisador da música popular brasileira e, em 2003, fundei o centro, para criar música, teatro e oferecer reforço escolar. Hoje estamos no Morro de Mangueira, dividindo espaço com outra instituição, mantendo um espaço cultural, uma rádio digital e produzindo um documentário que queremos lançar no ano do centenário”, observa Valmir, referindo-se ao longa-metragem com entrevistas com Ricardo Cravo Albin, o sambista Delegado, familiares e conhecidos de Geraldo.

“Ainda queremos incluir gravações em Juiz de Fora, mas por falta de dinheiro não conseguimos concretizar”, comenta o familiar do sambista, que nunca esteve na cidade que, por sua vez, ainda não tem nenhum evento programado para homenagear um de seus sambistas mais reconhecidos. “Geraldo Pereira é um ícone do samba, está num patamar muito alto, mas não atuou na cena do samba juiz-forano. Como foi embora muito cedo, a carreira dele foi toda feita no Rio de Janeiro”, justifica o também sambista e pesquisador Roger Resende, que rotineiramente inclui canções de Geraldo em seu repertório.

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Eruditos homens e mulheres seculares

O mesmo 1918 que chorou a morte do tenista e aviador francês Roland Garros e do poeta brasileiro Olavo Bilac também vibrou com o nascimento de figuras importantes como o cineasta sueco Ingmar Bergman, considerado um dos principais nomes do cinema mundial. Reverenciado em 120 eventos organizados pela fundação que leva seu nome, Bergman será tema de ciclos de cinema, produções teatrais, livros e documentários. No Brasil, a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo reserva debates e exibições especiais sobre o cineasta morto em 2007, dentre os dias 1º e 30 de outubro. Editor-chefe dos Cahiers du Cinèma, publicação que ditou os rumos da Nouvelle Vague, o crítico André Bazin também completaria um século de vida no próximo 18 de abril, não fosse a prematura morte em 1958. Atriz conhecida por protagonizar dramas como “Salomé” e “Gilda”, a bela Rita Wayworth, morta no mesmo ano em que o ator de musicais Robert Preston, também centenário, será tema de homenagens em Hollywood e na Broadway.

Atriz negligenciada pelo tempo, Sônia Oiticica, a primeira brasileira a interpretar a Julieta de William Shakespeare e uma das principais “musas” de Nelson Rodrigues, tem em 2018 sua chance de, mesmo postumamente, ter reconhecida sua carreira no cinema e no teatro brasileiros. Da mesma forma, Castro Gonzaga, o Zico Rosado de “Saramandaia” e o homem que dá voz ao Popeye no Brasil, completaria um século de vida este ano. Personagem popular no México e no Brasil, Jaiminho, o carteiro da vila do Chaves volta à cena em 2018, ano do centenário de seu intérprete, o ator Raúl Padilla, conhecido também como “El Chato”.

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Na música, Jacob do Bandolim, autor de “Alvorada”, “Doce de coco” e choros inesquecíveis, tem os festejos de seu centenário concentrados no instituto que leva seu nome. Parceiro de Pixinguinha, Elizeth Cardoso e outras figuras fundamentais para a escrita da música popular brasileira, o músico nascido em 14 de fevereiro de 1918 e morto em 1969 tem, este ano, seu legado revitalizado com a inclusão do violonista João Camarero no grupo Época de Ouro, do qual foi fundador.

Alvo de imbróglio entre Governo Federal e família – que não aceitou os pedidos do Poder Público para celebrações -, Jango deve ter seu centenário comemorado apenas em 2019, já que existem divergências em relação ao seu registro de nascimento. No entanto, algumas atividades independentes já devem começar este ano, como o espetáculo “Jango: Uma Tragédya”, que estreou essa semana, em Salvador. Último militar a governar o país durante a ditadura militar, João Figueiredo, cujo centenário de vida completar-se-ia no próximo dia 15, não despertou grandes realizações. Por sua vez, Nelson Mandela, que em 18 de julho faria 100 anos, tem seu legado reconhecido em inúmeros eventos mundo afora, parte deles organizada pela fundação que leva seu nome. Realizada antes da reunião anual de líderes, em setembro, a “Cimeira da Paz Nelson Mandela” é a forma como a Assembleia-Geral da ONU decidiu festejar o centenário, reunindo discursos de altos responsáveis da ONU, da Comissão da União Africana e de Estados-membros.

Por muito pouco tempo, Antonio Candido sopraria as velinhas de sua festa de 100 anos, no dia 24 de julho de 2018. Morto no ano passado, o escritor e crítico literário terá seu centenário comemorado pela Academia Mineira de Letras e também pela Academia Brasileira de Letras, para a qual foi convidado seguidas vezes, todas recusadas com a gentileza e delicadeza que lhe eram peculiares. “Antonio Candido foi uma das maiores referências intelectuais do Brasil. São de indiscutível envergadura suas contribuições para o entendimento do país, de sua literatura e do fenômeno literário. Foi um notável professor de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP”, escreveu o acadêmico Celso Lafer para a Folha de S.Paulo, em ocasião da despedida do intelectual.

Do choro às palmas

O mesmo 2018 que recorda, vergonhosamente, a morte com um tiro no peito do estudante de 16 anos Edson Luís de Lima Souto, no restaurante Calabouço, no prédio da UNE, no Rio de Janeiro, lembra, com orgulho, da inauguração do prédio do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, na Avenida Paulista, que contou com a ilustre presença da Rainha Elizabeth II. Ano de grandes violências, como as bombas que explodiram na porta do jornal “O Estado de S. Paulo” e na entrada da Bolsa de Valores de São Paulo, 1968 guarda consigo a assinatura do Ato Institucional nº 5, o AI-5, repleto de censuras, mas também a realização da Passeata dos Cem Mil, uma das mais potentes manifestações contra o regime militar. Título de um dos mais icônicos livros de Zuenir Ventura, “o ano que não terminou” viu a morte do ativista Martin Luther King e assistiu ao nascimento do ator norte-americano Will Smith, que completa meio século de vida, portanto.

Dos 60 aos 90

Se estivesse vivo, Cazuza, por sua vez, completaria 60 anos em 2018, idade a que também chegam os atores Cássia Kiss (6 de janeiro), Maitê Proença (28 de janeiro) e Edson Celulari (20 de março) e o ex-jogador de basquete Oscar Schmidt. A casa dos 70 atinge a jornalista Marília Gabriela (31 de maio), os músicos Alice Cooper (4 de fevereiro), Cat Stevens (21 de julho), Robert Plant (20 de agosto) e Ozzy Osbourne (3 de dezembro), além do escritor norte-americano George R. R. Martin (20 de setembro). Já o jornalista Jô Soares (16 de janeiro), a escritora Lya Luft (15 de setembro) e o poeta Francisco Alvim (9 de outubro), bem como o cantor e compositor Martinho da Vila (12 de fevereiro), o cantor Agnaldo Rayol (3 de maio) e o humorista Juca Chaves (22 de outubro) completam oito décadas de estrada no mesmo 2018 que aplaude os 90 anos que fariam o escritor Gabriel Garcia Marquez, o compositor Ronaldo Bôscoli e o multiartista Andy Warhol.

 

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