Site icon Tribuna de Minas

Exposição virtual do Forum da Cultura relembra o Festival de Arte da UFJF

PUBLICIDADE
O tradicional Batuque Afro-brasileiro de Nelson Silva foi uma das atrações do Festival de Arte da UFJF durante sua existência (Foto: Reprodução)

Um pedaço pouco lembrado da história da Universidade Federal de Juiz de Fora e da própria cultura do município está sendo resgatado na exposição virtual “Festivais da UFJF”, organizada pelo Forum de Cultura e que relembra as nove edições do Festival de Arte promovido pela instituição de ensino entre 1963 e 1971. Até o final do mês, serão publicados nas páginas do Forum da Cultura no Facebook e Instagram (@forumdaculturaufjf) registros fotográficos do festival, além de textos explicativos, vídeos de especialistas sobre os contextos políticos e cultural – entre outros – da época e também depoimentos de personalidades que participaram das edições do evento, como o ilustrador Eliardo França e o ator e diretor José Luiz Ribeiro.

Com o conceito de ser “semeador de beleza e cultura”, o Festival de Arte da UFJF foi criado pelo primeiro reitor da instituição, Moacyr Borges de Mattos, e contou com o chefe do então recém-criado Departamento de Educação e Cultura, o professor Irven Cavalieri, na organização. Até 1971, a programação contou em sua programação com oficinas, concursos, apresentações artísticas, conferências e premiações em diversas categorias, entre elas pintura, desenho, música, literatura e teatro. Entre os locais que receberam os eventos do festival estão o Clube Juiz de Fora, Cine Excelsior, a antiga reitoria (atual Mamm), Cada D’Itália, Palace Hotel e a antiga Faculdade de Direito, que deu lugar ao Forum da Cultura.

PUBLICIDADE

Nomes conhecidos na cidade e também em todo o Brasil participaram do Festival de Arte da UFJF: Josué Montello, Allan Renault, Eliardo França, Helena Aparecida Rocha Zaghetto, Sheyla Silva Brasileiro, Roberto Rezende Guedes, Marilda Ladeira, Jones Kalil Jacob e a atual prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão, que se apresentou ao piano na segunda edição, em 1964, e recebeu menção honrosa em música erudita.

<
>
Acervo do Forum da Cultura com cartazes do Festival de Arte da UFJF foi o ponto de partida para a criação da exposição virtual (Foto: Reprodução)

Em busca da memória perdida

O diretor do Forum da Cultura, Flávio Lins, conta que a ideia da exposição virtual foi consequência da curiosidade de saber que festival era aquele, do qual a equipe do Forum tomou conhecimento pelos cartazes de algumas edições que constavam de seu acervo. Conversava com um, conversava com outro, resolveram fazer uma pesquisa a partir do acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, onde encontraram em alguns jornais cariocas notícias sobre as inscrições, premiados, porém sem imagem alguma dos festivais.

PUBLICIDADE

“Consultamos então o Arquivo Central da UFJF, mas tinham encontrado pouca coisa. Foi com o aniversário de 60 anos da universidade, quando pedimos para as pessoas enviarem fotografias antigas, que conseguimos mais imagens, mas eram fotos sem identificação dos personagens, e tivemos que pesquisar para tentar conseguir identifica-las”, relembra Flávio, acrescentando que os locais que abrigaram os eventos também foram procurados, mas não tinham registros das atrações em seus arquivos. Também não foram encontrados registros audiovisuais. “O pessoal do Arquivo Central continuou pesquisando e encontrou mais coisas, seja o edital de um determinado ano, o resultado de concursos… no geral, o acervo relativo a todas as edições é muito tímido”, lamenta Lins.

Entre as imagens que fazem parte da mostra virtual estão registros da abertura de exposições e apresentações musicais. Mesmo não conseguindo identificar sempre a data das fotografias e mesmo quem aparece nelas, além de não ter registros de todas as edições, o Forum da Cultura decidiu utilizar todas as imagens encontradas para montar a exposição e ajudar a contextualizar o importante momento histórico. “Pode não ser uma mostra valiosa pela quantidade, mas é muito importante pelo momento em que se deu”, pontua Flávio Lins, também professor na Faculdade de Comunicação da UFJF. “É uma mostra que trata de manifestações artísticas em uma época de turbulência política, então sabemos que havia uma certa atenção ou tensão com o movimento estudantil, professores, universidade. É um momento muito interessante, porque havia um ‘sopro de contracultura’ no ar, da ideia do nacional popular, de se voltar a uma cultura que visse outros aspectos da sociedade brasileira e não apenas a arte folclórica.”

