Um dos mais consagrados romancistas italianos do século passado, Giorgio Bassani (1916-2000) é reconhecido como autor que soube equilibrar em seus livros a delicadeza e a monstruosidade da sociedade de sua terra natal – em especial durante o período da ditadura fascista de Benito Mussolini. Por conta de suas atividades antifascistas, chegou a ser preso em 1943. E é como memorialista de um dos mais vergonhosos momentos da história de seu país que ele se apresenta em “Os óculos de ouro”, que ganhou este ano nova edição no Brasil pela Todavia, com tradução de Maurício Santana Dias.
São dois os protagonistas em “Os óculos de ouro”. Um deles é o narrador da história, um jovem estudante judeu – assim como o escritor – que observa os descaminhos de seu país e a crescente manifestação antissemita, com o temor de que Mussolini tome as mesmas medidas que o asqueroso Adolf Hitler adotara na Alemanha nazista contra os judeus. O outro é Athos Fadigati, um médico que se mudou para a cidade há muitos anos e que é querido por todos pela sua competência profissional, a cultura, erudição, bons modos, elegância e discrição.
Entretanto, toda a sofisticação e ótima reputação profissional de Fadigati de nada valem quando a população começa a desconfiar que o médico, com mais de 40 anos e ainda solteiro, seja homossexual. Aos poucos, os gestos, os olhares e as companhias – principalmente quando viaja de férias com um jovem local – tornam impossíveis de disfarçar a homossexualidade do então conceituado doutor. O resultado é que ele cai progressivamente em desgraça com os moradores de Ferrara, que não conseguem mais dissimular o preconceito.
Pelo olhar de seu narrador, Giorgio Bassani fez de “Os óculos de ouro” um livro dotado de uma sensibilidade única ao reconstituir uma época marcada pelo conservadorismo e pelo preconceito de uma sociedade que abrigou uma aberração como o fascismo, capaz de destruir a vida de uma pessoa que queria apenas ser feliz de acordo com seus próprios termos. É através desses paralelos entre a desmoralização pública e a decadência de uma sociedade entregue à extrema-direita que o Bassani criou um romance magistral.