Foi num 7 de setembro, há 196 anos, que o futuro imperador Dom Pedro I deu o grito que sacramentou a independência do Brasil. Nestes quase dois séculos, aconteceu de tudo um pouco no país, e muitas vezes a situação só piorou, como temos observado nos últimos cinco anos. É crise política, econômica, social, ética, a volta da intolerância e a defesa do autoritarismo. Justamente nesses momentos, a voz dos descontentes precisa falar mais alto, e aproveitando a data simbólica acontece nesta sexta (7), a partir das 17h, na Cervejaria Golem, no Santa Terezinha, a mais recente edição do Circuito Cultural Punk, com o apropriado subtítulo “Grito dos excluídos”.
São oito bandas mostrando o que têm a dizer, indo dos problemas políticos e sociais à própria condição humana: Poetisa Dissecada, Dekradi, Subefeito, Tio Pankas (Barbacena), Devaneio (Ubá), Sangue nos Olhos, Ghoró HC e Fulggore.
Um dos responsáveis pela organização do Circuito Punk é Davi Ferreira, da Subefeito, e explica a urgência em relação ao retorno do evento.”O Cássio (Arbex, principal organizador) aproveitou o feriado e o que ele representa. Fala-se muito em nacionalismo nesse dia, muitas vezes de forma fanática. Acho que temos que nos afirmar como brasileiros, afinal de contas vivemos aqui. Só que o nacionalismo exagerado esbarra em um certo moralismo, com a afirmação de que ‘nós estamos certos e ponto’. Acho que isso não é nacionalismo, é estupidez. Para melhorar a vida do povo brasileiro, devemos justamente acabar com ela. Uma das formas seria investimento em educação, mas o governo não o faz. Educação no Brasil é uma piada. Outra forma é mudar a cabeça das pessoas. Podemos fazer isso através da cultura. É isso que motiva a realização do Circuito Cultural Punk, apontar para os problemas que eles querem esconder. Denunciar. Protestar. Incentivar as pessoas a lutarem pelos seus direitos, por uma vida digna, por um mundo melhor. Reagir!”
O desejo de ser uma das “vozes da razão” encontra na internet um veículo para ampliar o discurso, porém isso também vale para os que propagam ódio, intolerância, preconceito. Para Davi, isso não significa que você será necessariamente ouvido, para o bem ou o mal. Por isso, ele aponta que a indústria cultural continua a ser o grande inimigo dos contestadores, uma vez que ela já teria se adaptado aos novos tempos digitais.
Ainda que o cenário não seja alentador, o importante é resistir. “O punk, sem dúvida, é uma das válvulas de escape da revolta dos tempos em que vivemos. É um protesto de viés cultural e apolítico: as pessoas expressam a sua indignação na arte. Acredito que outros movimentos também estão crescendo com a indignação das pessoas. A maioria desses movimentos tem boas intenções e querem melhorar a sociedade. Porém, infelizmente, indignação e ignorância são próximas. Observo que a revolta também tem alimentado em certa medida movimentos bizarros e de má índole, como os ‘nacionalistas’ que mencionei.”
Quanto ao Subefeito, o grupo realiza no Circuito Punk o segundo show com a nova baterista, Fabíola Martins (também voz de apoio), que se juntou a Davi (vocalista e guitarrista) e Roni Souza (baixo e backing vocals). Além disso, a banda trabalha na produção de um novo videoclipe em animação, previsto para o primeiro semestre de 2019.
Estilos diferentes, mas todos engajados
Entre as outras bandas que também participam do evento desta sexta, duas são de fora, a Devaneio, de Ubá, e a Tio Pankas, que sai de Barbacena para tocar pela primeira vez na cidade. Em atividade desde 2009, ela conta atualmente com dois membros fundadores, Delley (vocais) e Vini (guitarra), além dos novatos Júlio Macflai (baixo) e Guara (bateria), que entraram em 2017. O único registro oficial do grupo é o single “Só rolê”, mas atualmente encontram-se em estúdio preparando seu primeiro EP, que terá cinco músicas.
A oportunidade de se apresentar em Juiz de Fora anima Delley, que destaca a importância do evento num momento em que é difícil encontrar espaço para as bandas mostrarem seu trabalho. “Não existe ajuda, só banda ajudando outra banda e se fortalecendo cada vez mais. O que tem muito (por aí) são parasitas que sugam nosso dinheiro o tempo todo”, critica. “Mas acredito que o movimento nunca vai acabar, porque a cada porta na cara ficamos mais fortes.”
As outras atrações são locais. A Sangue nos Olhos, em atividade desde 2010, perdeu o guitarrista carioca, e por isso subirá ao palco em dupla, com Fabrício na guitarra e vocal e Max se garantindo na bateria. Já a Poetisa Dissecada também mostra sua nova formação. Cassiano J. Oliveira (guitarra) e Yugh Pereira (teclado) acompanham os remanescentes Júlia Amorim (baixo), Eduardo Vianna (bateria) e Bira L. Silva (vocal). Os cinco já trabalham em composições para o sucessor do álbum “Morte absoluta” e vão aproveitar o Circuito Punk para apresentar uma integrante da nova leva, “Véu de Chorume”.
“Ela fala um pouco sobre a ilusão da superioridade humana, que rasteja sobre esse planeta ignorando o peso da própria ruína” adianta Bira, que destaca a realização do evento no contexto atual, e próximo do pleito de 7 de outubro. “Nosso cenário político está cada vez mais perigoso. Somos pessoas alternativas em um país onde os direitos individuais estão gritando por socorro, o fascismo está crescendo e ganhando força de forma cada vez mais evidente. Então, eu vejo o Circuito Punk não apenas em seu aspecto cultural (ou subcultural) com músicas, zines e tudo que estará presente no dia, mas também como uma ação antifascista que não poderia estar vindo em hora melhor. Espero que as pessoas compareçam, deem valor, e que as bandas possam transmitir isso em um grito único e bem forte.”
Na ativa desde 2013, a Dekradi já lançou três CDs e prepara um quarto trabalho, que pretendem lançar ainda este ano, além de participações em coletâneas. Todas as músicas podem ser conferidas no canal do Dekradi no YouTube, algumas disponíveis para download. Em breve, toda a discografia chega aos serviços de streaming. Formada por Juarez (vocais), Felipe (guitarra), Fabíola (bateria) e Túlio (baixo), a banda define sua sonoridade como street punk, com letras antifascistas contra posicionamentos de extrema-direita e ultranacionalistas.
“Temos ideias anarquistas e libertárias que não são ligadas a partidos. Não achamos legal ser vinculados à esquerda, que somos comunistas, não somos propriedade estatal”, diz Juarez. A ideia do antifascismo é combater racismo, homofobia etc. É importante conscientizar as pessoas sem ser ofensivo.”
Homem à frente do Circuito Punk, Cássio Arbex também sobe ao palco com sua banda, a Ghoró, promovendo o crossover do punk com reggae e hardcore. O grupo ainda não entrou em estúdio, mas a ideia é ter a oportunidade de registrar suas canções de protesto no próximo ano. “O punk está na nossa essência, nascemos e fomos moldados assim. Mesmo que sejamos pais de família (a esposa de Cássio está grávida do terceiro filho, o que ajudou na decisão de não entrar em estúdio ainda), o punk vai morrer com a gente. E sempre haverá alguém que vai se identificar (com o gênero), assim como eu, quando adolescente, me influenciei com Ramones, Nirvana, Ratos de Porão e tantos outros.”
CIRCUITO CULTURAL PUNK – GRITO DOS EXCLUÍDOS