Não importa o motivo: seja ele econômico, social, político, religioso, conservador ou pura censura – muitas vezes alguns deles misturados -, a verdade é que a cultura no Brasil tem sofrido ataques diretos e indiretos à sua produção, realização, criação, exibição, mil coisas. É preciso, então, desdobrar esforços para não criar um vácuo que pode se tornar irreversível. E foi lutando contra as adversidades que a ONG Associação Cavaleiros da Cultura (ACC) conseguiu, mesmo com apenas um terço do orçamento de 2018, tornar possível a realização da sexta edição da Fliminas – Festa Literária de Minas Gerais, que tem início nesta sexta-feira na cidade de Rio Novo.
Até domingo (8), a pequena cidade vai receber inúmeras atrações gratuitas em vários espaços, incluindo mesas de debates, lançamentos de livros, palestras, shows musicais, peças de teatro e exposições, com nomes de destaque na literatura e outras expressões artísticas. Entre os nomes que participam da festa literária estão Bia Bedran, Daniela Arbex, Mary França, Chico Otávio, Roberta Salgueiro, Dudu Lima Trio, Tatá Chama e As Inflamáveis, Teatro da Pedra, Daniel Monerat, Roger Resende e Carlos Fernando. Confira aqui a programação.
Um dos organizadores do evento, André Colombo, prefere destacar a distribuição gratuita de livros, uma tradição do evento. Para este ano, a Cavaleiros da Cultura pretende distribuir cerca de três mil kits de livros infantis para os alunos das escolas participantes. “Nosso diferencial é focar na questão literária, não ser um evento comercial. Nosso objetivo principal é a distribuição gratuita de livros, o incentivo à leitura, mesmo tendo os estandes das livrarias e editoras.”
Se é possível celebrar o incentivo ao surgimento de novos leitores, é preciso voltar à questão do início da matéria. Até pouco mais de um mês, a organização da Fliminas não tinha certeza se a festa literária aconteceria. O principal motivo, explica André, foi a falta de editais estaduais e federais para cultura em 2018, e sem esse mecanismo a ONG não tinha como conseguir financiamento público. Como o festival cresceu muito de dimensão desde sua criação, o governo municipal não tinha como arcar com todos os custos.
“Tivemos que lançar mão de algumas estratégias para não cancelar o evento, e uma delas foi o financiamento coletivo (crowdfunding). Não alcançamos a meta, porém obtivemos uma base para poder realizar o evento. Também recebemos apoios institucionais para manter a Fliminas com o mesmo nível dos anos anteriores e no calendário cultural de Minas Gerais, inclusive com um intercâmbio muito grande. Teremos atrações para todos os públicos, dia e noite, mesas de debates de alto nível, e todas gratuitas em espaços públicos e privados cedidos para a organização.”
Mobilização local
A necessidade também gerou criatividade, com uma redução de custos que permitiu que a Fliminas possa acontecer com cerca de um terço do valor disponível para a edição anterior. Como já era sabido desde 2018 que não haveria financiamento por meio de editais, a ACC pôde correr atrás de soluções que viabilizassem a edição de 2019, e para o ano que vem já estão de olho nos editais abertos.
Outro ponto que André Colombo considera fundamental para a Fliminas não ser cancelada é a participação da população local. “A população se envolve bastante; temos um número significativo de voluntários, que se envolvem meses antes do evento, assim como instituições, e o comércio em geral também busca contribuir. Tivemos muitas dificuldades, mas as pessoas contribuíram de diversas formas, como na vaquinha virtual, e outros fizeram mobilizações importantes para a realização da festa literária”, comemora.
“O evento é resultado de um esforço coletivo muito grande, e essa coletividade vai estar evidente na programação, com atrações e grupos de várias cidades da região.”
Em meio às dificuldades, novidades
Com a indefinição quanto à realização da Fliminas em 2019, a organização do evento preferiu este ano não ter um único homenageado, que tinha então sua obra como objeto de estudo das escolas da rede pública. As instituições de ensino puderam então escolher seus autores, e para esta edição os homenageados pelos alunos serão Margareth Marinho, Vanda Ferreira, Gustavo Buruga, Juliana James e Magda Trece.
“Tínhamos vários nomes fortes a ser homenageados, mas decidimos protelar pelo risco de cancelamento. Anunciar um nome e cancelar seria muito chato”, justifica. “Dessa forma, tivemos a estratégia de envolver a comunidade, que escolheu os seus homenageados entre artistas locais, regionais, autores que têm uma relação com a gente, fazem parte da nossa história”, justifica André Colombo.
“Outra novidade é uma mostra relacionada a literatura e empreendedorismo através do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Teremos outras inovações este ano, mas o principal é o resultado dessa programação como ato de resistência e ação coletiva.”