Circulou pelas redes sociais, durante as últimas semanas, uma série de vídeos que indicavam um cenário de descaso ao acervo deixado por Santos Dumont na Casa de Cabangu, local onde o chamado “pai da aviação” nasceu, em uma fazenda distante da cidade e bem próxima da linha do trem. (O motivo disso é que seu pai, Henrique Dumont, ocupou essa casa no período em que ajudou na construção da ferrovia Dom Pedro II. Santos Dumont é o único filho que nasceu ali.) Sob responsabilidade da Fundação Casa de Cabangu, os pertences do sandumonense de nascença estão parte na residência de Oswaldo Henrique Castello Branco, jornalista e historiador que recolheu os itens logo após a morte do aviador e que resultou no museu, e outra parte na fundação.
Ao contrário do que disseminaram, no entanto, esse acervo não está dentro dos chalés em estado de deterioração. Eles estão bem guardados na sede administrativa do museu, com temperatura e luminosidade controladas. Trata-se, pois, nas imagens, de cópias desse acervo original, que foram colocados nos chalés. Esses imóveis, por sua vez, têm arquitetura nórdica, e pertencem ao terreno da fazenda, que tem, aproximadamente, 500 mil metros quadrados, e que foram construídos, exatamente, para abrigar parte do acervo e receber figuras do governo na cerimônia de entrega da medalha Santos Dumont, que acontece em 23 de outubro. Os vídeos feitos são fruto de uma suposta invasão aos chalés, uma vez que há tempos eles estão interditados sob a ameaça de caírem. A justificativa é a de que esses arquivos estão ali por falta de local, e, como não têm valor, não tem urgência de buscar nova acomodação.
Esse processo de deterioração do espaço físico da casa natal de Santos Dumont é fruto, na verdade, de anos resistindo à falta de verba. O Museu de Cabangu teve suas portas fechadas diversas vezes, principalmente, por falta de condições de pagamento dos funcionários. Desde 2019, é Sandro Vilela Damasceno o presidente do conselho executivo da Fundação Casa de Cabangu. Ele conta que assumiu o cargo logo após a necessidade de fechamento, por conta de dívidas fiscais e trabalhistas. O museu resistia apenas com uma verba da prefeitura que, no entanto, não supria todas as necessidades. Sandro, então, afirma que a primeira coisa a se fazer foi buscar mais verbas para eliminar as dívidas trabalhistas e parcelar as dívidas fiscais. “Hoje, depois de 20 anos, a Fundação tem três certidões negativas de débito, municipal, estadual e federal.”
Logo em seguida, a fundação foi surpreendida com um expediente do Ministério Público exigindo explicação do fechamento do museu. “Falamos do real motivo. Para que a fundação mantenha todo o acervo, para além do pagamento das dívidas e restauração de todo acervo, ela teria que se modernizar e criar, fundamentalmente, uma estrutura para se tornar autossustentável. Era uma exigência do Ministério Público”, ressalta.
Mas, antes de realmente iniciar esse processo de se tornar autossustentável, ou seja, não depender de verbas do governo, foi necessário “arrumar a casa”. “Hoje, nós temos a casa de Santos Dumont, que estava em condições precárias, há mais de 20 anos, inclusive sem a autorização legal de funcionamento, e que foi devidamente restaurada, mantendo o seu padrão original. Restauramos a casa, pagamos a dívida e arrumamos a telha da sede administrativa que ficou com problemas depois de uma chuva. Estamos pagando a dívida fiscal. E vamos fazer o que precisamos fazer.”
Repensar o espaço
Depois de recuperar a parte fundamental da casa, a proposta, de acordo com Sandro, é atrair ainda mais turistas de maneira a fazer com que o museu se torne autossuficiente. E, para isso, é preciso ajuda de todas as instâncias do poder público. “Restaurada a casa dele, começamos, há três semanas, as primeiras intervenções para conseguir a construção de um espaço cultural e gastronômico. Hoje a fundação não tem banheiro público, eles são da sede administrativa. Nós vamos criar esse espaço, e já tivemos autorização legislativa de R$ 1, 5 milhão, mas esse orçamento foi feito há 2 anos e meio pelos arquitetos, e o valor dobrou, mas o prefeito já se comprometeu em viabilizar o restante para que a gente possa concluir esse espaço.”
Sandro segue: “Com isso, a gente pretende criar estruturas periféricas para atrair a população. A gente quer sair da questão do museu meramente contemplativo para um museu interativo. A gente está aprendendo que o que atrai as pessoas e, mais que isso, que o que faz com que as pessoas desloquem de longas distâncias e se interessem em visitar o museu, são os atrativos periféricos. Nesse espaço, a gente quer criar esses circuitos, de shows e espetáculos, para atrair a população do Brasil inteiro. E, com isso, a gente provoca os turistas a conhecerem o acervo de Santos Dumont que é o seu fim institucional”.
O projeto, que foi orçado no total em R$ 13 milhões, envolve todo o espaço do museu. A ideia é que seja um espaço diverso, com opções de trilha, de diversas ocupações, inclusive com exposições itinerantes. “No projeto, tem um galpão com 15 m de altura que haverá exposições itinerantes. E vamos pendurar aviões e simuladores de voo, nessa toada de tirar o contemplativo e fazer um museu interativo.” Sandro afirma que a fundação já está viabilizando essas reformas a partir de verbas destinadas à cultura, mas empresários, sobretudo da cidade, têm ajudado na idealização disso. “Recebemos a notícia de que os três chalés nórdicos que nós temos e que eram usados para armazenar 60% do acervo serão restaurados. Com isso, torna-se viável voltar a ocupá-lo com os acervos originais e ainda fazer a entrega da medalha de Santos Dumont no espaço reformado ainda neste ano”, acredita.
150 anos de Santos Dumont
É difícil, no entanto, estimar quando essas obras vão ser, realmente, realizadas, sobretudo pelas burocracias que envolvem as captações de recursos. Mas Sandro se mostra otimista ainda mais que, neste ano, Santos Dumont comemora 150 anos. Ele esteve, recentemente, em Brasília, reunindo-se com deputados e a embaixada da França no Brasil em busca de parcerias e de buscar visibilidade principalmente no que diz respeito à comemoração. O presidente da fundação conta que em Paris diversas ações estão sendo realizadas em razão da data, mas, no Brasil, ainda não viu sinalização.
Sandro diz que, nesses 70 anos de fundação, ele acredita que este é um dos mais importantes, visto o processo de profissionalização do museu. Em meio a tantas dificuldades, o presidente diz que esse esforço é pela memória do Brasil. “Se acabar o Museu de Cabangu, a gente pode voltar a se chamar Palmyra”, diz, em referência ao fato de que a cidade de Santos Dumont, primeiro, se chamou Palmyra. “É importante esse esforço pela história e pela memória. Sem a história a gente não tem nada. E a gente tem o privilégio de ter tido um dos mais brilhantes nomes da história da humanidade que é o Santos Dumont. Se a gente não valorizar isso, a gente não é nada”, finaliza.