“Ficar frágil feito uma criança / Só por medo ou por insegurança / Ficar bem ou mal acompanhado / Não importa se der tudo errado (…) Tudo isso às vezes só aumenta / A angústia e a insatisfação (…) Nada disso às vezes diminui / A dor e a solidão.” Presente no emblemático álbum “Jesus não tem dentes o País dos Banguelas”, lançado pelos Titãs em 1987, a música “Diversão” pode ter inúmeros significados, e um deles é o desespero, o vazio, desilusão, o medo e a fragilidade que são inerentes à natureza humana. E muitas vezes, sem o apoio e compreensão necessários, pode ter um trágico fim.
Mas a arte não serve apenas para expor nossas mazelas interiores. Ela pode também servir como instrumento para ajudar a encontrar um novo caminho, uma saída, ou despertar nossa atenção para quem, muitas vezes tão próximo, sente-se dolorosamente distante. É com este espírito que a pró-reitoria de cultura da UFJF realizou entre outubro e novembro a primeira edição do concurso “Viva a vida, combate ao suicídio”, com alunos da instituição, cujo resultado pode ser visto em quase sua totalidade a partir desta quarta-feira (5), às 20h, no Espaço Reitoria, na exposição que leva o mesmo nome do concurso e que poderá ser visitada até março de 2019.
No total, participaram 98 alunos de 24 cursos da instituição, a maioria de artes e design, mas também ciências biológicas, econômicas, engenharia, odontologia, geografia, nutrição, educação física, história, química, turismo e veterinária, entre outros, dos campi de Juiz de Fora e Governador Valadares, que rendeu um total de 166 cartazes sobre a importância da conscientização quanto ao combate ao suicídio, em obras que exploram diversos estilos e formas de ajudar a chamar a atenção para a questão. Na estreia da exposição – que contará com a maioria dos 166 trabalhos inscritos – será entregue a premiação de dez cartazes, além de 20 menções honrosas. Os alunos premiados são Ada Medeiros, Giovanni Vicente, Giuliano Pietro, Júlia Perrotti, Júlia Queiroz, Leandro Carvalho, Luiz Otávio Campos, Matheus Nogueira, Renata Dorea e Vitória Rios Baranda.
De acordo com a idealizadora do “Viva a Vida…”, a pró-reitora de cultura Valéria Faria, um dos motivos para a criação do concurso é ao mesmo tempo geral e particular. “(Temos um) alto índice de suicídio no Brasil e, lamentavelmente, um crescente número de casos registrados entre jovens estudantes de universidades brasileiras, inclusive em nossa UFJF, o que preocupa muito”, explica. “Temos notado muita ansiedade, depressão e transtornos mentais diversos. Além das demandas e compromissos da vida estudantil, que impõem novas responsabilidades e desafios aos jovens, estamos enfrentando tempos difíceis com muitas adversidades. Precisamos nos fortalecer nas universidades, mostrar que estamos juntos, que podemos exercitar a livre expressão e o pensamento aberto, sem temer quaisquer forças opressoras.”
Tema de interesse geral
Quase cem alunos se engajarem no concurso, envolvendo mais de 20 cursos da instituição. Foi um número que superou as expectativas da organização, segundo Valéria – o que, em sua perspectiva, mostra que o tema importa a todos e que mesmo áreas não tão próximas à criação artística possuem gente com talento e sensibilidade para participar do concurso. “É natural que os trabalhos dos alunos de design, artes, comunicação e arquitetura tenham apresentado um domínio técnico e formal com algum refinamento superior, afinal há muitas disciplinas nestes cursos que promovem uma investigação mais aprofundada sobre o conhecimento estético e conceitual”, reconhece. “Mas notamos que alunos de áreas de exatas ou científicas também se esforçaram bastante no desenvolvimento de seus trabalhos. Foi gratificante notar este esforço. Gerou resultados muito expressivos.”
