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“O que ficou para trás”: terror de interiores chega ao streaming

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Rial (Wunmi Mosaku) e Bol Majur (Sope Dirisu) tentam uma nova vida na Europa, mas a tragédia e o passado perseguem o casal (Foto: Divulgação)

“O que ficou para trás”, coprodução da BBC Filmes com Regency e Netflix, que estreou na plataforma de streaming na última sexta-feira (30 de outubro), tem sido comparado pela trama e críticas elogiosas à cinematografia de Jordan Peele. O diretor e roteirista de “Corra!” e “Nós” deu novo sangue (opa) aos filmes de terror por colocar negros como protagonistas e adicionar questões como o racismo em suas tramas, além de momentos de humor que ajudam a aliviar o clima. Por mais que existam similaridades óbvias entre os trabalhos, a estreia de Rami Weekes na direção e roteiro tem personalidade própria, e é uma das melhores produções do gênero em 2020.

Os protagonistas do longa são o casal Bol (Sope Dirisu, da série “Human”) e Rial Majur (Wunmi Mosaku, de “Lovecraft Country”), e a história não gasta 15 minutos para situar o que aconteceu com os dois. Eles estão em fuga do Sudão do Sul, um dos vários países da África que sofrem com guerra civil ou genocídio étnico ou ditadura, muitas vezes um combo que reúne dois ou todos esses dramas. A solução, como a de tantos refugiados africanos, é cruzar o oceano em uma embarcação precária em direção à Europa. Eles sobrevivem após o barco naufragar, mas a custo de uma tragédia que marca os dois, e são enviados para a Inglaterra depois de resgatados.

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Na ilha britânica, depois de meses confinados, recebem a oportunidade de viver em uma casa nos subúrbios de Londres, mas a regra é clara: só podem viver com o dinheiro dado pelo Governo, estão proibidos de trabalhar, dar festas, mudar de domicílio, e devem tentar se misturar com a população local; se pisarem na bola, voltam para casa. Quem os ajuda nessa fase é um funcionário público (Matt Smith, de “Doctor Who” e “The Crown”), que ainda diz que a casa oferecida pelo Governo é maior que a aquela em que ele mesmo vive. A diferença é que o imóvel está caindo aos pedaços, imundo, com rede elétrica à beira do curto-circuito, portas despencando e baratas brotando de restos de comida deixados pelos antigos moradores.

Enquanto Bol está animado para começar uma nova vida e deixar as tragédias para trás, Rial ainda se mostra cética quanto ao futuro, e é aí que o terror dá as caras no longa. Não demora muito para o casal começar a ouvir sons estranhos, vozes, sussurros, ver figuras vindas do além e a ter pesadelos. Para Rial, não há dúvidas: um apeth (bruxo da noite) atravessou o oceano com eles e cobra um preço pelas almas que ficaram para trás. Para ela, a solução é voltar para o Sudão do Sul, pois jamais terão paz no novo lar. Bol, por outro lado, por mais que seja o principal alvo do espírito maligno, se recusa a abrir mão da nova oportunidade dada pelos ingleses e quer lutar contra os espíritos, mesmo que isso comece, aos poucos, a cobrar sua sanidade.

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Sem sustos fáceis

“O que ficou para trás” poderia ser mais um desses filmes de terror passados em casas mal-assombradas, cheio de jump scares com fantasmas pulando de espelhos, paredes que se fecham sobre os personagens ou portas que os prendem em quartos enquanto alguma guria fica andando pelas paredes. Ainda bem que Remi Weekes não se deixa levar pela repetição preguiçosas de clichês, com as lendas e rituais de magia africanos substituindo bonecas e brinquedos amaldiçoados.

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Em sua estreia por trás das câmeras, os espíritos estão nas sombras, dentro das paredes, se arrastando pela casa e exigindo que os protagonistas paguem pelos seus pecados, o sangue é consequência. Mesmo quando atacam Bol, é a tensão que dá o tom, e não a correria desesperada – até porque a casa não é tão grande assim. O terror, aliás, persegue os personagens mesmo na rua, durante o dia, como na cena em que Rial se vê perdida em meio aos labirintos do conjunto habitacional para onde foram alocados.

Além dos elementos sobrenaturais, “O que ficou para trás” se aproveita de um tema atual – o drama dos refugiados da África – para incluir de forma orgânica na trama outras questões do século XXI, como a dificuldade de adaptação em um país estrangeiro, ainda que falem a mesma língua; os conflitos étnicos existentes na África; a forma com que os governos europeus lidam com os refugiados, naquele esquema de “ajuda” que – na verdade – tenta dificultar a vida dos refugiados a ponto de fazer com que sejam expulsos ou desistam; e o racismo, até mesmo entre aqueles que têm a mesma cor da pele, como na cena em que adolescentes negros mandam Rial “voltar para a África”.

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Ao sintetizar em pouco mais de 90 minutos terror (físico e psicológico), dramas dos dias atuais, tragédias pessoais, suspense e um cenário que aterroriza e se degrada a cada minuto, Remi Weekes faz de “O que ficou para trás” um dos filmes que merecem ser assistidos em casa nesses meses de pandemia e cinemas fechados.

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