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Álbum de Cazuza “O tempo não pára” é relançado com faixas inéditas

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Um dos grandes nomes da música brasileira nos anos 80, Cazuza foi dos primeiros artistas a não esconder que era soropositivo numa época em que a Aids tornava as pessoas com o vírus HIV verdadeiros párias para a sociedade. Foi nesse contexto que Cazuza realizou, em 1988, a turnê “O tempo não pára” (sim, crianças, “para”, do verbo “parar”, tinha acento), que ganhou álbum ao vivo a partir das gravações dos shows realizados no Canecão, no Rio de Janeiro, entre 14 e 16 de outubro do mesmo ano, de uma turnê que teve um total de 44 apresentações. Ainda em 1988, em dezembro, foi lançado o LP homônimo, com apenas dez das 17 músicas que compunham o repertório do show.

Pois agora, mais de 33 anos depois das antológicas apresentações, tanto quem pode dizer “eu estava lá” quanto aqueles que só conheciam o show do disco poderão ter a íntegra do espetáculo. A Universal Music lançou na última segunda-feira, dia do 64º aniversário de Cazuza, o álbum “O tempo não para – Show completo [Ao vivo no Rio De Janeiro / 1988]”, com a ordem original do espetáculo. Na mesma data foi lançado o videoclipe de “Blues da piedade”, dirigido por Barbara Coimbra.

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O trabalho, inicialmente, chegou apenas nas plataformas de streaming musical, mas a gravadora planeja lançar em breve uma versão com áudio espacial (Dolby Atmos) e uma edição especial em CD. A iniciativa marca o início das comemorações dos 65 anos do eterno “Exagerado”, que morreu em 7 de julho de 1990, aos 32 anos – por uma dessas coincidências do destino, no mesmo dia em que aconteceu o aguardado show da Legião Urbana no Jóquei Clube da Gávea, com Renato Russo dedicando a apresentação a Cazuza.

A nova versão de “O tempo não para” integra, ainda, a campanha Reviva Cazuza, de Lucinha Araújo (mãe do cantor), e da Sociedade viva Cazuza, que tem por objetivo chancelar e estimular ações em torno da obra e imagem do artista carioca.

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Nova versão de “O tempo não para” marca o início das comemorações dos 65 anos de Cazuza, em abril de 2023 (Foto: Reprodução)

Turnê que marcou época

Para marcar o lançamento do álbum ao vivo, o jornalista Zeca Camargo conversou na segunda-feira, ao vivo, pelo YouTube, com Lucinha Araújo, Ney Matogrosso (que foi o diretor artístico do show) e parte da banda que acompanhou Cazuza na turnê: o baixista Nilo Romero (também diretor musical da turnê), o baterista Christiaan Oyens, e os guitarristas Ricardo Palmeira e Luce Oliveira.

Quando questionada a respeito do que havia de especial nas apresentações que resultaram no álbum, Lucinha lembra que o filho estava em uma fase em que tinha consciência de que seu tempo era curto. “Se prestarmos atenção nas letras, vamos perceber isso. E meu filho era corajoso porque estava doente e subiu ao palco magro, e ele que era muito lindo”, diz.

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“Esse show era especial, foi o acontecimento da época. Mesmo o álbum sendo maravilhoso (com apenas dez músicas), sempre achei que ele não traduzia a força do show, foi mixado muito rápido, era para ter saído no ano seguinte”, acrescenta Nilo Romero, que sempre torceu para que os registros dos shows estivessem guardados nos arquivos da gravadora. “Conseguimos que eles achassem (o material), o que era improvável, e agora estou feliz porque as pessoas poderão ouvir o show na ordem original, com as falas do Cazuza, e assim ter um pouco mais da dimensão desse show.”

Ney Matogrosso recorda que já sabia da condição de saúde de Cazuza quando foi procurado pelo cantor para participar da concepção do que se tornaria a turnê de “O tempo não para””, e que não pensou duas vezes antes de aceitar o convite. “Fomos para um teatro alugado para os ensaios e já tinha o esquema de som e luz, pois teria que estrear rapidamente. A primeira coisa que disse foi ‘se concentra em cantar, pois a coisa mais importante em você é o seu pensamento'”, conta, aproveitando para relatar a história da primeira vez que viu Cazuza ao vivo, ainda com o Barão Vermelho.

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“Foi no lançamento do segundo disco do Barão, no Teatro Ipanema, estava sentado ao lado do Ezequiel Neves; vi aqueles garotos lindos e impressionantes e disse pro Zeca: ‘coloca esses meninos na minha mão que eu sei o que fazer com eles’, mas o Zeca nunca falou. Anos depois contei essa história para o (Roberto) Frejat (também ex-integrante do Barão Vermelho). Acabou que fiz só com o Cazuza, que, com o show praticamente pronto, chegou com uma música que disse que tinha acabado de compor e não sabia se caberia. Quando me mostrou ‘O tempo não para’, falei que era a música que tinha que encerrar o show.”

“Quando ele cantou essa música, falei: ‘que coisa linda!'”, relembra Lucinha Araújo. “Se você parar para escutar essa letra, até chora. Antes eu não entendia as letras, mas hoje, quando leio, fico emocionada.”

Álbum ampliado e lapidado

Além das sete músicas que ficaram de fora do LP original, o novo “O tempo não para” tem outras mudanças em relação ao disco de 1988. Segundo Nilo Romero, gravações de outros dias substituem algumas das faixas lançadas originalmente, e algumas músicas são mesclas de interpretações de dias diferentes; o álbum tem, ainda, falas de Cazuza que não estavam presentes no LP. “Nada foi refeito; o que fiz foi pegar pedaços de dias diferentes para viabilizar as músicas inteiras.”

E quem ouvir “O tempo não para – Show completo [Ao vivo no Rio De Janeiro / 1988]” realmente terá a impressão de que se trata de um show único, coeso, com Cazuza em um momento de grande inspiração no palco. Para os próprios músicos, a oportunidade de ouvir o trabalho minucioso de Nilo chega a ser uma “redescoberta” das apresentações, principalmente com a introdução das faixas inéditas. “Algumas coisas eu não lembrava, como em ‘A orelha de Eurídice'”, diz Ricardo Palmeira. “A gente só estava tocando na hora, nem lembrava que estava sendo gravado.” Além de “A orelha de Eurídice”, as canções que não estavam no LP e aparecem agora são “Vida fácil”, “Mal nenhum”, “Blues da piedade”, “Completamente blue”, “Brasil” e “Preciso dizer que te amo”.

Na época, havia uma expectativa enorme dos fãs quanto ao show, pois era a primeira vez que Cazuza iria se apresentar desde que havia assumido ser soropositivo. “Eu e o João (Araújo, pai de Cazuza) tentávamos protegê-lo de tudo, e quando ele nos contou que iria abrir para o Zeca que estava doente, ficamos preocupados. Mas foi uma mostra de coragem, ele falou ‘quem canta ‘Brasil, mostra tua cara’ não pode se esconder'”, diz Lucinha.

Sobre a relevância de um trabalho produzido há mais de três décadas, Ney Matogrosso acredita que “O tempo não para”, como show e disco, segue relevante. “Eu fico impressionado até hoje. Tenho a lembrança toda da turnê, desde o show de abertura no Aeroanta, e quando ouvi o álbum percebi que tinha muita qualidade. O Cazuza era reflexo do que se vivia no Brasil, ele colocava o dedo na ferida. E me chamou a atenção como ele estava cantando bem, apesar de tudo.”

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