O concurso não é apenas para mostrar ou descobrir talentos. Ela tem a esperança de que a mostra no Espaço Reitoria possa ajudar na prevenção de novas ocorrências. “Sou muito otimista em relação a esta questão. Eu acredito no poder da arte como força de mudanças. A arte liberta. Ilumina. Transforma. Recria. Nós podemos viver com um pensamento artístico nas mínimas coisas que fazemos no dia a dia”, diz, esperançosa. “Desejamos que haja uma boa difusão e maior aproveitamento dos trabalhos desenvolvidos nesta exposição, mas, sobretudo, que a mensagem de otimismo e força da exposição alcance o maior número de pessoas.”
Para além da galeria
Estudante do curso de arte e design, Vitória Rios Baranda faz parte do grupo de dez alunos premiados na quarta-feira. Ela, assim como Valéria Faria, acredita que a arte é uma forma de mostrar às pessoas que é possível procurar e encontrar ajuda nos momentos mais difíceis.
“Acho importante (o papel da arte), porque hoje temos mais contato com esse tipo de trabalho nas redes sociais, que ajudam a passar uma mensagem. É possível compartilhar de forma mais fácil, ter um alcance maior”, acredita a artista e estudante, que confessa ter passado por momentos complicados. “Eu tenho problemas de depressão e tenho amigos que convivem com isso ou têm casos na família. É importante levar essa questão para a UFJF, um lugar em que vivemos um momento de mudança, estressante, em que acontecem muitos casos assim. Essa exposição é fundamental para alertar as pessoas para esta situação, ainda mais num espaço em que muita gente encara esse problema.”
Questão de saúde pública
Anteriormente visto com preconceito e sob os mais variados clichês, o suicídio, há anos, vem sendo tratado como questão de saúde pública e, principalmente, como situação que pode ter seus índices diminuídos de forma drástica com os devidos trabalhos de prevenção e conscientização. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em 2016, mostrou que cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, o que dá a média de uma pessoa tirando a própria vida a cada 40 segundos. Os dados, porém, podem ser maiores, pois muitos países não produzem estatística confiáveis – e ainda há as tentativas que não resultam em morte. Na ocasião, a OMS lembrou ainda que apenas 28 países possuíam uma estratégia nacional de prevenção ao suicídio, e outros poucos incluíam a questão entre suas prioridades de saúde.
Este número faz com que o suicídio esteja entre as dez principais causas de morte no mundo, e é a principal entre jovens na faixa dos 15 aos 29 anos. Outro número apresentado pela OMS mostrou que 75% dos casos ocorrem nos países de baixa e média renda, e que grupos vulneráveis à discriminação, como refugiados e migrantes, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e interssexuais (LGBTI), e pessoas privadas de liberdade estão mais suscetíveis a tentar tirar a própria vida.
No Brasil, levantamento feito pelo Ministério da Saúde aponta que o número de suicídios aumentou 12% no país entre 2011 e 2015, passando de 10.490 mortes (2011) para 11.736 (2015). Esta é, ainda, a quarta maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos, e os homens foram responsáveis por 79% deste total. Viúvos, solteiros e divorciados respondem por 60% das mortes, e os indígenas formam 15% dos suicidas.
De acordo com especialistas, diversas ações poderiam diminuir o número de suicídios, entre elas a redução de acesso aos meios utilizados, a introdução de políticas públicas para reduzir o uso exagerado e nocivo do álcool, identificação precoce para o tratamento e cuidados de pessoas com transtornos mentais ou por uso de substâncias, assim como dores crônicas e estresse emocional agudo. Para a OMS, ações como atenção e apoio poderiam prevenir até 90% dos casos.
VIVA A VIDA, COMBATE AO SUICÍDIO
Abertura nesta quarta-feira (5), às 20h. Visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, e sábados, das 9h ao meio-dia, no Espaço Reitoria (Campus UFJF)