Há várias formas, estilos e tamanhos de crítica cinematográfica. Podemos partir dos 280 caracteres do Twitter até uma resenha de página inteira, cheia de reflexões, citações filosóficas e acadêmicas. Pode ser do simples “irado!” à análise de todos os aspectos técnicos, imagéticos e teóricos da sétima arte. E podemos nos ater exclusivamente à emoção. E talvez esta última seja a melhor forma de analisar “Jojo Rabbit”, que estreia nesta quinta-feira (6) com uma bagagem que inclui o prêmio popular do Festival de Toronto e seis indicações ao Oscar (melhor filme, roteiro adaptado, atriz coadjuvante, direção de arte e figurino). No último fim de semana, ainda veio mais um prêmio, de roteiro original, na cerimônia do sindicato dos Roteiristas de Hollywood.
“Jojo Rabbit” é a adaptação do livro “O céu que nos oprime”, de Christine Leunens, e o diretor Taika Waititi (também responsável pelo roteiro) o descobriu graças à sua mãe. Com as devidas mudanças, o cineasta neozelandês levou a história para os momentos finais da Segunda Guerra Mundial, em que a derrota dos nazistas é certa, mas parte da população ainda acredita que a vitória seja questão de tempo.
Um deles é Jojo Beltzer (Roman Griffin Davis), menino de apenas 10 anos que acaba de entrar para a Juventude Hitlerista. Ele acredita em todo o discurso de ódio nazista, em especial em relação aos judeus. Ridicularizado pelos garotos mais velhos, que dizem que o pai dele fugiu da guerra, Jojo tem apenas um amigo no mundo real, Yorki (Archie Yates), e um amigo imaginário, mas que é o mais abjeto dos seres humanos do século XX: Adolf Hitler – interpretado pelo próprio Taika Waititi, que tem ascendência judia, russa e maori.
Depois de sofrer um acidente num campo de treinamento para jovens nazistas, que o impede de ir à guerra, Jojo passa a realizar pequenos serviços para o Exército local, enquanto mantém um relacionamento complicado com a mãe (Scarlett Johansson), crítica ferrenha da guerra e que passa os dias em paradeiro desconhecido. É por conta disso que, um dia, ao chegar mais cedo em casa, o garoto descobre que sua mãe mantém Elsa (Thomasin McKenzie), uma adolescente judia, escondida em uma parede falsa da casa. A partir de então, Jojo fica dividido entre o dever com a pátria e o amor à mãe, pois apesar de acreditar que judeus são criaturas demoníacas com chifres, que dormem pendurados como morcegos, entregar a jovem significaria a execução de sua mãe pelos nazistas.
Engraçado, tenso, triste e emocionante
Taika Waititi é conhecido pelo humor de seus filmes, que passam pela comédia escrachada de “O que fazemos nas sombras” e “Thor: Ragnarok” e chega à fábula de “A incrível aventura de Rick Baker”. Pois o cineasta consegue, mesmo com um tema tão pesado, usar do humor para mostrar o ridículo, o absurdo e a infâmia que representam o nazismo, algo por si tão difícil de retratar no cinema que não seja de uma forma que faça a plateia sentir ultraje pelo mais abominável dos movimentos de extrema-direita.
E Waititi não mede esforços para mostrar como é inaceitável, nos dias atuais, aceitar o crescimento dessa ideologia, seja no treinamento das crianças, no comandante local, no uso de cidadãos comuns, crianças e idosos na defesa da cidade, ou no discurso de ódio contra os judeus, tratados o tempo todo como monstros que vão te atacar no escuro. Até mesmo os aliados: num determinado momento do filme, Yorki diz que os alemães têm apenas os japoneses como aliados, “e eles nem são tão arianos assim”.
Mas “Jojo Rabbit” não é apenas comédia ou nazistas caricatos. Eles são mostrados, em vários momentos, como figuras realmente terríveis, capazes de atrocidades, e a relação de Jojo com a mãe é das coisas mais belas. O longa tem vários momentos de suspense, drama, é possível até mesmo dizer que há um pouco de “Meu primeiro amor” na história, que no último ato consegue intercalar momentos de profunda tristeza, pavor, com um final agridoce, que nos dá esperança. Seja por meio do figurino, de um par de sapatos, o fato de o garoto não saber amarrar os cadarços, o longa deixa uma série de metáforas que permitem ao público entender como todo uma população pôde se deixar levar por uma onda de ódio, ressentimentos, arrogância, ganância, desprezo ao próximo – não muito diferente do mundo em 2020, infelizmente.
É preciso dizer, ainda, que “Jojo Rabbit” tem atuações espetaculares. Roman Griffin Davis está espetacular como Jojo Beltzer, e seus momentos com Thomasin McKenzie e Scarlett Johansson – que, sim senhor, merece o Oscar! – estão entre os melhores do filme. Archie Yates é puro carisma, e Sam Rockwell faz o que sabe de melhor como o comandante nazista local, que tem uma relação nada discreta com seu subordinado, interpretado por Alfie Allen (o Theon Greyjoy de “Game of Thrones”). E Rebel Wilson está impagável como a Fraulein Rahm – o que só aumenta o aperto no coração quando o final da história se aproxima. Taika Waititi como Adolf Hitler é um dos maiores acertos do diretor, que ao retratá-lo como uma criança crescida de 10 anos mostra todo o ridículo do seu discurso.
Pois é. A ideia era escrever uma crítica mais carregada na emoção que na análise do longa, mas não rolou. Então, como estamos no final, vamos abrir o coração: “Jojo Rabbit” é lindo, um dos filmes mais emocionantes e cativantes de 2019, que mereceria vencer o Oscar de melhor filme – se perder para o sul-coreano “Parasita” a gente entende, qualquer outro resultado é marmelada feia. É uma fábula que vai te provocar todo tipo de emoção, que vai dar aquele aperto no peito toda vez que lembrar do filme, que ler uma crítica, ouvir um comentário, assistir ao trailer, ver uma foto.
E, sim, você vai chorar – e muito – com o filme, de soluçar. Provavelmente vai continuar chorando se assistir a uma segunda, terceira, quarta vez. Porque o bom cinema é aquele que coloca todas as emoções do espectador para fora – e dificilmente existe um filme que vá abalar seu emocional como “Jojo Rabbit”.
Pronto. Falei.
“Jojo Rabbit”
Estreia nesta quinta-feira (6). UCI 4 (leg): 17h50, 22h30. UCI 5 (leg): 18h05 (qui), 20h20 (sex). Classificação: 14 anos