Parece que foi há muito tempo atrás, mas passaram-se apenas cinco anos de um dos momentos mais importantes da história recente do Brasil: os protestos de junho de 2013, que mobilizaram milhões de pessoas para protestar contra (quase) tudo que aí está. O tempo passou, os protestos foram se encerrando aos poucos, o comodismo voltou a ser a regra, e o país parece estar pior do que antes. Desta vez, porém, sem qualquer tipo de mobilização que sequer tenha um décimo da força do evento que reacendeu, por breves semanas, a esperança de um Brasil melhor.
A memória e os exemplos do movimento, porém, não podem e não devem ser esquecidos. E é para lembrar a capacidade de mobilização de um povo que o fotógrafo Luciano Lima Jr. está com a exposição “Ação do instante” no Memorial da República Presidente Itamar Franco. São 21 fotos, dentre as cerca de mil imagens feitas por ele, dos protestos acontecidos em Belo Horizonte — sua terra natal e onde morava até recentemente — nos dias 17, 22 e 24 de junho de 2013, que reuniram milhares de pessoas com as mais diversas reivindicações.
A exposição apresenta imagens — coloridas e em preto e branco, sendo estas a maioria — marcantes, como a jovem que parece desafiar um policial militar; um manifestante sendo arrastado pelas forças de segurança; um mascarado em frente às chamas provocadas pela depredação de bens públicos e privados; a cavalaria da PM em ação; a tensão estampada no rosto do militar. Muitas dessas fotos foram obtidas com Luciano, muitas vezes, no centro da ação, que teve confrontos entre manifestantes e PMs, destruição de patrimônio, muitos feridos e dois jovens mortos ao caírem de um viaduto.
Percepção do momento histórico
Luciano conta que, na época, era estudante de publicidade e propaganda e trabalhava como fotógrafo em um site de corridas de rua; nunca tinha, até então, feito registros fotográfico como os que podem ser vistos na exposição. Isso mudou, porém, no dia 17 de junho de 2013, ao saber por meio de um programa jornalístico que cerca de 40 mil pessoas estavam concentradas na Praça Sete e que se dirigiriam para o Estádio Mineirão, palco da partida entre Nigéria e Taiti pela Copa das Confederações.
“Eu morava a cerca de dez minutos do estádio, e apesar de ser mais pacato, calado, gosto muito da adrenalina, da ação. Ao saber que havia essa multidão protestando, vi que era importante registrar e estar presente neste momento tão importante da história, só não sabia que tomaria aquela proporção. Não pensava em exposição nem nada”, conta, lembrando que encontrou os manifestantes já na Avenida Antônio Carlos, num movimento em que o tom pacífico ainda era dominante. A princípio ficou atrás da barreira formada pelos policiais.
“Mas vi que logo teria confusão, tanto que pouco depois começou o confronto”, acrescenta. De câmera em mãos, ele registrou os momentos de calmaria e, depois, já no olho do furacão, o que ele chama de “confusão generalizada”, com manifestantes arremessando objetos, pedras contra os PMs, que revidaram mas foram incapazes de conter a multidão na primeira barreira montada pelas forças de segurança.
Luciano seguiu com os milhares de manifestantes até a segunda barreira, já na Avenida Antônio Abrahão Caran, que dá acesso ao Mineirão. Houve novo confronto, mas desta vez a multidão foi contida e passou a depredar praticamente tudo que via pela frente, segundo ele. “Eles tiraram carros das concessionárias e os incendiaram. Uma dessas agências teve tanto prejuízo que não conseguiu reabrir”, lembra. “Ele depredaram ou incendiaram bens públicos e privados. O povo estava em fúria, até quem era mais pacífico foi tomado pela onda.”
Em meio à ação e fúria
Apesar dos inúmeros momentos de tensão e perigo, em que esteve à beira de ser agredido pelo policiais quando esperava até o último segundo pelo registro fotográfico ideal, Luciano afirma que faria tudo novamente, tanto que retornou para cobrir os protestos realizados em 22 e 24 de junho. “Foi um dos momentos em que me senti 100% vivo. Tinha que ficar atento, claro, para não me machucar, como aconteceu com o repórter da ‘Folha’ (Sérgio Silva, que perdeu a visão do olho esquerdo) em São Paulo ou com os jovens que morreram ao cair do viaduto em BH. Afinal, não eram apenas os manifestantes que estavam exaltados, os policiais também estavam tomados pela adrenalina e agrediram muitos fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas. Mas em muitas ocasiões eles nos pediam para sair, às vezes com hostilidade.”
