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Lei que permite donos de imóveis tombados transferir o direito de construir ainda não foi aplicada em JF

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Sancionada pelo então prefeito Bruno Siqueira, em 2017, a Lei Complementar nº 065/17, que permite aos proprietários de imóveis tombados negociarem o potencial construtivo para empreendimentos em diferentes terrenos em Juiz de Fora, segue como uma boa ideia que não se tornou realidade mais de um ano depois de regulamentada durante a gestão da prefeita Margarida Salomão, em agosto de 2021. Mais conhecida como a lei de Transferência do Direito de Construir, ela tem o objetivo de substituir a Lei nº 9327/98, apelidada como Lei de Transferência do Potencial Construtivo, que passou quase duas décadas sem que nenhum proprietário conseguisse se beneficiar dela.

A princípio, a razão de ser da lei tem um objetivo mais que justo: recompensar, de alguma forma, os proprietários de imóveis tombados que não podem utilizar os terrenos onde eles se encontram para outros empreendimentos, como a construção de edifícios, negociando frações do potencial construtivo desses terrenos para outros empreendimentos. Se beneficiado pela lei, esse proprietário usaria os valores obtidos em três etapas, que são, pela ordem: apresentação de projeto para reforma e/ou restauro do imóvel; realização das obras; e uso para fins diversos.

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Até o momento, porém, a situação não mudou, e a preservação desses bens segue exclusivamente por conta dos donos dos imóveis. A Tribuna enviou uma série de perguntas para a Prefeitura, via Funalfa, a respeito da aplicação da lei. Em resposta, a Funalfa enviou uma nota em que diz que “A lei complementar nº 65 de 25 de julho de 2017 foi regulamentada em agosto de 2021 pelo Decreto nº14.713. Com a regulamentação foi possível verificar que a lei trazia um fluxo complexo e burocrático, que dificultaria o acesso das pessoas à aquisição do potencial construtivo. Atualmente temos um GT (Grupo de Trabalho) da Prefeitura de Juiz de Fora para ajustar essa lei e o decreto, visando a concretização do uso da Transferência do Direito de Construir.”

Idealizador do projeto

Responsável por fazer a proposta da atual lei sobre a transferência de potencial construtivo – que precisava, segundo ele, se adequar às transformações urbanas sofridas no período -, o arquiteto e urbanista Jorge Arbach ressalta a importância e a necessidade do tombamento como mecanismo eficaz para a preservação do acervo arquitetônico da cidade, “contribuindo efetivamente para a preservação das nossas referências culturais e históricas”. Ao mesmo tempo, ele pontua que a aplicação do instrumento de tombamento de imóveis com a finalidade de efetivar valores coletivos “sempre se revelou para os proprietários como um ato lesivo, por se tratar juridicamente de uma restrição parcial do direito de propriedade.

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Ou seja, enquanto é dada permissão para que os demais cidadãos disponham de seus imóveis da maneira que atenda seus interesses, contrariamente, para aquele a quem é decretado o tombamento não lhe é dada tal permissão, caracterizando-se como uma desapropriação sem compensação. E, justamente por haver o cerceamento do seu direito de construir é que lhe é oferecido o benefício da transferência do potencial construtivo.”

Também professor convidado da faculdade de arquitetura da UFJF, Arbach diz que se mobilizou por anos para divulgar e despertar o interesse dos proprietários pela antiga lei de Transferência do Potencial Construtivos, que acabou nunca sendo usada. Ao perceber que ela não contemplava simultaneamente os principais envolvidos – proprietários, empreendedores e Poder Público -, propôs sua reformulação.

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Para Jorge Arbach, com a aplicação da Lei de Transferência do Direito de Construir, o proprietário terá condição de reverter parte dos recursos obtidos com a comercialização da transferência em favor da restauração do imóvel (Foto: Olavo Prazeres)

E como funciona?

Quando um bem imóvel é tombado, não se trata apenas da preservação de um pedaço da história e cultura para as atuais e futuras gerações. O arquiteto destaca que ele também serve para o controle da ocupação do espaço urbano. “Quando ocorre uma demolição, o local passa a ser ocupado com sua capacidade construtiva máxima, conforme diretrizes contidas na Lei de Uso e Ocupação do Solo.”

