Quando Clara Castro fala sobre música, vários fios vão sendo puxados que têm a ver com o que ela entende como necessidade de viver disso. A música chegou a ela, primeiro, pela composição, e isso explica a vitalidade de suas letras em relatar algo tão íntimo. “É muito doido como que sem compor eu fico totalmente perdida. Como se eu não tivesse me situado no mundo”, confessa. Em “Castrofobia”, seu primeiro disco de trabalho, lançado em 2018, a artista, natural de Barbacena, intercala o íntimo com a explosão. São músicas que mesclam o pessoal com o universal. “(Esse disco) foi um movimento de fora para dentro”, assume.
Já em “Ana”, EP que foi lançado em 2021, Clara dá margem às memórias em um fluxo de dentro para fora. Ela, agora, vive um “Depois de Ana”, que é a transição entre o último disco e um novo trabalho que vai ser lançado ainda neste ano. Esse, inclusive, é o nome do show que ela apresenta nesta sexta-feira (3), no Sensorial, a partir das 20h: “Noite de reencontros”, adianta. Laura Jannuzzi também estreia o show de “Sede da manhã”, seu disco lançado em 2021. Completam o encontro Alice, Laura Conceição, Caetano Brasil e Chico Cabral, que fazem participações especiais. Nat Baby comanda a discotecagem.
Em trânsito. Talvez isso resuma os movimentos. “Ana” é um álbum visual. Para além das músicas que estão disponíveis nas plataformas digitais, foi produzido um vídeo contínuo, para o YouTube, que é também uma narrativa desse processo. “Acabou virando intimista porque foi a partir de onde eu encontrei, na pandemia, uma caixa de fita VHS da minha infância. Eu comecei a ver e me vi criança. Eu fui vendo que eu continuo igualzinha, mas sou tão diferente ao mesmo tempo. Fiquei intrigada com as fitas e acabei achando meu mapa astral também. Foi um mergulho interior, um negócio de pegar as coisas físicas que tinha de memória, que estavam ali no retorno proposto pela pandemia, que a gente ficou em contato com a nossa casa de um jeito que a gente nunca esteve. Com isso, eu fui mergulhando nesses objetos.”
Rastros de quem se é
Depois dele, esse instinto de pensar em quem se é foi aprofundado. Ela passou, então, a pensar nas memórias de fora dela. Porque quando terminou o “Ana”, Clara viu que era necessário ir para fora para entender o que tem dentro. “Foi um processo íntimo que eu comecei a expandir para coisas não minhas. Gravação da minha mãe, cartas da minha avó. Eu peguei objetos de memória que saíssem um pouco de mim e que, ao mesmo tempo, estavam atrelados às minhas ancestrais, mas que me levavam a outras histórias.” Elas foram importantes para desvendar os mistérios.
“E é isso que vai acontecendo com a gente: a gente vai deixando essas pistas para trás. E as pistas vão contando uma história que não é só nossa, é de todo mundo. Fui pirando em como se a gente fosse puxando os fios das histórias pessoais e fosse chegando em umas coisas que são coletivas e que falam do que a gente está vivendo.” Tanto que, mais que os objetos ligados a seus familiares, Clara foi em busca de rastros de anônimos, como em brechós e sebos.
O novo disco, fruto desse trânsito, vai ainda aprofundar um embrião de “Ana”, que é a parte visual. “Porque isso me deu uma visão para outras formas de manifestar a história que não seja necessariamente pela música, que entra em outros sentidos.” Tem aí, também, o desejo de unir o teatro e a música: duas coisas que constroem Clara mas que, por muito tempo, estiveram em lugares diferentes. No novo trabalho, algumas músicas são as mesmas desse EP, mas em formato diferente, já que elas foram lançadas com Clara cantando e tocando e, agora, elas ganham o arranjo de uma banda.
Fruto dos encontros
O que Clara gera agora tem também a ver com o processo de se mudar para São Paulo. Ela morava em Juiz de Fora e decidiu ir rumo a um novo espaço. Aqui, ela teve contato com o que mais preza: os encontros, principalmente propostos pelo Encontro de Compositores. “A gente está trocando ali o tempo todo, a música circula quando você está tocando com outras pessoas, quando você está fazendo parte de uma cena. É tão natural que tudo se explica quando você compõe uma música. E é o que eu mais sinto falta aqui. E eu entendo agora: que é fazer a música pelo encontro. Com esse certo distanciamento a gente consegue entender mais ainda isso.”
Clara confessa que, realmente, quando compõe, é o seu interior que fala: “Para mim era muito difícil imaginar uma personagem (na hora de compor). É como se na música eu sou mais eu, eu, eu. E é muito doido, porque a gente é personagem da gente mesmo o tempo todo”. Ao mesmo tempo, é com o outro que tudo faz sentido. Em “Ana”, por exemplo, Laura Jannuzzi divide com ela “A torre”. Alice, Daniela Zorzal, Sarah Vieira e Tatá Rocha, que compõem a banda Tata Chama e as Inflamáveis, fecham o EP com “Hora de acordar”. “A música vira nossa quando outra pessoa canta, não só minha. A Laura traz uma outra camada, as meninas do Tata Chama também. A gente vai complexificando as coisas. As personalidades impressas, misturadas e conversando. É outra coisa que tem ali entre nós, não é você nem o outro.”
Este show de sexta, então, além de proporcionar os encontros, apresenta quem é Clara depois de “Ana”: o que foi que aconteceu nesse processo de aprofundar o entendimento do que é viver nesse mundo de agora. Ela chega com sua banda, formada por Nathan Itaborahy, Lucas Gonçalves e Douglas Poerner. “E vai ser um show de reencontros, e é muito sobre isso. A minha conclusão nos últimos tempos foi a de que a gente precisa se encontrar, perambular. E pensando em tudo isso, só via sentido voltar assim: dividir a noite com a Laura, chamar a galera para participar – reconectar ali os fios e estar junto e fazer música. É também como se o universinho do ‘Ana’ tivesse ganhado camadas. E o ‘Depois de Ana’ é isso: as outras camadas que vão além do álbum e que têm a ver com o encontro”, finaliza.