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Ciclos artísticos

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Janaina Morais abre a mostra “Meu corpo, meu sangue”; projeto inclui também reflexões na internet sobre a importância do autoconhecimento do corpo feminino

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O trabalho de Janaina Morais sai de dentro. De dentro do útero. De dentro da íntima compreensão de mundo. O sangue que lhe indica a vivacidade de seus ciclos reprodutivos é o mesmo que entrega à água, à porcelana e ao leite. O líquido que resulta do objetivo processo de descamação de suas paredes uterinas torna-se subjetividade, abstração. Da própria menstruação Janaina faz a arte que também é panfleto. “O sangue é muito poderoso. É bem complicado trabalhar com ele ao longo de muito tempo. Por um dia inteiro é difícil, tem uma carga simbólica muito grande”, comenta a autora de “Meu corpo, meu sangue”, projeto incentivado pela Lei Murilo Mendes, dispositivo de incentivo cultural da Funalfa, e envolve a exposição de fotografias e material reflexivo (em publicações na internet) acerca da importância do autoconhecimento do corpo feminino.

“É uma vivência individual, mas uma questão coletiva, social e política, que envolve questões ligadas ao feminismo, ao gênero”, destaca a artista visual. “Antes de existir a consagração da medicina, o conhecimento em relação ao corpo das mulheres estava com as próprias mulheres, benzedeiras e parteiras. depois que a medicina foi institucionalizada, o Estado e a Igreja monopolizaram esse conhecimento, impedindo práticas como as da benzedeiras e parteiras, consideradas marginais. Isso criou um distanciamento: o médico detém o conhecimento, te medica e você não acessa outras opções. A ginecologia autogestiva surge com os grupos feministas das décadas de 1960 e 1970 e é uma retomada da mulher em relação aos seus corpos. Não é uma questão de abandonar o ginecologista, mas aliar-se a ele. Porque cada corpo é único”, explica a artista visual, que abre exposição nesta quinta, 6, às 19h, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, e oferece oficina sobre o tema no próximo dia 23, no Espaço Oandardebaixo (Rua Floriano Peixoto, 37 – Centro).

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“O poder emancipatório que existe no autoconhecimento é da mesma natureza do poder transformador que existe na arte”, aponta a curadora da exposição Ludimilla Fonseca. “Isso me acessou diretamente enquanto mulher/corpo menstruante. Minha saúde (física e emocional) é outra depois deste projeto. Brinco (falando seríssimo), que a Janaina é uma artista que mostrou, para a curadora, a cura. Nada menos que isso. Nós não precisamos de pílula, de absorvente, de sutiã, de remédio para TPM e não sei mais o quê. Precisamos de informação, de conhecimento e respeito”, acrescenta.

Bandeira vermelha

Autônomas esteticamente, as imagens de Janaina impactam justamente por reverenciar o belo utilizando-se do “feio”. O flerte desconcertante é proposital, afinal, mais do que o conforto da beleza cênica, a artista persegue um discurso panfletário. Hastea sua bandeira em “pinturas” quase românticas. Seu processo, nesse sentido, completa a cena. “Uso coletor menstrual, que é uma alternativa mais ecológica, feita em material siliconado (é como um bico de mamadeira em formato de copinho), que coleta todo o líquido. Quando tiro, meu sangue está in natura. Depois trabalho em diversas superfícies”, conta. “Vou criando. É algo que não penso muito, bem instintivo. Quando acho que está pronto, fotografo. Só trabalho durante meu ciclo menstrual, que é o momento que tiro para ficar tranquila comigo mesma.”

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“Ao nos obrigar a olhar e lidar com a menstruação, a ‘arte cíclica’ faz com que nós repensemos o significado de tudo isso – não apenas sobre como o nosso corpo funciona, mas sobre como a sociedade está (des)organizada, como ela é opressiva e excludente”, discute a curadora Ludimilla, para logo completar, em tom de batalha: “Minha forma fisiológica não pode ser o que determina minha existência no mundo. Quando olhamos para as fotos da Janaina, não vemos nojo, sujeira, doença, fragilidade. Tudo o que vemos é beleza, é força, é impacto. Menstruação é isso.”

Seu sangue já coloriu frutas, flores e diversos outros materiais. Para o exercício utiliza-se de spray, conta-gotas, pincel ou até formas de congelamento, dando diferentes formas ao material de um vermelho absoluto. Nojo, segundo ela, é questão de uma percepção que abrange questões outras. “É bem difícil se libertar disso. Mas depois que comecei a produzir com o sangue, mudou muito minha visão. Hoje acho a coisa mais maravilhosa do mundo. As pessoas acham que sangue tem um cheiro ruim, mas, na verdade, ele não tem nenhum odor, só de sangue mesmo. O cheiro ruim entra num outro processo, ao tomar contato com o ar”, explica ela, jornalista com pós-graduação em antropologia e artista por um encantamento desses a que não se explica facilmente.

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Ovário policístico

“Ainda muito nova fui diagnosticada com a Síndrome do Ovário Policístico (distúrbio que dilata os ovários. e cria pequenos cistos em sua parte externa), cujo tratamento é feito, majoritariamente, com anticoncepcional. Depois de dez anos, resolvi questionar o uso da medicação. Então, conheci muitas mulheres que conseguiram substituir o remédio por um outro método. Nesse meio conheci a arte menstrual”, diz Janaina, citando a argentina Juliaro e seus desenhos sobre papel cheios de poesia, e a norte-americana Jen Lewis com suas fotografias conceituais feitas com o próprio sangue. “A primeira fotografia que fiz foi com o celular. A cada ciclo que eu tinha, novas ideias surgiam. Consegui ressignificar minha relação com a menstruação, que deixou de ser aflição e tornou-se prazer.”

No site criado para o projeto (https://meucorpomeusangue.wordpress.com/), Janaina fala de sangue e de sexo. Temas que se relacionam, ao contrário dos corpos, que preferem não se relacionar com o líquido que compõe os próprios corpos. “O ciclo menstrual é um conjunto de fases. Estar ligada e conhecer seu corpo, tendo uma boa relação com sua menstruação, modifica muito a relação com sua sexualidade. O fato de não se relacionar bem com os fluidos corporais faz com que não haja um envolvimento autêntico com seu corpo e o de outra pessoa”, diz, sem filtros, certa de que tabus existem para ser quebrados. De acordo com ela, lidar bem com os próprios ciclos indica harmonia para com a delicadeza da maternidade e a aspereza da menopausa.

Numa performance que abre a mostra, Janaina, acompanhada por tambores mineiros, aborda a expressividade do corpo. O corpo fala. Chamando atenção para o próprio corpo, a artista inaugura não apenas suas fotografias com muito mais que 50 tons de vermelho, mas, também, um espaço interativo. “Trata-se de uma parede branca para que os espectadores possam escrever. Faz uma referência a um cômodo doméstico de uma casa, que é o lugar onde melhor lidamos com nossa menstruação”, pontua, querendo dizer que o sangue também fala.

MEU CORPO, MEU SANGUE

Abertura da exposição nesta quinta, 6, às 19h. Visitação de terça a sexta-feira, das 9h às 21h, e sábados e domingos das 10h às 18h. Até 30 de outubro.

Centro Cultural Bernardo Mascarenhas

(Avenida Getúlio Vargas 700)

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