Uma das estratégias para se proteger, até por estar ali por conta própria, era se juntar eventualmente com outros fotógrafos — incluindo os de diversos veículos — em pequenos grupos para que os responsáveis por conter os distúrbios não os agredissem. Mesmo assim, ele chegou se ferir levemente com um estilhaço de bomba.
Para despertar a memória
O fotógrafo lembra ainda que parou para ver as fotos apenas dias, semanas depois dos protestos. “Foi quando tomei consciência de tudo que havia registrado, mas não pensava em fazer nada específico com aquele material. Cheguei a publicar algumas fotos nas redes sociais na época e tive uma das imagens selecionadas para um exposição no BH Shopping que aconteceu ainda em 2013, com registros dos protestos em todo o país.”
O tempo passou, Luciano continuou a tocar sua vida, mudou-se para Juiz de Fora há pouco menos de dois anos. Com isso, sequer se lembrava das fotos que havia feito. Isso mudou há cerca de quatro meses: ao revirar seus trabalhos no HD, ele reencontrou as fotos e viu que era hora de fazer algo com elas. “Meu marido, Augusto Medeiros, me ajudou a selecionar parte do material, e procuramos o Mamm e o Memorial, e eles se mostraram interessados. Propusemos fazer agora, no meio do ano, por conta da Copa do Mundo, para relembrar um dos motivos das manifestações, e também porque teremos eleições já em outubro”, explica.
“Meu objetivo é fazer as pessoas pensarem sobre o que mudou desde então, pois falavam que ‘o gigante acordou’. Será que ‘acordou’ mesmo? Onde estão as pessoas para protestar, cobrar o legado da Copa, que tem várias obras inacabadas? Foi um momento histórico, em que mostramos que a Copa do Mundo não seria apenas flores, mas é preciso que todos continuem conscientes de seus papéis. Mas o povo é muito passivo, cobra do governo as mudanças, mas querem que façam tudo por eles. Não vejo como mudar saúde, educação, se as pessoas não se mobilizarem. É preciso que cada um faça sua parte, mesmo que seja nas pequenas atitudes, porque elas também servem de exemplo e influenciam outras.”
O que foram os Protestos de Junho 2013?
Desde os protestos pelo impeachment do ex-presidente Collor, em 1992, o Brasil não via protestos tão marcantes como os que marcaram o país em junho de 2013, quando milhões de pessoas, dos mais diversos posicionamentos políticos, foram às ruas mostrar sua insatisfação e cobrar dos governantes que estes fizessem aquilo para que foram eleitos: exercer o poder em nome do povo.
Ainda não havia ideia dos rumos do descontentamento geral quando tudo começou de forma tímida, em 2012, com cariocas protestando contra o reajuste das tarifas de ônibus; em 2013, as primeiras manifestações foram em Porto Alegre, Natal e Goiânia, entre outras grandes cidades, até tomar vulto em junho com os protestos em São Paulo, após o então prefeito Fernando Haddad aumentar o valor da passagem em 20 centavos.
Logo, o lema “não é apenas pelos 20 centavos” pegou Brasil afora, e milhões passaram a ir às ruas protestar contra a violência policial, corrupção, má qualidade e gestão de obras e serviços públicos, exigência de melhor educação, saúde. Era época também da disputa da Copa das Confederações, evento-teste para a Copa do Mundo de 2014, e a questão dos gastos exorbitantes com a reforma e construção de estádios entrou na pauta dos protestos, indo da exigência a menos gastos com as arenas ao famoso “Não vai ter Copa”.
De norte a sul do Brasil, passando por Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Juiz de Fora e tantas outras cidades, eram milhões que partiam para protestos pacíficos que, com o passar das horas, descambavam para confrontos violentos entre grupos de manifestantes e policiais, com episódios de vandalismo, depredação, agressões, truculência policial, cobrança de manifestações sem bandeiras políticas. As cenas de carros em chamas, lojas e mobiliário urbano depredados assustaram muitas pessoas, e com o tempo os protestos foram perdendo força.
Algumas conquistas foram alcançadas, como a redução dos preços das passagens em algumas cidades, mas muitas promessas ficaram pelo caminho. O país passou desde então por uma série de crises, tanto políticas quanto econômicas e institucionais, mas os protestos que vieram a reboque de movimentos como os de apoio ou repúdio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff nunca tiveram o mesmo tamanho, até pela divisão ideológica que criou um fosso aparentemente instransponível entre parcelas da população.
A triste sensação, cinco anos depois, é de que pouca coisa mudou para melhor, e muita para pior.
“Ação do instante”
Fotografias de Luciano Lima Júnior. Terça a sexta-feira, das 9h às 18h, sábados, domingos e feriados, do meio-dia às 18h, no Memorial da República Presidente Itamar Franco (Rua Benjamin Constant 790 – Centro). 3212-2078