Entretanto, isso deixa os proprietários com um problema em dose dupla: conservar o imóvel com suas características originais – a princípio com recursos próprios – e sem poder comercializar o terreno onde se localiza e, por consequência, seu potencial construtivo. Com a lei de Transferência do Direito de Construir, o potencial total de construção daquele local passa a ser fracionado (e negociado) em até 20% para cada novo empreendimento em diferentes terrenos dentro do espaço urbano.

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Para entender como funciona o mecanismo, recuperamos um exemplo apresentado pelo próprio Jorge Arbach e utilizado em uma matéria da Tribuna em agosto de 2017. No caso, trata-se de um edifício tombado no Bairro Granbery, cuja área total do terreno é de 600m² e que teria potencial construtivo de 1.320m². Esse total pode ser negociado totalmente ou de forma fracionada para novos empreendimentos. Em um empreendimento hipotético de mil metros quadrados, por exemplo, poderia ser acrescentado mais 200m² – dentro da porcentagem máxima de 20% que podem ser negociados para um novo empreendimento.

E como se daria a utilização desse potencial construtivo? De acordo com a lei, são três as etapas: na primeira, o proprietário pode negociar 35% do potencial construtivo (no caso do edifício do Granbery, 462m²) para elaborar projeto e realizar algumas melhorias; se o projeto fosse aprovado, outros 462m² do potencial para a realização das obras necessárias; e os 30% restantes (392m²) para outros fins quando a obra fosse concluída.

Contrapartidas e benefícios

“Essa lei não se detém diretamente aos aspectos relacionados de reconstruções ou descaracterizações. É uma lei que tem como objetivo compensar o proprietário pelo tombamento”, destaca o professor sobre as contrapartidas que o dono do imóvel pode desfrutar. “O que vínhamos testemunhando era a tendência à degradação lenta dos imóveis tombados por falta de recursos dos proprietários para sua plena e correta preservação. Porém, com a aplicação desta lei o proprietário terá condição de reverter parte dos recursos obtidos com a comercialização da transferência em favor da restauração do imóvel.”

Ele aponta, ainda, os benefícios para a cidade como um todo. “Considero a regulamentação desta lei um coroamento da política pública para a preservação do patrimônio cultural desta cidade. É resultado de um processo que vem se consolidando lentamente nas últimas décadas”, diz. “Era necessário um mecanismo jurídico garantidor para fazer frente à sanha de empresas sedentas por demolições, e com a adoção desta lei desaparece para o proprietário o temor pelo tombamento. Com o decorrer do tempo, ao assimilarem seus benefícios, outros proprietários se interessarão em solicitar o tombamento do seu imóvel.”

Falta agilidade?

Jorge Arbach torce para que a Lei de Transferência do Direito de Construir seja aprimorada com o decorrer de sua aplicação, e elogia a atual administração municipal por reconhecer – segundo ele – que a regulamentação da lei não implicaria em perda para a cidade. “Pelo contrário, sua aplicação permitiria que o Poder Público avançasse nas medidas estimuladoras da preservação e entendeu que a regulamentação possibilitaria aos proprietários arcarem com os custos de reforma, restauração e manutenção, e que o impedimento da adoção deste benefício seria um ato contra o bem patrimonial e cultural do município. Agindo desta maneira, o Poder Público passaria a acolher o proprietário como parceiro nas políticas de preservação.”

Todavia, ele destaca que é preciso agilidade para que a lei não fique apenas no papel. “Já começamos a nos deparar com conflitos, como o drama de proprietários sem recursos que são obrigados a manter e preservar suas propriedades, e como outros de caráter institucional que pressionam o Poder Público reivindicando o destombamento”, alerta, indicando que a cidade pode se deparar com três situações num futuro próximo.
“A primeira é o arruinamento de imóveis já tombados nas situações em que os proprietários não possuem condições financeiras para a manutenção. A segunda é a demolição daqueles imóveis que ainda não foram tombados e que necessitam ser preservados. E a terceira situação, a mais lastimável, são os pedidos para os destombamentos, o que poderá criar um precedente que abrirá a porteira para outros pedidos.”

 

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