PUBLICIDADE

Quanto à possibilidade de uma futura exposição presencial com esse material, Lins afirma que existe a intenção de realizá-la, até pelo retorno obtido por meio das redes sociais, mas que não seria possível a curto prazo – pensando no pós-pandemia – devido aos recursos necessários para sua realização.

Lista de premiados da edição de 1964 trazia menção honrosa à futura prefeita Margarida Salomão (Foto: Reprodução)

Dando voz e visibilidade aos artistas

Uma das personalidades que já gravaram seus depoimentos para a exposição, o diretor, ator e dramaturgo José Luiz Ribeiro lembra que a união das faculdades já existentes para a criação da UFJF resultou também na criação dos Jogos Universitários, que eram realizados no primeiro semestre, enquanto que o segundo semestre – mais especificamente em outubro – tinha como atração o Festival de Arte.

PUBLICIDADE

“Esses festivais certamente deram uma força para união dos artistas, universitários”, afirma Ribeiro, que participou tanto da programação teatral quanto da de artes plásticas. “Havia um encontro em que eram feitas declamações, e o Grupo Divulgação [do qual Ribeiro é um dos fundadores] tem um troféu na categoria grupo. Além disso, tive a honra de ter uma menção honrosa nas artes plásticas, junto a nomes como Dnar Rocha e Carlos Bracher. Havia ainda cursos de artes mais ou menos semelhantes ao do Festival de Inverno de Ouro Preto, que estava começando na época. Acredito que o Festival de Arte da UFJF deu voz e visibilidade a muita gente, e pontuou a cultura de Juiz de Fora de maneira muita rica.”

Dentre os poucos registros fotográficos da época consta a exposição de artes plásticas da quinta edição do festival, em 1967 (Foto: Reprodução)

Contextualizando o momento histórico

A exposição virtual também tem vídeos gravados com acadêmicos que ajudam a entender o contexto político, histórico, cultural e até mesmo da moda no período. É sobre esse último assunto que o professor do curso de moda, arte e cultura da UFJF, Afonso Rodrigues, deu sua contribuição.

“Os anos 50 tiveram uma transformação social muito grande por causa do final da Segunda Guerra Mundial, a ascensão da classe média, a industrialização e, na parte social, tivemos a ascensão da juventude como fonte de poder social e cultural”, aponta. “No Brasil, tivemos o público jovem como ‘ditador’ – no sentido de ditar – de comportamentos, resultando em novas configurações para a cultura e a sociedade. E a moda não ficou atrás, até porque fez parcerias com essas novas formas de discursos artísticos.”

Afonso destaca ainda a chegada de um pensamento mais libertário por meio do movimento hippie, as transformações na indústria têxtil local com o crescimento da demanda, os primeiros eventos de moda promovidos pela Rhodia e a mudança nos comportamentos – inclusive o sexual -, que eram condizentes com o pensamento de contestação da época.

“É quando passa a existir a moda unissex, a ousadia do monokini (uma forma mais ousada do biquíni), a minissaia. Foi nessa época que os estilistas brasileiros passaram a ganhar espaço aqui e no exterior, ditando uma moda brasileira, ainda que ligada à moda internacional, como o Dener, Clodovil, Alceu Penna”, enumera. “No caso de Juiz de Fora, vimos o reflexo do que acontecia nas capitais, e em especial no Rio de Janeiro.”

Apresentações de violão – individuais ou em grupo – marcaram o Festival de arte da UFJF (Foto: Reprodução)

Deslocamento da arte para questões políticas e sociais

A professora de história da arte do Instituto de Artes e Design da UFJF (IAD), Renata Zago, falou sobre o contexto histórico em que aconteceram os festivais. Ela explica que, enquanto os anos 1950 foram marcados pela difusão da arte abstrata no país, na década seguinte a arte brasileira de vanguarda foi marcada pelo experimentalismo, uma grande liberdade criadora e engajamento social.

“No início dos anos 1960, o eixo do debate artístico deslocou-se das questões estéticas para as questões políticas e sociais, dando início a uma preocupação artística comprometida com a realidade imediata”, contextualiza. “Na época tumultuada da ocasião política que se segue à posse de Jânio Quadros, em 1961, até 1964, a importância do ‘popular’ e dos meios de comunicação de massa para o ambiente artístico e intelectual parece se tornar mais evidente, já que por meio deles é possível aproximar-se do povo, chamando sua atenção para a necessidade de conscientização.”

Quanto às produções culturais realizadas entre o golpe de 64 e o Ato Institucional Nº 5, de 1968, ela acredita que “um certo valor contestatório foi agregado às manifestações artísticas. Destacavam-se, sobretudo, as manifestações como o cinema, o teatro e a música popular, que propiciavam uma certa cumplicidade jovem e pública frente à grande indignação”, pontua.

Exit mobile version